“Há
outra possibilidade. Talvez Deus seja – como sugere o escritor Gilles Lapouge –
o grande oceano do esquecimento, para onde fluem nossas lembranças, nossos
sonhos, nossas realizações, as imagens que guardávamos, os odores, os sons, os
gostos. Também para lá escorre tudo o que soubemos e perdemos. Os mistérios
dos maias, dos teothuacanos, de todos os povos que mergulharam em suas águas
turvas, das cidades soterradas, dos centros abandonados, de Sodoma e Gomorra,
da Mesopotamia, do Egito dos faraós e da Esfinge; e os nossos princípios
morais, a nossa ética, as amizades, os amores, a devoção dos cães, os
conhecimentos dos vencidos, os livros queimados, religiões que há muito
deixaram de consolar, dúvidas jamais esclarecidas – tudo isso segue nas corredeiras
do nosso rio, na direção do desconhecimento que se mistura com a memória, da
morte que se confunde com a vida. Deus, afinal, talvez seja mais nossa inexistência
e nossa ignorância do que nossos pálidos feitos e nossa enlouquecida aventura.”
(Konder)
Leandro
Konder, O grande esquecimento (artigo no Jornal de Letras, s/d)
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