Felizes,
mas muito pobrinhos
(artigo de Clovis Rossi, publicado no jornal Folha de São Paulo de 18/11/2012)
CÁDIZ - Por
mais que os países latino-americanos tenham se apresentado para a 22.a Cúpula
Iberoamericano como os melhores alunos da classe, na comparação com os dois
parceiros ibéricos, Espanha e Portugal, enfiados numa crise que parece não ter
fim, o fato é que estão felizes mas são ainda muito pobrinhos.
Mesmo em
recessão, "o nível de bem estar [na Europa em geral] é muito maior".
Não só é
maior como é mais justamente distribuído, até porque a América Latina "é a
região mais desigual do mundo", como fez questão de ressaltar Alícia
Bárcena, a secretária-executiva da Cepal (Comissão Econômica para a América
Latina, braço da ONU).
O que mais
dói, para quem acompanha cúpulas internacionais há uns 30 anos, é ouvir uma
frase como essa ano após ano, cúpula após cúpula.
Dói mais
ainda quando se somam duas informações:
1 - O
Brasil, apesar de ser o país mais rico do subcontinente, é um dos mais
desiguais.
2 - A queda
da desigualdade, no Brasil, diminuiu nos últimos 10 anos apenas entre salários,
não entre o rendimento do capital e do trabalho, que é a mais obscena.
Desigualdade
não é o único capítulo em que a América Latina, conjunturalmente feliz, precisa
progredir -e muito.
A
tributação, por exemplo, "é baixa para proporcionar serviços públicos de
qualidade, que atendam à demanda social", como diz Ángel Gurría,
secretário-geral da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico), o clubão dos países desenvolvidos, do qual o Brasil só não é parte
porque não quer.
Os
impostos, na região, pularam de 14% para 19% do Produto Interno Bruto, entre
1990 e 2010, em grande medida pelo que ocorreu no Brasil. Ainda assim, é uma
porcentagem baixa, se comparada aos 34% da média da OCDE. Mas, atenção, aqui o
Brasil não entra na foto geral: tanto ele como a Argentina arrecadam
basicamente os 34% dos países ricos.
Pena que
não ofereçam serviços públicos do nível dos países desenvolvidos. Só cabe uma
conclusão: dinheiro existe, falta empregá-lo de maneira correta.
Pulemos
para educação: 50% dos estudantes latino-americanos não alcançam os níveis
mínimos de compreensão de leitura, nos testes internacionais, quando, no mundo
rico, a porcentagem de fracassados é de 20%.
Passemos ao
investimento em inovação e tecnologia: não supera nunca de 0,7% do PIB, quando
na Coreia, por exemplo, é de 3%. "Se não corrigirmos o rumo, seremos todos
empregados dos coreanos", fulmina Gurría. Poderia ter acrescentado
"ou dos chineses", que investem nessa área vital tanto quanto os
coreanos.
Mais um
dado: a América Latina está investindo 2% de seu PIB em infraestrutura, quando
precisaria de 5%, ano a ano, até 2020, pelas contas de Gurría. Nem preciso
acrescentar que infraestrutura não é exatamente o forte do Brasil, por mais que
se lancem PACs e Copas e Olimpíadas.
Para
fechar: Alícia Bárcena lembra que a conexão de banda larga custa US$ 25 na
América Latina, apenas US$ 5 na Europa e, na Coreia, US$ 0,05.
Moral da história: estamos rindo do que?
Moral da história: estamos rindo do que?
Clóvis
Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos
prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo
Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e domingos no caderno
"Mundo". É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25
Anos ao Redor do Mundo" e "O Que é Jornalismo". Escreve às
terças, quintas e domingos na versão impressa do caderno "Mundo" e às
sextas no site.
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