"Os homens, como os outros seres, não passam de uma parte da natureza, e ignoro como cada uma dessas partes combina-se com o todo, como ela se liga às outras." - Baruch Espinosa - Cartas XXX
A
pandemia do coronavírus ainda não é página virada, estamos longe disso. Na opinião
dos especialistas nos encontramos provavelmente a meio caminho, tendo acumulado
alguma experiência e à espera de uma vacina ou terapia para a doença. Após isso,
será necessário imunizar a maior parte da população mundial. Ninguém sabe ainda
como isto será possível e quanto tempo demandará. Até lá será necessário que
governos saibam administrar o isolamento social e, na medida do possível,
reduzir os danos inevitáveis à economia.
Já
são numerosos os indícios que indicam uma mudança muito grande na economia.
Países levarão anos até que recuperem a situação econômica que detinham antes
da crise. Muitos setores serão abalados e outros talvez até deixem de existir
ao longo dos próximos anos. Tudo, porém, ainda é uma grande incógnita. O que se
sabe, todavia, é que a economia mundial não poderá continuar operando da mesma
maneira como vinha fazendo até agora. Excesso de consumo e geração de resíduos –
sólidos, líquidos e gasosos – vêm envenenando o planeta e extinguindo a
biodiversidade – situação oportuna para o aparecimento de doenças.
Órgãos
internacionais, institutos de pesquisa, grandes empresas e lideranças políticas
de todo o planeta, concordam que esta talvez seja a última grande oportunidade dada
à humanidade para mudar seu relacionamento com a natureza e, talvez, seu
próprio destino. Várias evidências colhidas ao longo dos últimos anos mostram
que a economia, da maneira como vem sendo conduzida, levará à gradual exaustão
dos mais importantes recursos naturais. Escreve o físico e professor inglês
Martin Rees em seu livro “Hora final – alerta de um cientista”: “As espécies
estão morrendo cem ou até mesmo mil vezes mais do que a taxa normal. Antes que
o Homo sapiens entrasse em cena, aproximadamente uma espécie em um milhão se
extinguia a cada ano; agora a taxa está mais perto de uma espécie em mil.
Algumas espécies estão sendo mortas diretamente; porém a maior parte das
extinções se deve a desdobramentos involuntários de mudanças provocadas pelos
humanos no habitat, ou à introdução de espécies não nativas em um ecossistema.” (Rees, p. 114)
Além
da depleção dos recursos naturais existe o grande tema da crise climática,
devido ao aquecimento da atmosfera provocada pelas emissões de gases de efeito
estufa. Será oportuno e necessário, portanto, mudar a maneira como produzimos e
consumimos, pensando sempre nos milhões de trabalhadores que estão perdendo
seus empregos na pandemia – só nos Estados Unidos foram 20 milhões até abril de
2020. A proposta já defendida por muitos especialistas há décadas é a gradual
mudança para uma economia mais sustentável, com menos uso de recursos. Nesta
nova economia as empresas incorporam metas de redução de insumos e energia, diminuem
emissões de todos os tipos, promovem o consumo responsável de seus produtos, atuam
de maneira socialmente responsável, entre outros pontos.
O
potencial de geração de empregos em uma economia mais sustentável é maior do
que na convencional. Além dos empregos já existentes, a nova economia demandará
um maior número de profissionais, voltados às áreas da sustentabilidade. São os
“empregos verdes”; postos de trabalho em áreas como:
-
Agricultura com baixo impacto ambiental;
- Produção
e manejo florestal;
-Geração
e distribuição de energias renováveis (solar, eólica, biomassa, biogás,
hidrogênio);
-
Planejamento e gestão de resíduos (reuso, reciclagem, incineração, disposição);
- Atividades
de medição, monitoramento e controle;
- Medidas
de eficiência energética e de eficiência na produção; entre outras.
Os empregos verdes, segundo a classificação do Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (UNEP) são, de maneira ampla, atividades na agricultura,
manufatura, pesquisa e desenvolvimento, administração e atividades de serviços,
que contribuem substancialmente para a preservação ou recuperação da qualidade
ambiental. Incluem também atividades que ajudem na proteção a ecossistemas e à
biodiversidade, redução do consumo de energia, água e materiais, através de
estratégias diversas. Ocupações que concorram para a redução das emissões de
carbono nas atividades econômicas e que diminuam a geração de resíduos.
Considerando
somente o setor das energias renováveis, cuja utilização é cada vez maior em
todo o mundo, o potencial já é bastante elevado. Nos Estados Unidos, por
exemplo, antes da crise, a estimativa de crescimento do número de empregos no
mercado da energia fotovoltaica era de 63% e na de energia eólica 57%. Um estudo
do Political Economy Research Institute (Instituto de Pesquisa de Política
Econômica) de 2019, informa que a cada U$ 1 milhão investido em atividades
relacionadas com combustíveis fósseis, são gerados 2,65 empregos. O mesmo valor
investido em energias renováveis ou eficiência energética, gera respectivamente
7,49 e 7,72 empregos. Segundo dados da Agência Internacional de Energia
Renovável (IREA), existem atualmente 10,3 milhões de trabalhadores em todo o
mundo atuando no setor de energias renováveis.
A nova
economia tem grande potencial para geração de riqueza e de postos de trabalho.
Somente nos Estados Unidos a economia verde movimentou 1,3 trilhões de dólares
(cerca de R$ 7,5 trilhões em maio de 2020) e empregou 9,5 milhões de pessoas em
2019. No Brasil a economia verde empregava 2,6 milhões de trabalhadores (dados
de 2012), segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O
relatório também mostrou que à época cerca de 7% dos empregos formais estavam
ligados à sustentabilidade e que a oferta de vagas nesta área estava crescendo
cerca de 2% ao ano. Prova disso é o mercado de energia eólica. Apresentando um
rápido crescimento ao longo da última década, este setor continuou em expansão mesmo
durante a crise econômica que se iniciou em 2014, terminando o ano de 2019 com
cerca de 200 mil postos de trabalho e em crescimento.
Estão
em desenvolvimento diversos mecanismos que deverão contribuir para que a
economia se torne mais sustentável. Governos da Europa, por exemplo, criaram o
EU Green New Deal, (Novo Acordo Verde da União Europeia), sistema através do
qual os países exigirão contrapartidas em investimentos “verdes”, das empresas
que receberem ajuda financeira dos governos por conta da atual crise econômica.
O Banco Mundial (WB) está elaborando propostas para direcionar as intervenções
na economia, com o objetivo de recuperar a economia mundial em bases
ambientalmente sustentáveis e com geração de empregos.
A
retomada do crescimento, baseada em novos parâmetros, poderá trazer uma nova
era de progresso e modernização tecnológica para a economia mundial. Mas isto
exigirá determinação e sacrifício, tanto de governos quanto de empresas, pois é
sempre mais fácil voltar às práticas antigas, o “business as usual”, como dizem
os organismos internacionais. O Brasil poderá voltar a desempenhar um importante
papel nesta nova economia, dado o potencial do país para as energias
renováveis, a moderna atividade agrícola e a biodiversidade. No entanto, caso
mantenha a mesma política em relação ao meio ambiente praticada pelo atual
governo, o país não terá condições de participar desta nova economia.
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