Há quatro anos, em novembro de 2016,
escrevemos um artigo sobre a eleição de Trump e suas consequências para o meio
ambiente (A eleição de Trump e o meio ambiente - https://ricardorose.blogspot.com/2016/11/a-eleicao-de-trump-e-o-meio-ambiente.html).
Como esperado, a atuação do 45º presidente eleito dos Estados Unidos exerceu
forte influência na maneira como seu país e parte do mundo passou a tratar o
meio ambiente. Além de eliminar diversas providências encaminhadas por seu
antecessor, Barak Obama, Trump retirou poder da agência de controle ambiental
americana, a EPA (United States Environmental
Protection Agency), diminuiu o tamanho de áreas de proteção ambiental e de parques
naturais, reduziu o número de medidas de avaliação de impacto ambiental em
obras de infraestrutura, e concedeu licenças para diversos projetos de alto risco
ao meio ambiente, como o gigantesco oleoduto Keystone XL que se estende do
Canadá aos Estados Unidos.
No
setor de transportes, gerador de grandes volumes de emissões, a administração
Trump reduziu os padrões de eficiência energética em veículos e dificultou o
desenvolvimento de meios de transporte mais limpos. Sua mais polêmica ação, de
grandes consequências para o clima do planeta, foi a retirada de seu país do
acordo climático de Paris, através do qual 195 nações ratificaram sua intenção
de reduzirem as emissões de gases de efeito estufa (GEE), a partir de 2020. Os
Estados Unidos, lembremos, é o segundo maior emissor de GEE depois da China.
Neste ano os Estados Unidos organizaram uma nova eleição presidencial e Joe Biden foi eleito como 46º presidente na nação. Trump alega que houve fraude no pleito, está recorrendo na justiça, mas já deu início à transferência de governo ao sucessor, que deverá tomar posse em 20 de janeiro de 2021. Em declarações à imprensa, Biden já confirmou que com relação às questões ambientais recolocará os Estados Unidos no acordo climático de Paris e que reverterá uma série de decretos assinados por seu antecessor. O novo presidente planeja retomar o Plano de Energia Limpa, que prevê a redução das emissões de CO² das usinas de geração de energia em 30%, até 2030. Este plano energético, elaborado durante o governo Obama, nunca havia entrado em vigor, por ter sido contestado na justiça por uma coalizão de empresas e governos estaduais republicanos.
O
foco principal da administração Biden em relação ao meio ambiente será a
redução das emissões de carbono do país para zero, até 2050. Para isso, sua
administração planeja investir cerca de 2 trilhões de dólares, em um ambicioso
programa baseado principalmente em eficiência energética e nas energias
renováveis, gerando milhões de empregos verdes (postos de trabalho em empresas ambientalmente
sustentáveis). Na área da energia eólica, por exemplo, Biden pretende impulsionar
a geração de energia eólica offshore, através de turbinas eólicas instaladas ao
longo do litoral dos estados da costa Leste e da Califórnia. A cadeia da
indústria automobilística, criadora de grande número de empregos diretos e
indiretos, também receberá fortes incentivos para aumentar a produção de carros
com motores elétricos. O setor da construção civil terá como principal meta o
uso eficiente de materiais e energia, através da modernização e renovação (retrofitting) de prédios públicos e
privados. Todas estas metas e outras ainda a serem acrescentadas ao programa,
farão parte de um projeto já conhecido como Green
New Deal (pacto ecológico), com vistas a modernizar a economia americana,
gerando empregos verdes e baixas emissões de carbono (https://www.heritage.org/renewable-energy/heritage-explains/the-green-new-deal). As estratégias e metas desta iniciativa do
governo americano são bastante semelhantes ao Pacto Ecológico Europeu (https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/european-green-deal_pt).
Esta
intenção Biden pretende também deixar clara aos outros países. Tanto que
indicou o ex-secretário de Estado do governo Barak Obama, John Kerry, para o
cargo de enviado especial do Meio Ambiente (special
presidential envoy for climate). Segundo reportagem apresentada
recentemente na CNN online, quando o senador Bernie Sanders em 2016 classificou
a questão das mudanças climáticas como “a mais importante questão de segurança
nacional”, não foi levado a sério. Cinco anos depois, a própria Casa Branca criou
o cargo de enviado especial do Meio Ambiente, com cadeira permanente nas
reuniões do Conselho Nacional de Segurança. Kerry tem longa experiência nas
questões climáticas, tendo desempenhado importante papel nas negociações para o
Acordo Climático de Paris.
Este
é o recado que os Estados Unidos agora transmite às outras nações do planeta: a
questão do clima é séria e estamos empenhados em agir em relação a ela. Retomando
seu papel de pioneiros na discussão e na criação de leis ambientais desde a
década de 1960, a nação americana pretende, depois de quatro anos de ausência,
voltar ao protagonismo e à liderança no tema. Com isso, exercerão uma grande
influência sobre outros países. Se o exemplo da administração Trump foi
negativo, fazendo com que os temas ambientais fossem relegados a um plano
secundário, permitindo que muitas nações usassem implícita ou explicitamente o
exemplo americano para também não agirem em relação ao clima, a partir de agora
o quadro muda. A proteção aos recursos naturais, sejam quais forem, novamente é
o assunto do dia na nova ordem econômica mundial pós-covid19 e
pós-administração Trump – palavra da União Europeia e dos Estados Unidos.
O
Brasil será uma peça importante nesta estratégia climática da administração
Biden, como o próprio presidente já adiantou durante os debates eleitorais. A
campanha presidencial de Biden recebeu forte apoio de grupos, de dentro e de
fora do partido, ligados às questões ambientais. Assim, a questão da
Amazônia com certeza será uma das primeiras pautas das reuniões entre os dois
governos. Até o momento foram dizimados 20% da área original da floresta, mas
se chegarmos aos 25% da área, poderemos alcançar “o ponto de não retorno”, como
os cientistas classificam esta situação. Nestas condições não há mais certeza
se e em quanto tempo o ecossistema poderá se recuperar.
Não
se recuperando, a Amazônia poderá em parte se transformar em uma região de
savana, de vegetação rala, com menor volume de recursos hídricos e com consequências
para a biodiversidade; o clima e a agricultura no Brasil – além de outras
implicações econômicas – e o clima mundial. Sabe-se hoje que a floresta
amazônica não tem forte influência na remoção dos GEE da atmosfera, mas que exerce
grande interferência na umidade e na temperatura do ar da macrorregião
amazônica e também no planeta.
As
características da Amazônia têm uma influência tão grande na Terra, que sua
manutenção é motivo de preocupação de todos. Ninguém questiona a posse da
região pelo Brasil, mas espera-se que o país faça a gestão da região de tal
maneira, que o tênue equilíbrio que ainda existe entre todos os aspectos
naturais possa ser mantido – pelo bem de todos. É evidente que a manutenção do
ecossistema exigirá aportes de tecnologia, recursos humanos e financeiros, para
que os moradores da região tenham um padrão de vida digno, de modo a não serem
forçados a práticas de sobrevivência não sustentáveis, como vem ocorrendo em
alguns casos. Deve-se pensar numa série de compensações para os estados e
municípios da região, proporcionando-lhes o mesmo padrão de vida de outras
regiões do país.
Biden
já falou em uma ajuda de 20 bilhões de dólares para desenvolver a região de uma
maneira sustentável. O países europeus, com certeza, também terão interesse em
cooperar em projetos de desenvolvimento social e econômico na região. Mas isto
seria apenas o começo. O reverso da moeda é o papel que o governo brasileiro
precisa desempenhar, voltando a controlar e gerenciar o território, coibindo
todo tipo de desmantelamento dos recursos através de desmatamento e garimpo
ilegal, grilagem, invasão de áreas indígenas e de unidades de conservação.
Neste
aspecto cabe ressaltar que o atual governo não tem bons antecedentes. Bolsonaro
sempre teve uma maneira, digamos assim, peculiar de enxergar a questão
ambiental. Como ministro do Meio Ambiente indicou Ricardo Salles, que já havia
atuado como Secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo, tendo sido
processado por irregularidades em sua administração. No cargo, Salles desmontou
parte da estrutura técnica dos principais órgãos ambientais federais e limitou
as ações de controle do órgão ambiental.
O
governo cortou grande parte das verbas do Ministério do Meio Ambiente e reduziu
drasticamente os recursos em outras iniciativas na área do meio ambiente. O
posicionamento do governo em relação ao assunto deu abertura para que diversos
agentes – grileiros, fazendeiros, posseiros, madeireiros e garimpeiros – aumentassem
a derrubada e queima da floresta ao longo do biênio 2019/2020. O fato,
amplamente coberto pela imprensa local e internacional, causou protestos em
diversos países e organizações internacionais, colocando o Brasil no papel de
vilão ambiental do planeta. Com isso, é bastante provável que o país seja alvo
de pressão por parte do governo americano, e que seja cobrado para que tenha
uma atuação mais forte na questão da floresta amazônica.
Para
mudar sua imagem o país precisará mostrar que efetivamente está mudando sua
atitude; o que até o momento não ocorreu. Um discurso pseudo nacionalista,
baseado na premissa de que potências estrangeiras querem invadir ou extrair as
riquezas da área, só trará mais problemas políticos para o nosso país e não
ajudará a melhorar as condições sociais e ambientais da região.
O Brasil deveria se valer deste novo ambiente político mundial, que se formou com a eleição de Biden e a importância dada novamente à questão do clima, para tirar vantagem do fato de possuir um bioma como a Amazônia – e outros, como a Mata Atlântica e a região do Pantanal. No passado, nos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, o Brasil já teve um papel de protagonista na questão climática e na do meio ambiente, e poderia retomar esta posição. Assim, o governo poderia condicionar a preservação destas áreas à assinatura de acordos de cooperação técnico-científica para o desenvolvimento sustentável da região, à elaboração de projetos de geração de renda, aos acordos comerciais e acesso a novos mercados, entre outros. O pior a fazer, tanto para o Brasil como para o mundo é manter as coisas como estão – se é que isso será possível neste novo contexto político-econômico mundial.
(Imagens: gravuras de Erich Heckel)
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