Leituras diárias

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

 



“Há outra possibilidade. Talvez Deus seja – como sugere o escritor Gilles Lapouge – o grande oceano do esquecimento, para onde fluem nossas lembranças, nossos sonhos, nossas realizações, as imagens que guardávamos, os odores, os sons, os gostos. Também para lá escorre tudo o que soubemos e perdemos. Os mistérios dos maias, dos teothuacanos, de todos os povos que mergulharam em suas águas turvas, das cidades soterradas, dos centros abandonados, de Sodoma e Gomorra, da Mesopotamia, do Egito dos faraós e da Esfinge; e os nossos princípios morais, a nossa ética, as amizades, os amores, a devoção dos cães, os conhecimentos dos vencidos, os livros queimados, religiões que há muito deixaram de consolar, dúvidas jamais esclarecidas – tudo isso segue nas corredeiras do nosso rio, na direção do desconhecimento que se mistura com a memória, da morte que se confunde com a vida. Deus, afinal, talvez seja mais nossa inexistência e nossa ignorância do que nossos pálidos feitos e nossa enlouquecida aventura.” (Konder)

 

Leandro Konder, O grande esquecimento (artigo no Jornal de Letras, s/d)


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