Um piscinão chamado São Paulo

quinta-feira, 15 de novembro de 2012
"A revolta metafísica é o movimento pelo qual um homem se insurge contra a sua condição e contra a criação. Ela é metafísica porque contesta os fins do homem e da criação. O escravo protesta contra sua condição no interior de seu estado de escravidão; o revoltado metafísico, contra sua condição na qualidade de homem. O escravo rebelde afirma que nele há algo que não aceita a maneira como o seu senhor o trata; o revoltado metafísico declara-se frustrado pela criação."  -  Albert Camus  -  O homem revoltado

No Brasil, muitas mudanças acontecem devagar ou nem mesmo ocorrem. Por uma soma de razões: incapacidade administrativa, interesses conflitantes e a imensa inércia da máquina político-administrativa. O artigo abaixo foi escrito há três anos (muito pouco tempo no Brasil) e ainda continua atual - principalmente depois das recentes chuvas que cairam em São Paulo.
Chega o verão e novamente a região metropolitana de São Paulo, entre outras regiões do País, é castigada por fortíssimas chuvas. Na primeira semana de dezembro, durante dois dias, caiu a metade de toda a chuva prevista para o mês. Como sempre, a cidade de São Paulo transformou-se em um caos, os cidadãos abandonados à própria sorte; congestionamentos, ruas e casas inundadas, transporte público paralisado, pessoas demorando quatro ou cinco horas para voltarem para casa, até mortes ocorreram. Além dos problemas crônicos da cidade, os sistemas de bombeamento de águas pluviais do sistema Tietê não funcionaram em sua totalidade.
Na imprensa o dilúvio paulista é tema para vários tipos de matérias jornalísticas. Ficamos sabendo, por exemplo, que o processo de ocupação das várzeas já estava previsto nos planos de urbanização da cidade, elaborados pela equipe do então prefeito Prestes Maia (1938-1945). Baseados nestes projetos as áreas baixas situadas às margens dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí foram urbanizadas e loteadas. Aparentemente a coisa se tornou muito rentável, tanto para as sucessivas administrações públicas quanto para imobiliárias e construtoras, já que a maior parte das várzeas foi aterrada e os rios confinados a leitos de concreto. No local das antigas baixadas vieram novos bairros, geralmente preparados para a população mais pobre. Sobre os leitos dos rios canalizados foram construídas avenidas. Resolviam-se assim vários problemas em uma tacada só: a Prefeitura arrecadava taxas e impostos, as imobiliárias e construtoras faziam negócios, a companhia de saneamento escondia o fato de que uma parcela considerável dos esgotos domésticos acabava correndo para os córregos e não era tratada. Quanto aos córregos, estes não eram necessários em uma cidade moderna, não tinham nenhuma utilidade (além de, eventualmente, carregar o esgoto e o lixo). Quantos administradores não pensavam desta maneira entre as décadas de 40 e 70?
Mas a crescente impermeabilização do solo – os jardins e quintais cimentados, as ruas, avenidas e os estacionamentos asfaltados – impede a penetração da água no solo. O único caminho para a chuva é então a galeria de águas servidas, que vai desaguar nos córregos, aqueles mesmos que foram concretados e limitados ao menor espaço possível, e que acabam desaguando nos rios Pinheiros, Tietê ou Tamanduateí. Mas, como estes rios são pouco profundos e de vazão lenta, a água fica retida nessa imensa bacia onde está situada parte da cidade de São Paulo. Com isso, a metrópole torna-se um imenso piscinão; cheio de lixo, mal-cheiroso e barrento. Este é o retrato do que fizemos à natureza – e à nossa cidade – nos últimos oitenta anos.
Iniciativas inovadoras, no entanto, já aparecem. Alguns córregos na periferia da cidade não estão mais sendo canalizados. Faz-se a limpeza do leito, afastam-se os focos de esgoto e deixa-se o córrego correr. Alguns especialistas falam até em “renaturalizar” os córregos já canalizados, ou seja, remover as tubulações e refazer o antigo leito. O próprio Prefeito ficou bastante interessado no caso de Seul, na Coréia, que recuperou um rio totalmente poluído que percorre o centro da cidade. Mas, até que se encontre uma solução para São Paulo e região ainda teremos muitas enchentes. Quem viver, verá.
(Imagens: fotografias de Ando Gilardi)

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