A
obra “O suicídio” (1897) de Émile Durkheim foi e ainda é considerada o grande
marco da pesquisa sociológica. O tema escolhido por Durkheim, o suicídio, era à
época objeto de grande preocupação na sociedade e ao mesmo tempo prática que
infringia profundamente as normas sociais. Tratava-se, portanto de um importante
fato social, digno de análise aprofundada. Escreve Durkheim:
“Conseguimos, então,
representar-nos, de um modo preciso, o domínio da sociologia. Este só
compreende um determinado grupo de fenômenos. Um fato social reconhece-se pelo
poder de coerção externa que exerce ou o suscetível de exercer sobre os
indivíduos; e a presença desse poder se reconhece, por sua vez, pela existência
de uma sanção determinada ou pela resistência que o fato opõe a qualquer
iniciativa individual que tende a violá-lo.” (Durkheim: 2002, p. 38)
Iniciando
sua pesquisa, Durkheim percebe que a divisão social do trabalho, gerando o que
chama de “solidariedade orgânica” – uma cooperação social baseada na
diversidade – não deixa as pessoas mais felizes. Assim, constata Durkheim, que apesar
dos avanços tecnológicos e sociais, o índice de suicídio mostra um aumento.
Observa também que se tornaram mais comuns fenômenos como as crises econômicas,
a inadaptação dos trabalhadores e a violência. O sociólogo também sabe que a
sociedade tem certos valores sociais, que estando debilitados, podem colocar em
risco o equilíbrio social.
Munindo-se
de estatísticas de diversas regiões da França e da Europa em relação aos
suicídios, Durkheim inicia seu estudo refutando algumas teorias que circulavam
sobre as causas sociais do suicídio. Uma destas teorias, elaborada pelo
sociólogo Gabriel Tarde, dava grande valor à imitação como fator de integração
social; o suicídio poderia assim também ser originado por este impulso. Mas, baseado
em dados estatísticos, Durkheim prova que esta teoria e a da hereditariedade
não tinham fundamentação científica para explicar o fenômeno do suicídio como
fato social.
Avançando
em suas pesquisas, com base em comparações de dados, Durkheim consegue
estabelecer os tipos sociais do suicídio. Os três tipos que o sociólogo propõe
são: o suicídio egoísta, o suicídio altruísta e o suicídio anômico. Além disso,
Durkheim consegue determinar alguns aspectos da incidência dos suicídios. Esta
varia com a idade e com o sexo: é mais acentuada entre os homens do que entre
as mulheres; varia com a religião, sendo mais baixa entre os católicos do que entre
os protestantes. A taxa de suicídio aumenta entre os solteiros, divorciados,
viúvos e idosos; a existência de uma família e filhos é geralmente fator de
proteção contra o suicídio.
Os
diversos tipos e níveis de relacionamentos criam condições para que se
manifestem os tipos de suicídios. Os suicidas egoístas são aqueles que pensam
essencialmente em si mesmos, não estando bem integrados em um grupo social e
tendo desejos e aspirações incompatíveis com o grupo social a que pertencem. “Os suicídios egoístas caracterizam-se por
uma fraca integração na sociedade e ocorrem quando o indivíduo está sozinho, ou
quando os laços que o prendem ao grupo estão enfraquecidos ou quebrados”
(Giddens: 2010, p. 10). Aron resume o drama deste indivíduo: “O suicida egoísta se manifestará por um
estado de apatia e pela ausência de vinculação com a vida.” (Aron: 2008, p.
487).
O
suicida egoísta e o suicida altruísta representam tipos opostos. Um, o egoísta,
se afasta demais das aspirações de seu grupo e o outro, o altruísta, se
confunde com as aspirações de seu grupo.
O
terceiro tipo de suicida é o que mais interessa a Durkheim, o suicida anômico.
Este tipo de suicídio tem grande relação com os ciclos econômicos, variando de
acordo com o aparecimento de períodos de prosperidade e recessão. O suicida
anômico associa sua situação à irritação e situações de decepção por que passa;
por desgosto, ao se dar conta da desproporção entre suas aspirações e aquilo
que a vida lhe oferece.
Outra
conclusão que Durkheim tira com seu estudo é que apesar de ser um fenômeno
individual, as causas do suicídio são eminentemente sociais. Por isso, o
sociólogo fala em “correntes suicidógenas”. Estas correntes originam-se na
coletividade, atravessam a sociedade e parecem vitimar indivíduos com certas
predisposições psicológicas. Sobre as “correntes suicidógenas” escreve Aron: “As causas reais dos suicídios são, em suma,
forças sociais que variam de sociedade para sociedade, de grupo para grupo e de
religião para religião. Emanam do grupo e não dos indivíduos isoladamente”
(Aron: 2008, p. 488)
“O
suicídio” ainda continua uma obra atual, além de ser seminal para o estudo da
sociologia. Suas informações e conclusões continuam sendo usadas pelas
ciências, apesar da discrepância de alguns dados em relação à incidência do
suicídios em períodos de recuperação econômica (pesquisa de Maurice Halbwachs
em 1930 in
Durkheim: 150 anos). Tal fato, porém, não reflete uma falha na coleta de
dados ou em sua interpretação, mas mostra certas características da sociedade e
época onde foram coletados. Em relação à obra escreve Establet: “Atualizando o livro “O suicídio”, nos
convencemos de que a obra mantêm sua relevância. Tomando como objeto um
fenômeno minoritário, porém de grande repercussão social e psicológica,
Durkheim encontrou o verdadeiro terreno da sociologia.” (Establet: 2009, p.
128).
Bibliografia:
Aron,
Raymond. As etapas do pensamento
sociológico. São Paulo. Martins Fontes: 2008, 884 p.
Durkheim,
Émile. As regras do método sociológico.
São Paulo. Editora Martin Claret: 2002, 155 p.
Giddens,
Anthony. Sociologia. Lisboa. Fundação
Calouste Gulbenkian: 2010, 723 p.
Massella,
Alexandre B. et al. Durkheim: 150 anos.
Belo Horizonte. Argumentum: 2009, 261 p.
(Imagens: xoligravura de. J.Borges)
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