"Que o mistério da vida se reduza à conversão de um acaso em necessidade, que a vida não seja senão um acidente no universo e o homem um simples nômade, sem eira nem beira, quantos sábios desiludidos e cínicos já não no-lo disseram?" Constantin Noica - As seis doenças do espírito contemporâneo
A mídia nacional e internacional informa que o mundo poderá
passar por mais uma escassez de alimentos nos próximos meses. A crise, segundo
a Agência das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), ainda não
tem as proporções daquela ocorrida no biênio 2007-2008, mas já começa a
preocupar. Tanto assim, que a França e os Estados Unidos cogitam convocar o
G-20 (as 19 maiores economias do mundo mais a União Européia) para que se
pronuncie em conjunto sobre o assunto. Para muitos analistas tal providência
seria importante, já que impediria que se repetissem os erros cometidos há
cinco anos, quando muitas nações – inclusive grandes produtores de alimentos
como a Índia – restringiram suas exportações. Outro aspecto é evitar que países
importadores de commodities agrícolas se apressem em acumular grandes estoques.
A falta de oferta aliada ao aumento da demanda provocaria uma escalada dos preços
dos alimentos, que afetaria toda a cadeia alimentar mundial, prejudicando as
nações mais pobres; exatamente aquelas que dependem de importações de alimentos
para suprir sua população.
A origem do problema está nas condições climáticas adversas pelas
quais grandes países produtores de alimentos, como os Estado Unidos, o Brasil e
a Rússia, passaram nos últimos meses – fato que acabou comprometendo a colheita
de diversos produtos agrícolas. A seca que assola os Estados Unidos deve
dizimar um sexto da safra de milho e parte significativa da de soja, insumos
fundamentais para a alimentação do gado. Como conseqüência, também poderá ocorrer
aumento no preço da carne e dos laticínios. Na Rússia, as altas temperaturas do
verão também prejudicaram a safra do trigo. No Brasil, as chuvas comprometeram
parte da safra de cana-de-açúcar, fato que terá uma influência na produção de
açúcar, produto do qual o Brasil é o maior exportador mundial. A colheita de
arroz – principal fonte de alimento de parte considerável da população mundial
– não sofreu qualquer abalo, felizmente.
Os acontecimentos, no entanto, já provocam aumento no preço
dos alimentos. Segundo o jornal O Estado de São Paulo, o preço do milho já
subiu 23% no mês de julho e o trigo 19%. Em média, o preço dos alimentos no
mundo sofreu um incremento de 6% no mês de julho, em comparação com o mês
anterior. A redução da produção de alimentos motivada por fatores climáticos
será sentida, com mais ou menos rigor, pela maioria das pessoas em todos os
países. Enquanto que no Brasil, grande produtor agrícola, poderá ocorrer uma
alta temporária no preço de certos produtos, em outros países, como o Egito e o
Paquistão, o custo se elevará tanto que a população sem recursos poderá passar
fome.
Outro aspecto desta situação é que de todo alimento
produzido no mundo cerca de 35% é destinado à produção de forragem para
alimentação de animais e 5% é destinado à fabricação de biocombustíveis e
outros produtos industriais. Assim, ocorrendo uma queda na produção agrícola,
aumentam os preços em diversas cadeias produtivas da economia mundial.
Fica claro, mais uma vez, o quanto nosso sistema econômico
mundial e nossa própria sobrevivência individual estão relacionados com a
natureza. Fatores climáticos, em parte influenciados por nossas próprias
atividades, podem exercer uma profunda influência na história humana,
provocando fome, crises econômicas, guerras e mortes.
(Imagens: fotografias de James Reeve)
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