"Um ser vivo é a parte do mundo que tende a manter uma identidade independentemente da incerteza do resto do mundo." - Jorge Wagensberg - Pensamentos sobre a incerteza
A economia, assim como
vários outros sistemas existentes - uma colônia de animais, uma eleição, o
clima, a bolsa de valores - são considerados sistemas complexos porque suas
propriedades emergentes decorrem principalmente de relações não lineares entre
suas partes constitutivas. Estes sistemas são compostos por vários aspectos que
interagem entre si, formando uma nova estrutura, que por sua vez incorrerá em
novas e mais complexas relações, e assim por diante. Os sistemas complexos não
são simplesmente a soma de suas partes, como pensa o mecanicismo cartesiano; são muito
mais. Não é por outra razão que para se estudar o desenvolvimento destes
sistemas são necessários computadores de altíssima potência, processando
bilhões de informações por segundo.
A crise econômica e
financeira por que passa o país terá uma série de consequências, numa cadeia de
causa e efeito de resultados imprevisíveis, gerando novos fatos agora ainda
imperceptíveis. Sem nos preocuparmos em fazer a genealogia da crise pela qual
passa o país - já que esta também tem origens complexas - comecemos pelo fato
mais palpável e imediato: a alta da inflação e a consequente ascensão dos
juros. A elevação do custo do dinheiro (juros) já se baseia em princípios
simplistas, cartesianos, de mera causa e consequência: eleva-se o juros,
tornando os empréstimos ao consumidor mais caros, reduz-se o poder de compra,
provocando a queda da demanda e, como corolário, os preço das mercadorias. É
através deste artifício reducionista que muitos burocratas do Banco Central e
do governo esperam, não se sabe depois de quanto tempo, conseguir finalmente a
queda dos juros. Fato é que até agora, apesar de doses maciças do amargo remédio,
a inflação resiste e até aumenta.
Por enquanto, o xarope dos
juros altos, além de não surtir efeito no combate da inflação, está minando
outras partes da estrutura da economia brasileira. Em sistemas complexos cada
providência tem suas consequências. Assim, a queda da demanda provoca a redução do poder de compra. Este gera queda no
faturamento das empresas, forçando-as a demitir mão de obra. Com o crescimento
do desemprego em setores importantes, como o da construção, de serviços e
indústria, ocorre uma queda ainda maior no consumo, resultando em mais redução
da produção e mais dispensas. Em todas as fases deste processo "queda de
vendas -> aumento do desemprego -> queda de vendas..." ocorre uma diminuição na arrecadação de impostos. Sendo assim, o recente aumento de impostos
também não deverá surtir o efeito desejado, já que o aumento das alíquotas não
compensará a diminuição da base de cálculo.
A redução da receita do
Estado terá outros impactos na economia, como a falta de recursos para
investimentos em infraestrutura: serviços de saneamento, hospitais, escolas,
projetos sociais, estrutura logística; isto para ficar apenas no básico
elementar. Nem consideramos os cortes que sofrerão os investimentos em ciência,
tecnologia e pesquisa (em medicina, agricultura, eletrônica e TI, aeronáutica,
energia, etc.), meio ambiente (criação de unidades de conservação,
aparelhamento de parques nacionais, implantação de programas diversos) e modernização
da máquina administrativa do governo em seus três níveis.
As medidas de ajuste ora
implantadas são necessárias, pelo menos nos primeiros instantes, para conter a
hemorragia do paciente e evitar que a situação do Brasil se agrave. Mas o
tratamento para sua definitiva recuperação, implicaria medidas de reforma
política do estado, da política econômica e fiscal, além de outras providências
gerais de modernização, desburocratização e democratização do acesso aos
serviços do Estado.Tais providências, estiveram - agora e sempre - nos discursos dos congressistas, sem que nada de concreto fosse, entretanto, votado e aprovado.
Resta saber se com o capital
humano de que dispomos - no Executivo, Legislativo e Judiciário - tal
empreitada é passível de ser realizada. Além do esforço mensal de embolsar
grandes quantias em dinheiro público a título de salário, auxílios e outras
benesses - algumas delas até não tão oficiais - a contribuição que estes poderes
vem dando à causa da República ainda está longe de ser suficiente.
(Imagens: xilogravuras de mestre Hokusai)
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