Covid-19, recursos e consumo

sábado, 23 de maio de 2020
"A experiência que temos do tempo e do mundo é essencialmente determinada pelo princípio humano vitorioso. Das outras épocas e idades do mundo não guardamos qualquer informação ou documento filosoficamente determinante."   -   Vicente Ferreira da Silva  -   Dialética das consciências


Ainda estamos em plena crise da covid-19. Aumentam as internações e mortes. Autoridades no assunto garantem que a melhor maneira de impedir a ampliação das contaminações é o isolamento social para todos. Se no começo da pandemia ainda haviam poucas informações, e a “gripinha” supostamente apenas atacava pessoas na terceira idade ou com algum tipo de comorbidade, hoje sabemos que qualquer faixa etária pode ser vitimada pela doença.

Pela experiência de outros países sabemos que o isolamento social reduz a contaminação, dando fôlego à rede de saúde e não sobrecarregando as unidades de terapia intensiva dos hospitais com casos alta gravidade. Pesquisas em vários países já demonstraram definitivamente que o medicamento “cloroquina” não é eficaz no combate ao vírus, podendo causar outros problemas graves ao organismo.

O único recurso com o qual podemos contar no combate ao coronavírus, antes do desenvolvimento de uma vacina, é o isolamento social. Assim, a possibilidade de isolar-se e proteger-se da doença é um direito de todo e qualquer cidadão – de qualquer condição social – que deve ser garantido pelo Estado. Não é possível que o governante exija que a pessoa permaneça em casa, sem dar-lhe condições de assim fazê-lo. Caso não ocorra assim, o cidadão precisaria agir como muitos vêm fazendo: desrespeitando o isolamento social obrigatório, para obter recursos para adquirir alimentos.

É claro, portanto, que o Estado deve garantir a vida do cidadão; sob quaisquer circunstâncias. Para isso é preciso que as autoridades sigam os protocolos internacionais de conduta e procedimentos, que ouçam as conclusões do setor científico e médico, sempre com o objetivo último de proteger a vida acima de tudo. A atividade econômica pode ser recuperada, mas não as vidas humanas. No momento, isto quer dizer que o Estado precisa garantir o direito dos trabalhadores à saúde, disponibilizando recursos para que permaneçam em casa.

Os Estados têm condições de lançarem mão de recursos imobilizados ou alocados em outras áreas para custear despesas de alimentação de sua população (ou parte dela). Exemplos disso vimos acontecer ao longo dos últimos meses, quando países como os Estados Unidos, Alemanha, França, Itália, Argentina e muitos outros, adiantaram ou doaram recursos financeiros para seus habitantes. No Brasil, o governo defendia a liberação de R$ 200,00 e foi somente com a pressão do Congresso que o governo passou a disponibilizar ajuda de R$ 600,00 para aqueles que precisavam – valor ainda bastante baixo. Dentre os beneficiados, muitos não chegaram a receber o auxílio até hoje. 

Em toda esta confusão social e econômica causada pela epidemia, grupos organizados de empresários de diversos setores, solicitam dos governos federal, estadual e municipal que permitam a retomada das atividades econômicas. A atitude é compreensível. Pressionados por compromissos financeiros com credores e funcionários, os empresários tentam reagir, a fim de evitar a bancarrota. Com isso, em algumas regiões onde os índices de contaminação da população caíram, o comércio e as demais atividades econômicas aos poucos começam a retomar suas atividades. Faltam, no entanto, recursos às empresas. O governo, que prometeu emprestar dinheiro aos empresários através dos bancos, diz que disponibilizou esta ajuda ao setor bancário, que aparentemente está postergando o repasse.

Onde o comércio volta a abrir, chama a atenção a quantidade de pessoas que voltam às compras. Mas não procuram o básico; alimentos, medicamentos ou produtos essenciais. Há, parece, uma quantidade considerável de indivíduos que por disporem de recursos, sentem-se como que compelidos ao consumo de bens desnecessários na atual fase. Não conseguem se controlar e assim que surge uma loja, ou melhor, um shopping center aberto, partem logo para as compras. Aquele sapato social de marca (que evidentemente não poderá ser usado durante a quarentena por falta de oportunidade), aquela calça social, o vestido de festa, o relógio de marca. “Não dá pra esperar! Precisa ser hoje, agora! Coloco uma máscara e vou!” Vimos há pouco, um shopping center ser invadido por uma legião de compradores, de todas as idades, ávidos por ver as novidades, as pechinchas e oportunidades disponíveis nas lojas.

Olhando a situação toda sob uma perspectiva mais ampla, nos perguntamos até que ponto todos estão sendo afetados pela pandemia e por suas consequências sociais e econômicas. O país e o mundo enfrentarão uma imensa recessão, milhões de pessoas perderão seus empregos, empresas encerrarão suas atividades. Países serão obrigados a reformularem suas políticas econômicas e sociais, setores da economia desaparecerão, a cultura e costumes vão mudar.
E você se preocupa com o sapato, de gosto duvidoso, que está uma pechincha?

(Imagens: fotografias de choques de partículas subatômicas)
  

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