Em
24 de fevereiro de 2022 o exército russo invadiu a Ucrânia. Há diversas
explicações para a origem do conflito. Todas elas, no entanto, remetem
primordialmente à rivalidade entre o imperialismo norte-americano, representado
pela União Europeia e a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) de um
lado, e o imperialismo russo de outro. Ambos, Estados Unidos e Rússia – apesar
do término da Guerra Fria com a derrocada da União Soviética e seus satélites em
1991 –, ainda mantêm pretensões de exercerem influência político-militar em
certas regiões estratégicas. Os Estados Unidos, mais do que a Rússia, ainda vêm
mantendo bases militares e plataformas de lançamento de mísseis em diversos países.
A Rússia, que se recuperou do caos econômico que se seguiu à dissolução do
império soviético, retomou sua tática de também marcar presença global ao longo
dos últimos quinze anos, notadamente desde que Vladimir Putin passou a ocupar
cargos de mando no governo.
Neste
confronto a Ucrânia se tornou um joguete, nem sempre inocente, dos interesses
de ambos os lados do conflito; a Europa, escorada pelos Estados Unidos, e a
Rússia. Um peão no tabuleiro do xadrez mundial de disputa de poder das grandes
(e menores) potências. Como quase sempre ocorre em tais embates, não há nações
e governos inocentes. Todos a seu modo tentam tirar vantagens da situação. Não
entraremos em detalhes sobre as diversas forças que desempenham um papel neste
conflito, já que não é um tema que dominamos. Fica claro, no entanto que por
trás dos discursos de governos – americano, europeus, russo e até ucraniano – o
interesse primordial é o econômico; dos grandes investidores, dos oligarcas, das
empresas transnacionais, bancos, e todo tipo de negócio mais ou menos escuso. As
vítimas, como sempre ocorreu ao longo da história da humanidade, são as pessoas
comuns: o cidadão que tem sua casa destruída e parentes mortos, que é convocado
para lutar, e quem sofre com todas as consequências econômicas do conflito,
precisando emigrar e deixar o lar de seus ancestrais. Os ricos, seja de que
lado for, são pouco afetados, ou arranjam maneiras de fugir da situação sem
perderem tudo.
O
povo russo, por sua vez, não oferece apoio unânime à investida de Putin e seus
adeptos sobre o país vizinho. Milhares de cidadãos em Moscou, São Petersburgo e
outras cidades russas, foram detidos pela polícia por se manifestarem contra a
guerra. Empresários russos, até agora aliados da política do líder russo, começam
a falar contra o governo, por estarem sendo prejudicados em seus negócios, devido ao boicote econômico imposto pelas empresas e bancos de todo o mundo.
A
sociedade russa está sendo punida economicamente pelas ações de seu governo;
situação com a qual Putin e seu governo provavelmente não contavam – pelo menos
neste grau de intensidade. Empresas estrangeiras, muitas delas transnacionais
de diversas áreas, estão suspendendo suas atividades no país e retirando
investimentos. É o caso, por exemplo, de empresas do setor de petróleo e gás,
como a britânica BP, a anglo-holandesa Shell, a francesa Total, a americana
Exxon Mobil; de montadoras de automóveis; e de indústrias do setor de alimentos
e bebidas, como a Mondelez, a Nestlé e a Carlsberg, entre muitas outras. Grande
parte dos bancos russos foi suspensa do sistema de comunicação interbancária
SWIFT, que permite transferências interbancárias internacionais. Dos cerca de
600 bilhões de dólares de reservas acumuladas pelo governo russo nos últimos
anos, depositados em bancos no exterior no Japão, na Alemanha, na França, nos
Estados Unidos, na Inglaterra, Suíça e outros, aproximadamente 400 bilhões de
dólares foram congelados por estes países. Enquanto perdurar a situação de
guerra, a Rússia não terá acesso a estes recursos. Com isso, o rublo russo já
sofreu uma desvalorização de mais de 30% e os juros bancários já aumentaram em 20%,
desde o começo da guerra. Trabalhadores russos começam a ser dispensados de
seus empregos e a atividade econômica começa a diminuir.
O
mundo também sofrerá os impactos deste conflito. Em 1/3/2022 o preço do barril
de petróleo já havia ultrapassado os 100 dólares, seu valor mais alto em sete
anos. Com isso, as economias de todos os países serão afetadas com maior ou
menor intensidade, já que toda a atividade econômica mundial – agricultura, indústria,
transporte – é altamente dependente deste insumo. No setor da alimentação, já
se prevê de imediato um aumento no preço dos óleos vegetais e do trigo – a
Ucrânia é o maior exportador mundial de óleo de girassol e grande fornecedor de
trigo. A Turquia, por exemplo, importa 70% do trigo que consome da Rússia e da
Ucrânia. Com baixa oferta destes produtos, deverá aumentar a demanda por outros
tipos de grãos e óleos em todo o mundo. Analistas também preveem uma queda na
oferta de metais como o alumínio, o níquel, paládio, platina, titânio, entre
outros, dos quais a Rússia e a Ucrânia são grandes fornecedores. Em termos
gerais, espera-se um aumento nos preços do petróleo, do gás, de matérias-primas
químicas, metálicas e produtos agrícolas, o que deverá afetar mais ainda a
economia mundial como um todo, gerando inflação.
Segundo
um estudo recentemente publicado pelo banco holandês Rabobank, os impactos do
conflito na economia brasileira são limitados, a depender da duração do
conflito. Já outros analistas informam que a economia brasileira também será
afetada pela inflação mundial, que atingirá a maioria dos países. A preocupação
com o fornecimento de fertilizantes, dos quais a Rússia é o maior supridor do
Brasil, não é problema imediato, segundo a ministra da Agricultura Teresa
Cristina. O estoque disponível ainda é suficiente para abastecer a agricultura
nacional durante 2022 e, paralelamente, o ministério já iniciou contatos com
outros países fabricantes do insumo. Já a Petrobrás, por sua vez, relatou que
há uma defasagem de 24% no preço da gasolina e de 27% no do óleo diesel,
levando-se em conta os preços ascendentes do barril de petróleo no mercado
internacional por causa da guerra. A empresa ainda não se manifestou quanto a
um eventual aumento destes combustíveis.
A
invasão da Ucrânia pela Rússia é o mais recente evento que afeta a economia
mundial neste século. Depois da crise dos bancos em 2008, da crise da Covid-19
em 2020/2021, o ano de 2022 começa com um conflito armado, cujas consequências
até o momento são imprevisíveis. O que o mundo espera é que este conflito se
resolva o mais rápido possível, de modo a causar o menor impacto possível em
termos de vidas e danos à economia local e mundial.
Já a solução para o (longo) conflito entre os Estados Unidos e a Rússia é uma possibilidade remota, e dependerá de uma nova configuração no jogo das forças econômicas, políticas e militares no planeta. O evento contribuiu, no entanto, para uma aproximação da Europa com os Estados Unidos, que estavam relativamente afastados durante o governo Trump. Ao mesmo tempo houve uma aproximação maior ainda entre o governo russo e o governo chinês.
Qual será o papel do Brasil nesta nova disposição de interesses e forças? Continuaremos desempenhando um papel secundário? A história continua. E o Brasil, continuará sendo simples figurante?
(Imagens: pinturas de Ad Reinhardt)
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