"Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar."
Manoel de Barros - Memórias inventadas
A cidade de Bhopal está localizada na região central da
Índia e é capital do estado de Madya Pradesh, com uma população de cerca de 2,7
milhões de habitantes. Bhopal é bastante desenvolvida, abrigando grande número
de indústrias do setor eletroeletrônico, de manufatura, tecelagem e químico.
Baseado nestas poucas informações, a cidade pouco se distingue das outras
dezenas de cidades indianas de porte e atividades econômicas semelhantes, a não
ser por um acontecimento: o acidente com vazamento de gases tóxicos na fábrica
da Union Carbide.
O acidente ocorreu há 30 anos, no dia 3 de dezembro de 1984,
afetando de imediato e em diversos graus cerca de 500 mil pessoas. O vazamento
de mais de 40 toneladas de 32 tipos gases tóxicos, entre os quais o metil
isocianato usado para a fabricação de pesticidas para uso na agricultura,
provocou a morte imediata de 3.787 pessoas, segundo dados oficiais do governo
do estado de Madya Pradesh. Dados posteriores de uma comissão de investigação
do estado indiano davam conta de que 558.125 pessoas foram afetadas de alguma
maneira pelo vazamento do gás, incluindo 38.478 parcial ou temporariamente debilitadas
e aproximadamente 3.900 severa ou permanentemente atingidas. Além destes,
milhares de outros moradores de Bhopal sofrem de sequelas do acidente,
apresentando casos de malformação de fetos, doenças crônicas nos olhos, no
sistema respiratório, cardíaco e neurológico. A revista americana “Mother Jones”
publicou declaração de um médico que atua em clínicas para afetados pelo
desastre, na qual diz que “cerca de 120 a 150 mil sobreviventes ainda lutarão com
problemas de saúde como distúrbios neurais, de formação e crescimento,
ginecológicos, dificuldades respiratórias e elevadas taxas de tuberculose e
câncer”.
Até hoje persiste o debate sobre as causas deste desastre, o
maior já ocorrido com uma indústria em todo o mundo. Dados levantados durante
as investigações mostraram que antes do vazamento ocorreram acidentes de menor
tamanho, envolvendo vazamentos e até hospitalização e morte de funcionários. Manutenção
inadequada de válvulas de segurança e ausência de equipamento de proteção
individual, como máscaras, foram falhas de operação constatadas nestas
ocorrências anteriores. O desastre, segundo os laudos do processo, foi motivado
por falta de medidas de segurança e treinamento dos trabalhadores, fazendo com
que esses inadvertidamente permitissem a entrada de água no tanque, o que
provocou sua explosão e a liberação do gás venenoso. A defesa alega que os
trabalhadores agiram sem atenção às normas de segurança, causando assim a
entrada de água no tanque.
O processo correu na justiça indiana por anos. Em 1989 a empresa Dow Chemical,
então proprietária da Union Carbide, pagou uma indenização de 470 milhões de
dólares, além de oferecer ajuda financeira para construção de clínicas para
atendimento das vítimas. A reparação, segundo críticos, foi insuficiente dado o
número de vítimas e o impacto ambiental. A justiça indiana prendeu altos funcionários
da empresa e expediu ordens de prisão contra seu presidente, o americano Warren
Anderson, que poucas horas depois de detido foi liberado por ordem de um
ministro indiano. A história do acidente, do processo judicial e dos bastidores
políticos, é mostrada no filme “A prayer for rain” (Reza por chuva), lançado em
2013.
(Imagens: fotografias de Marc Ferrez)
0 comments:
Postar um comentário