"Os textos foram inventados, no segundo milênio a.C., a fim de desmagicizarem as imagens (embora seus inventores não tenham se dado conta disto). As fotografias foram inventadas, no século XIX, a fim de remagicizarem os textos (embora seus inventores não se tenham dado conta disso)". - Vilém Flusser - Filosofia da Caixa Preta
O ser
humano sendo criatura viva, sujeita às leis da natureza é, assim como todos os
outros seres vivos, marcado pela provisoriedade; pela finitude Todos os seus
projetos, ideias, realizações e aspirações são efêmeras, porque nunca definitivas.
A percepção de sua transitoriedade, de sua mortalidade – e de todos os seus ideais – causa aos humanos um sentimento de angústia. Durante a maior parte da história
humana, colocando suas expectativas nos relatos das religiões, homens e mulheres transformavam este sentimento de limitação em esperança de sobrevivência à sua
extinção e eventual continuidade de sua individualidade. Hoje, já bastante cético em relação a tal possibilidade, o ser
humano médio tenta ocultar de si mesmo a inexorável chegada d' “a indesejada das gentes”. Escreve o filósofo Max Scheler:
“A morte recalcada, a morte ‘presente’, mas
tornada invisível e que deixou de ser temida ao ponto de se ter tornado inexistente,
é, de agora em diante, poder e brutalidade sem sentido, tal como aparece ao
novo tipo de homem quando se vê confrontado com ela. A morte surge apenas como
uma catástrofe. Não é mais vivida de modo leal e consciente. E já ninguém mais
sente e sabe que tem de morrer a sua própria morte” (Scheler, 1993).
Outras criaturas, instituições criadas pela humanidade, o mundo físico e até planetas, galáxias e talvez o próprio universo, também são transitórios; a diferença na sua extinção é a escala de tempo. A efemeridade é uma característica de todo o ente; aparentemente nem mesmo os átomos – dados como eternos pela filosofia grega – são permanentes. Decaem, se decompondo em outras subpartículas, que por sua vez também desaparecerão. No final de um tempo imenso de centenas de bilhões de anos, assim dizem os cosmólogos, as mínimas partículas de matéria, formadas de energia concentrada, também se dissolverão e deixarão de existir. Assim como veio do nada, ao nada retornará o universo – e talvez surgirá um outro universo, depois de um tempo que não temos como avaliar, já que para isto a física atual não tem qualquer dado para estimá-lo.
No
entanto, o ser humano não pode ser definido somente através de sua existência
passageira. Dotado de raciocínio e animal social por natureza, assim como todos
os nossos antepassados símios, o animal homem é, diferentemente de todo o resto
da criação, consciente de sua mortalidade e da finitude de todo o universo. O
avanço das ciências biológicas, porém, está tornando cada vez mais tênues as
diferenças que nos separam dos outros seres vivos. Diferente do que dizia
Descartes, descobrimos que os animais têm sentimentos, além de também fazerem
ferramentas e de possuírem traços de cultura. Alguns, como os golfinhos e os
corvos, podem se reconhecer em um espelho – teriam algum tipo de
autoconsciência como nós? Fato é que reconhecemos, cada vez mais, que somos parte
integrante do universo; somos o universo.
O
ser humano, no estágio atual de seu desenvolvimento, se caracteriza pela sua
capacidade única de formular complicados raciocínios lógicos, elaborar
complexos conceitos de ética, além de parte dos humanos (felizmente) possuir
senso de humor. Talvez seja esta a nossa essência: somos a parte desse universo
que pode pensar, agir e rir sobre si mesmo.
Referência
SCHELER, Max. Morte e
Sobrevivência – 1ª ed. Lisboa: Edições 70, 1993
(Imagens: pinturas de Aníbal Mattos)
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