O Cerrado, o Código e a vergonha

domingo, 13 de maio de 2012
 "Pois a preocupação excessiva com o dinheiro, as mercadorias e as coisas é um reflexo, não do capitalismo ou socialismo, mas do industrialismo. É um reflexo do papel central do mercado em todas as sociedades em que a produção está divorciada do consumo, em que todo mundo é dependente do mercado mais do que de suas próprias aptidões produtivas para as necessidades da vida."  -  Alvin Toffler  -  A terceira onda


O cerrado brasileiro é um dos mais ricos e ao mesmo tempo um dos mais ameaçados sistemas de savanas do mundo. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, cerca de 50% da vegetação original deste bioma já foi desmatada. Este percentual de destruição, a continuar o ritmo de devastação em andamento, deverá chegar aos 70% da área original do cerrado até o ano 2050. A previsão, publicada recentemente no jornal O Estado de São Paulo, foi divulgada pela revista científica inglesa Journal of Land Use Science.
O cerrado sofre um processo de ocupação desde a década de 1940 quando a atividade agrícola começou a avançar em suas bordas, no oeste do estado de Minas Gerais, norte de São Paulo e sul Goiás. Entre os anos 1950 e 1980 a construção de Brasília, a expansão da monocultura exportadora e a criação de gado, deram continuidade ao impacto, derrubando a vegetação característica do cerrado. As famosas “veredas” – brejos onde se formam bosques de palmeiras buritis -, cenário do romance “Grande Sertão: Veredas” de Guimarães Rosa estão desaparecendo da paisagem da região.
Notícias mais recentes informam que a cultura da cana-de-açúcar e o eucalipto estão avançando em áreas de cerrado em Goiás e Minas Gerais, empurrando a pecuária para a região amazônica.  “O setor de álcool diz que só planta cana em terras já devastadas, mas há um desmate indireto na Amazônia”, declara ao jornal O Estado de São Paulo o professor Ricardo Machado, da universidade de Brasília. Segundo este cientista especializado no Cerrado, a região possui apenas 7,2% de sua área sob proteção. Além de diminuta, parte desta área também está sendo cobiçada por empreendedores e governos – como o Parque Nacional das Nascentes do Parnaíba. O perímetro do parque inclui terras nos estados da Bahia, Maranhão, Piauí e Tocantins e existem planos de transformar parte da região em lagos para barragens hidrelétricas e áreas de cultura de soja.        
Na cidade goiana de Cristalina, situada a 288 quilômetros de Goiânia e 120 de Brasília, encontra-se a formação rochosa chamada de Chapéu de Sol, um dos símbolos do Cerrado. Trata-se de uma pedra chata, com cerca de 100 toneladas, apoiada em uma base de menos de dois metros quadrados. Na região também se encontram outras formações rochosas cobertas com diversas gravuras rupestres, feitas por povos que viviam na região há milhares de anos. No entanto, mesmo neste marco natural do Cerrado a vegetação original foi completamente substituída por plantações de eucaliptos. 
As possibilidades de mudança deste preocupante quadro do cerrado não são boas no curto e médio prazo. Acrescente-se a esta situação a mudança do Código Florestal recentemente aprovado pelo Congresso, que entre várias providências retrógradas dá anistia aos proprietários de terra que ilegalmente desmataram áreas de vegetação original.  A presidente Dilma ainda tem o poder de vetar este danoso código, evitando um desastre ainda maior para o que ainda existe dos biomas brasileiros, especialmente o Cerrado.
Resta saber, caso o Código Florestal não seja vetado pela presidente, com que cara a delegação brasileira se apresentará na Conferência das Nações Unidas Sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio + 20, em junho próximo. Com a preocupante situação de nossos biomas e aprovação deste esdrúxulo marco legal, “qual é a história que vamos contar lá em casa”?
(Imagens: fotografias de Arthur Leipzig)

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