"A História não é feita pelos reis e pelos heróis, mas por esses escuros rebanhos de seres que nós chamamos 'as populaças'". - Eça de Queiróz - Notas Contemporâneas
Há
muito tempo, ainda menino, vi o nível da represa Billings, na região de São
Bernardo, baixar até o ponto em que quase estivesse seca. Foi no início da
década de 1960, quando a região metropolitana de São Paulo passava por uma
longa estiagem. A represa, que era artificial, formada nos baixios do rio
Jurubatuba na década de 1930, estava quase sem água. Lembro que o que mais me
impressionou, foi a grande quantidade de restos de troncos de árvores que irrompiam
do solo lamacento; restos da antiga mata que ocupava os vales.
Aqueles
tocos, pedaços de árvores da antiga floresta, me davam a ideia do que foi e já
não era mais. Da densa mata, que em alguma época havia estado lá e depois
desapareceu, cortada e submergida pela água escura da represa. Agora, com a
seca e a diminuição do nível do reservatório, a antiga floresta me lembrava de que, em alguma
época passada, teria estado ali.
Sempre
tenho essa impressão toda vez que vejo uma daquelas barragens hidrelétricas
construídas através do país, principalmente na Amazônia. Ocorre às vezes que as
árvores não são nem derrubadas em sua totalidade, ficando, aqui e ali, o troco
seco e apodrecido do vegetal surgindo acima do nível da água.
Mas
a impressão é sempre a mesma: aqui havia algo que foi destruído, removido e seu
habitat submergido, sufocado. Pela necessidade de gerar energia, para
acionamento de máquinas e produção de produtos. Chama-se a isso de progresso e
assim justifica-se a derrubada da floresta e a inundação do vale.
À
época em que a represa Billings foi construída, a tecnologia e os interesses
econômicos indicavam que aquela era a melhor solução e o local mais indicado
para a geração de energia para a metrópole, em processo de rápida expansão. O
mesmo discurso ou a mesma “avaliação técnica” foram usados para outros
empreendimentos Brasil afora, ao longo do século XX e início do XXI.
Qual
será o discurso técnico que possa justificar o intenso ritmo de derrubada da
floresta amazônica nos anos 2019 e 2020? Já sabemos que não se trata da
construção de novas barragens hidrelétricas. Neste caso, tudo indica, é o
impulso de ocupar mais terras, acumular capital e especular.
As
imagens aéreas de áreas de floresta devastadas nos dão sempre a mesma
impressão. Algo que foi e já não é mais e, muito provavelmente, nunca mais
voltará a ser.
(Imagens: pinturas de Jamini Roy)
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