Bernard Shaw
A cultura popular é aquela que difere daquela praticada ou
apreciada pelas classes dominantes. Tem sua origem na vida diária do povo; suas
crenças e costumes, sua adaptação ao ambiente e às condições econômicas,
valorizando seus aspectos históricos. O interesse pela cultura popular sempre
existiu implicitamente na dita alta cultura. Muito do que foi produzido pela
literatura, música e artes plásticas tem sua inspiração na prática do povo,
desde a Idade Média.
A partir das Grandes Navegações, quando os europeus passaram
a tomar contato com culturas de regiões não europeias, que estavam fora dos
padrões estéticos (e muitas vezes morais) dos europeus, estas culturas forma
classificadas como primitivas e atrasadas. A partir do início dos estudos
antropológicos e sociológicos a Europa passou a estudar as culturas não
europeias, pesquisando principalmente sua religião e organização social.
Ao mesmo tempo em que crescia o interesse pelas culturas de
outros povos, desenvolvia-se também o estudo da cultura popular do próprio país
ou região. Escritores, músicos e pintores passam a se voltar também para os temas
populares, como fonte de inspiração. Assim, muitas das melodias incorporadas à
música dita clássica ou erudita por compositores como Mozart ou Mahler, são de
origem popular; eram canções originariamente cantadas e tocadas pelo povo. Histórias
infantis hoje ainda contadas, como João e Maria e Chapeuzinho Vermelho, também
têm origem popular - neste caso em condições reais do camponês da Idade Média.
Foram coletadas e organizadas por filólogos e historiadores, como os alemães irmãos
Grimm, que passaram a estudar a cultura popular, o folclore.
A cultura, em certos aspectos, foi muitas vezes utilizada
para submeter outros povos. A Igreja Católica, por exemplo, em sua ação
evangelizadora ao longo da história, sempre usou a estratégia da aculturação,
muitas vezes forçada. Incorporava práticas dos povos subjugados e, desta forma,
acabava privando-os de sua identidade cultural, ao fazê-los aderir ao
catolicismo. Na Idade Média a Igreja
utilizou locais de culto celtas e germânicos (árvores, pedras, etc.) e em seu
local construiu igreja e capelas. Incorporou festas pagãs, como a Festa do Fogo
e a Festa da Colheita (transformados nos feriados juninos) e o dia das almas
(que se tornou o católico feriado de finados). A mesma prática a Igreja teve no
Novo Mundo, onde construiu seus templos sobre locais de culto dos povos
ameríndios. No Peru, na Bolívia e no México estas práticas foram bastante
utilizadas. Os templos dos povos eram parcialmente destruídos e serviam como
fundamento do templo católico. A técnica de adaptar mitos indígenas ao
catolicismo também foi bastante usada pelo jesuítas no Brasil, para aculturar
os índios, de modo a torná-los mais “cooperativos” ao domínio português, pelo
menos em uma primeira fase da colonização.
Da mesma forma, a cultura pode servir como instrumento de
libertação ou de resistência de um povo, ligando-o às suas tradições passadas, mantendo
sua identidade cultural e social. Quanto mais um povo dominado valoriza suas
próprias tradições culturais, tanto mais difícil será para um outro dominá-lo
culturalmente. Exemplo disso é o caso do povo basco, que mantêm em parte sua
língua e tradições culturais há centenas de anos, apesar de estar sob forte
influência e domínio de duas culturas extremamente fortes, a francesa e a
espanhola. O mesmo acontece no Tibete atual, onde apesar do enorme esforço
chinês em destruir a cultura local, o povo tibetano segue mantendo suas
tradições.
Por final, cabe ressaltar o caráter intrinsecamente humano
da cultura, já que os animais não produzem cultura. Apesar de construírem
teias, colmeias, ninhos, tocas e diversas outras formas elaboradas de local de
abrigo e procriação, este impulso é transmitido geneticamente. Estudos mostram,
no entanto, que o uso de certas ferramentas - espetos, pedras, ato de lavar
alimentos - são práticas não herdadas e foram aprendidas copiando atitudes de
outros membros da espécie.
No final, talvez seja uma composição de ambos: herdamos
geneticamente de nossos antepassados, anteriores ao homo sapiens, certas aptidões que através da interação com o
ambiente vão se desenvolvendo. Esta praxis,
que se torna mais elaborada e complexa ao longo de milênios, é o que chamamos
de cultura.
(Imagens: pinturas de Max Liebermann)
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