"A felicidade é uma palavra abstrata, composta de algumas ideias de prazer." - Voltaire - Aforismos, sentenças e julgamentos salomônicos
Os portugueses ficaram bastante impressionados com a Mata Atlântica, quando aportaram nas costas da Bahia em 1500. A carta de Pero Vaz de Caminha reporta sobre a luxuriante vegetação, a abundância das águas e a fertilidade do solo. Nesta época a floresta ocupava uma área de cerca de 1,3 milhões km², estendendo-se por aproximadamente 3.500 quilômetros, do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. Desta extensa área restam atualmente 52.000 km² de mata, concentrando-se principalmente na região Sudeste, entre os Estados de São Paulo e Paraná.
Foram 500 anos de exploração da floresta, para extrair madeiras, praticar agricultura e pecuária, estabelecer cidades. Já na primeira metade do século XVI mercadores portugueses, franceses – que para isso fundaram feitorias no Rio de Janeiro e em Cabo Frio – e espanhóis, iniciaram a exploração do pau-brasil, árvore bastante abundante na mata e usada para tingimento de tecidos na Europa. Entre 1530 e 1550 foram construídos os primeiros engenhos de açúcar nas capitanias de Pernambuco e de São Vicente. No Sul do Brasil a cultura da cana-de-açúcar, planta trazida pelos portugueses da Ilha da Madeira, não se desenvolveu.
No Nordeste, os engenhos encontraram solo propício para a expansão da cultura na Zona da Mata, região da Mata Atlântica, onde existe massapê, solo bastante propício para a agricultura. Gilberto Freyre, em seu clássico Casa Grande e Senzala descreve a sociedade que se formou em torno do ciclo econômico da cana-de-açúcar e sua relação com o meio ambiente da região. Na região Sudeste, no século XIX, o ciclo econômico do café também se deu em plena região de Mata Atlântica, primeiramente no vale do Rio Paraíba, para depois estender-se por todo o Centro e Noroeste do Estado de São Paulo, a partir de meados do século XIX. Até praticamente a metade do século XX, quando se iniciou a industrialização, todos os principais ciclos econômicos do País ocorreram em regiões localizadas dentro da área de influência da Mata Atlântica.
Ainda hoje quando olhamos o mapa do Brasil, vemos que grande parte das capitais e principais cidades – concentrando quase 70% da população – se localiza em área de influência da floresta atlântica e responde por cerca de 80% do PIB brasileiro. Durante quase 450 anos a floresta foi a grande reserva natural que nos forneceu a madeira para a construção de casas, móveis e veículos, conservou a água que abasteceu as cidades, a agricultura e nossos animais, manteve a navegabilidade dos rios, que permitiram o avanço rumo ao interior. A floresta, sempre vista como um obstáculo a ser transposto ou derrubado pelos colonizadores, hoje sabemos ter sido uma aliada, possibilitando a fixação da população e as atividades econômicas.
Apesar disso, a Mata Atlântica ainda guarda muitos tesouros; alguns dos quais ainda desconhecidos. Exemplo disso são as descobertas de novas espécies de peixes, plantas, insetos ou anfíbios, feitas a cada nova pesquisa em regiões remotas da floresta. Ainda hoje, existem cerca de 10.000 espécies de plantas, 131 mamíferos, 214 aves, 23 marsupiais, 57 roedores, 184 anfíbios, 144 répteis e 21 primatas nesta floresta. A Mata Atlântica ainda abriga populações autóctones que mantêm grande dependência da floresta e de seus benefícios. São os caiçaras, que vivem em aldeias entre a faixa do litoral e a Serra do Mar, os indígenas, que ocupam a região há milênios e os quilombolas, descendentes de escravizados fugidos e que se estabeleceram em locais afastados.
Além disso, a região da Mata Atlântica ainda guarda tesouros arqueológicos, como as cavernas situadas no vale do Rio Ribeira de Iguape, em São Paulo, e os sambaquis, registros de populações que viveram na região há mais de 6.000 anos. O Brasil tem muitas prioridades, muitos problemas a serem resolvidos. No entanto, as gerações futuras não nos perdoarão, se permitirmos o desaparecimento da Mata Atlântica e de todas as suas riquezas naturais e culturais, em troca das nossas preocupações imediatas.
(Texto publicado originalmente no livro Como está a questão ambiental de Ricardo Ernesto Rose)
(Imagens: fotografias de portas em Iguape, SP, por Ricardo Ernesto Rose)
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