Assim
como o aumento da criminalidade no Brasil, o assunto das mudanças climáticas tornou-se
tema recorrente. Quase não há semana em que não apareçam na imprensa novos fatos,
alertando sobre a gravidade do problema e a necessidade de se implantar medidas
efetivas de redução das emissões de gases de efeito estufa. Mas, assim como no
caso da criminalidade no Brasil, também no caso do clima, os países continuam
atuando de maneira ineficiente, implantando soluções pontuais, sem atacar a origem
do problema. No caso do Brasil, a criminalidade só será reduzida com a melhoria
das condições sociais e econômicas de grande parte da população, o que implica
a desconcentração das riquezas produzidas pela sociedade, em poder de poucos. A
sociedade mundial, de maneira parecida, só chegará à gradual diminuição das emissões,
quando reduzir o consumo de recursos naturais, atividade centralizada nos
países desenvolvidos. O aumento da anomia social e da degradação climática (e
biológica) são dois aspectos da concentração da renda, característica do
sistema econômico capitalista.
Inócuo
discutirmos aspectos da segurança pública no país, já que não conhecemos o
assunto de maneira aprofundada. Nas mídias estão disponíveis casos concretos de
todos os tipos, depoimentos de pessoas que atuam na área, e estudos de
especialistas apontando causas e medidas corretivas. Concentraremos nosso texto,
portanto, no tema das mudanças climáticas.
Ao
longo das últimas duas décadas, praticamente não houve ano em que não fossem
constatados novos fenômenos atmosféricos relacionados ao clima – chuvas
torrenciais, furacões, pesadas nevascas, secas prolongadas. O que se observa
não é um simples aumento gradual da temperatura média da atmosfera do planeta
(fato colocado em cheque pelos negacionistas climáticos no passado), mas a
incidência cada vez maior de extremos climáticos: temperaturas e precipitações
acima daquelas usuais no passado. O ano de 2023 já começou em condições climáticas
excepcionais no inverno europeu, onde no dia 1/1/2023 a temperatura em Bilbao,
na Espanha, atingiu os 25,1 graus Celsius; Dresden, na Alemanha teve 19,4 graus
Celsius em 31/12/2022; e o norte da Dinamarca registrou 12,6 graus Celsius nos
primeiros dias de janeiro. À mesma época, o leste dos Estados Unidos enfrentava
uma das mais pesadas nevascas das últimas décadas, e a geralmente seca Califórnia
era castigada por chuvas torrenciais, causando grandes inundações. No Brasil, chamam a atenção as violentas chuvas registradas no Litoral Norte do estado de São Paulo, onde no dia 19 de fevereiro a precipitação pluviométrica foi a mais intensa registrada há décadas - algumas fontes reportam que a chuva ocorrida na cidade de Bertioga em 24 horas, 683 mm, foi a mais alta já registrada no país. .
Um
relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), elaborado em dezembro de
2022, informa que em 2023 a temperatura global deverá ficar entre 1,08 graus e 1,32 graus Celsius acima da média do período pré-industrial, que sempre é utilizado como base para estas medições.. Segundo especialistas
do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), ligado à ONU, “mesmo limitando o aquecimento a uma alta de até
1,5 º C na temperatura (acima da média do período pré-industrial), ondas de
calor, inundações e outros eventos extremos aumentarão de forma ‘sem
precedentes’ em sua magnitude, frequência, localização ou época do ano em que
ocorrem, adverte o IPCC.” - o que parece já estar ocorrendo. A taxa de aumento do nível do mar, segundo o
órgão, dobrou desde 1993, subindo quase 10 mm desde janeiro de 2020, atingindo
um recorde em 2020 – o qual, no entanto, tende a ser ultrapassado. Apenas dos últimos 36
meses (desde meados de 2019), o nível dos oceanos aumentou 10% em relação a
todo o período desde o início das medições, iniciadas há 30 anos. As geleiras
dos Alpes mostraram um derretimento recorde em 2022 e as da Groenlândia
perderam volume significativo pelo 26º ano seguido.
Todos
estes fenômenos climáticos também exercem um impacto negativo sobre as
atividades humanas. O calor excessivo no verão do hemisfério Norte em 2022, fez
com que tivessem que ser implantadas medidas de economia de energia na costa
Oeste dos Estados Unidos. Fábricas na China, na região de Sichuan, suspenderam
todas as atividades durante seis dias, devido ao racionamento de energia,
comprometendo a fabricação de semicondutores exportados para todo o mundo.
Estudo realizado pelo instituto americano Gallup para avaliar como a onda de
calor afeta a vida das pessoas, constatou que “em média, a população global experimentou três vezes mais dias de calor
extremo em 2020 do que em 2008, e o bem estar também diminuiu 6,5% neste
período. Pesquisadores também descobriram que, como a crise climática está
elevando ainda mais a temperatura, o bem estar global pode diminuir em mais de
17% até o final desta década.” (Site CNN Brasil 31/8/2022).
Além
de causar mal estar, o aumento médio da temperatura do planeta também provocará
problemas de saúde na população. Um relatório do Fundo das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF), alerta todos os países que até 2050 todas as crianças e
adolescentes estarão expostos a ondas de calor cada vez mais frequentes, a
maior parte delas morando nos países pobres – atualmente já são 560 milhões. Dada
esta situação, governos federais, estaduais e municipais terão que ampliar investimentos em saneamento básico, serviços de saúde, vacinação,
educação, higiene e nutrição. O aumento da temperatura fará com que aumentem,
principalmente em nações pobres localizadas na zona tropical (a maioria), os
casos de malária, dengue, febre amarela, doenças respiratórias e vasculares,
infecções viróticas, etc.
Atualmente 55% da população mundial vivem em cidades – no Brasil são mais de 85% - e o deslocamento de populações do campo para cidade só tende a aumentar, principalmente nos países pobres, os mais afetados pelas mudanças do clima. No entanto é nas cidades, onde vive a maior parte da população, que as mudanças climáticas se farão sentir com mais força. O exemplo recente das chuvas torrenciais que caíram sobre as cidades de São Sebastião e Bertioga, em São Paulo, e os 140 municípios gaúchos em situação de emergência decretada em razão da estiagem, são um evidente exemplo disso.
A Organização Mundial de Saúde (OMS)
órgão ligado à ONU, estima que a poluição do ar urbano seja responsável por 24%
das mortes por doenças cardíacas, 25% das mortes por acidente vascular cerebral
(AVC), 29% das mortes por câncer do pulmão e 43% das mortes por problemas
respiratórios em geral. Estes números são mais reduzidos em cidades que dispõem de
cobertura vegetal como arborização nas ruas, áreas verdes, amplos parques e pequenas
reservas florestais, que contribuem para reduzir a poluição, principalmente a
particulada, e diminuir a temperatura média do ar. Áreas verdes também são importantes sumidouros de água nos períodos de chuva, contribuindo para evitar enchentes.
No
entanto, este tipo de ordenamento urbano ocorre geralmente em cidades de
pequeno e médio porte, onde a administração municipal dispõe de recursos
financeiros e pessoal capacitado para implantar e manter medidas de proteção e
manutenção do ambiente urbano. Outro aspecto importante é o grau de
conscientização da população em relação à questão da preservação do ambiente.
Cidadãos esclarecidos sobre seus direitos podem exercer uma influência positiva
sobre administrações municipais – às vezes na forma de uma efetiva pressão
popular –, para fazer com que estas cumpram com suas obrigações estabelecidas
pela Constituição e por legislação específica. O papel do cidadão na melhoria da qualidade ambiental da vida na cidades é cada vez mais importante.
A conscientização da população, todavia, só é alcançada através de diversas ações de educação ambiental nas escolas e atividades junto à comunidade. Nesse quesito o poder público ainda deixa muito a desejar. Apesar de ter sido criada em 1999, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), que deveria estar presente em todos os níveis do ensino brasileiro, poucas vezes recebeu a devida importância dos governos nos diversos níveis. Com relação à educação ambiental nas escolas, basta consultar a internet e ver que é diminuto o número de artigos que discutem e analisam o tema. No site do Ministério do Meio Ambiente (que pouca atenção recebeu dos governos Temer e Bolsonaro, por sinal), encontra-se pouco material sobre o assunto; a maior parte ainda elaborada nos governos Lula. Em todos estes anos, desde 2010, a ação mais importante que conseguimos identificar nesta área, foi a criação da Campanha Junho Verde na Política Nacional da Educação Ambiental, sancionada em julho de 2022, estabelecendo que “poderes públicos foram encarregados de trazer o debate da conscientização ambiental junto a escolas, igrejas e comunidades (sic).” É como escreve o jornalista Aparício Torelli, o Barão de Itararé (1895-1971): "De onde menos se espera, daí é que não sai nada". Enfim, mais do mesmo, com os mesmos efeitos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) criada também no governo Lula em 2010 e que até agora também pouco avançou.
Em
termos gerais, segundo as informações e os poucos dados disponíveis na internet, a
educação ambiental nas escolas públicas é superficial. O setor do ensino
particular parece dar mais atenção ao assunto, dependendo do tipo da escola e da região onde se situa. De modo geral, todavia, estudos realizados
por diversos pesquisadores concluíram que o ensino da educação ambiental é
superficial e pouco voltado para temas e atividades práticas, devido à falta de
recursos materiais e humanos. Trecho de um estudo feito por estudantes do
Centro Universitário Assis Gurgácz e apresentado no 7º Congresso Internacional
de Educação em maio de 2019 diz o seguinte:
“(...)
a falta de material didático que aborda a
questão ambiental, faz com que seja fundamental a busca por outras metodologias
e materiais que possam auxiliar na sala de aula. A falta de interesse por parte
da comunidade em geral e também pelos órgãos públicos é notável, nem mesmo a
comunidade participativa da escola, como pais, professores, alunos, e vizinhos
colaboram com projetos socioambientais quando raramente são realizados. Coisas
simples como coleta de resíduos, descarte adequado dos dejetos e troca de
informações sobre a ecologia, são geralmente ignorados e colocados de lado,
representando a falta do conhecimento da vida e da preservação da mesma.”
(Bragagnollo, Guedes e Oliveira).
É
exatamente a educação ambiental, tão valorizada nos países desenvolvidos,
atraindo cada vez mais o interesse dos jovens – estes os mais preocupados com
os rumos da questão ambiental no planeta –, que no Brasil é tratada com desdém,
e às vezes até com desprezo, como o fizeram muitos representantes do governo
Bolsonaro e continua fazendo parte significativa dos políticos e empresários. As
melhores iniciativas de educação ambiental no país devem-se a grupos organizados,
como: ONGs, associações de bairro, escolas, grupos de interesse, algumas poucas
prefeituras, empresas, e muitos voluntários de boa vontade.
Infelizmente
evoluímos (ou involuímos?) para uma situação na qual, por diversos motivos, o
interesse e o cuidado com o meio ambiente, a natureza, os recursos naturais,
diminuiu bastante ao longo dos últimos dez anos. O entusiasmo com as primeiras
reuniões das Conferências da ONU sobre Mudanças Climáticas (Conference of Parts
– COP) arrefeceu consideravelmente ao longo dos últimos anos. As diversas
promessas feitas em acordos, principalmente pelos países ricos, não foram
cumpridas em parte ou em sua totalidade. Crises econômicas, conflitos regionais
e interesses estratégicos, eram os motivos alegados para que planos
estabelecidos não avançassem. Diversas práticas de gestão ambiental em empresas, implantadas principalmente nas indústrias transnacionais mundo afora (ISO 14000, Triple bottom line, a recente ESG, etc.),
muitas vezes não passam de “greenwashing”; uma maneira enganosa de apresentar a
empresa ou um produto como ambientalmente correto, quando não é. No Brasil, a
crise econômica que teve início em 2014 também foi responsável pela interrupção
de diversas iniciativas ambientais; tanto na área privada quanto pública. Como
se diz por aí: “Quando o caixa está no vermelho, o verde perde o interesse”.
O
capitalismo financeiro visa o ganho máximo para acionistas e diretores (vejam-se
os casos recentes das lojas Americanas e da Light). O empreendimento, a
empresa, é um meio para multiplicar os lucros, o que faz com que as
preocupações com o impacto ambiental das atividades e o bem estar dos
funcionários, sejam colocadas em segundo plano (casos Vale e Samarco, em Minas
Gerais).
Se a
humanidade não conseguir reverter o processo de aquecimento global, as
condições de vida sobre o planeta se tornarão cada vez mais difíceis, tanto para
nossa espécie e para todas as outras. Algumas sofrerão mais e, provavelmente, desaparecerão mais rápido, como já vem ocorrendo. Outras espécies, incluindo a nossa, os sapiens, dotados de uma
resiliência maior devido a fatores naturais e, no nosso caso, culturais,
continuarão existindo sobre o planeta em condições cada vez mais precárias.
Calor e frio intensos, escassez de água, de alimentos, de energia, de
necessidades básicas. A decadência será gradual, mas inexorável. Por isso é
preciso mudar nossa maneira de viver, principalmente através de uma nova
educação baseada em novas premissas, em novos valores, que levem em
consideração a preservação dos recursos naturais, com a mudança de nosso modo
de produzir e consumir.
(Imagens: pinturas de Gabriele Münter)
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