"Para a natureza, é apenas a nossa existência, e não nosso bem-estar que tem importância." - Arthur Schopenhauer - A arte de envelhecer
Vivemos
“tempos interessantes”. Na antiga tradição chinesa, tempos interessantes
significavam mudanças, ausência de tranquilidade e paz, agitação e tribulação.
Não coincidentemente, o historiador Eric Hobsbawm deu o título de Tempos Interessantes à sua
autobiografia, lançada em 2002.
Hobsbawm,
aliás, viveu tempos de grande agitação e mudanças. Nasceu no período da
Revolução Russa (1917), no final da 1ª Guerra Mundial (1914-1918), passou pela
crise financeira de 1929, viu a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), a Guerra da
Coréia (1950-1953), a Guerra do Vietnã (1959-1975), desfrutou dos “30 anos
dourados do capitalismo (1950-1980)”, acompanhou a dissolução da União Soviética
(1991), e muito mais. Uma sucessão de acontecimentos de grande importância na
história da humanidade e um vasto campo de pesquisa para um historiador de
porte, como o foi Hobsbawm (1917-2012).
Durante
toda a história, sempre houve os “tempos interessantes”, dependendo do grau de
importância que se quer dar a um evento e do foco da análise. Qual período
histórico considerar? A história da humanidade, a do Brasil ou de certo período
específico da cronografia brasileira? Nessa ótica, a queda de um avião,
provocando a morte de várias pessoas, pode ter pouca importância local ou
praticamente nenhuma do ponto de vista histórico. Mas tudo muda, quando a bordo
da nave viaja um candidato a presidente, como no caso do acidente aéreo que
vitimou Eduardo Campos, candidato do PSB às eleições presidenciais de 2014. De
que maneira teria se desenrolado a história recente do Brasil, se Eduardo
Campos tivesse concorrido ao pleito? Não saberemos nunca. A história também é
isso; o relato dos acontecimentos que mudam uma situação, dando um novo rumo ao
desenrolar histórico, no qual novas condições levarão a acontecimentos
diferentes daqueles vigentes inicialmente. Ou seja, com a morte do candidato,
as eleições tomaram outro rumo, que resultaram numa situação diferente do país,
daquela imaginada antes do acidente.
Estas
mudanças de caminho na história por vezes conduzem aos mencionados tempos
interessantes; trazendo agitação e tribulação. São consequências dos
acontecimentos históricos, que retroativamente nos permitem classifica-los na
categoria de “tempos interessantes”. O quanto, por exemplo, a Guerra da Ucrânia
influenciará a história humana? Além dos milhares de mortos e o horror inerente
a qualquer guerra, quais serão suas repercussões no desenvolvimento da economia
mundial e europeia, nas relações políticas entre países da região e na formação
de novos blocos aliados de nações, abalando hegemonias estabelecidas? Qual foi
o impacto imediato da sindemia da Covid 19 em várias áreas das atividades
humanas e quais efeitos – na economia, na saúde, na educação, na ciência, etc.
– ainda são esperadas para o futuro?
Como
será o desenvolvimento da economia mundial, face à visível crise do sistema
capitalista? Informações mais recentes dão conta de que a economia chinesa
apresenta sinais de exaustão, com queda de produção, já que a demanda agregada,
interna e externa, vem decrescendo. O principal motor da economia europeia, a
Alemanha, registrou uma inflação de 6,9% em 2022, índice inimaginável até há poucos anos. Com dois trimestres consecutivos de contração de sua economia, a
Europa encontrava-se em recessão em junho deste ano. Já nos Estados Unidos, os
especialistas preveem o início de um processo recessivo na economia, a partir
do segundo semestre de 2023. Para muitos economistas chegamos a um beco sem
saída com nosso sistema econômico. O que vemos ocorrer no Brasil reflete,
aproximadamente, o quadro geral: redução do número de empregos, salários mais
baixos, queda do consumo, fazendo com que diminuam os investimentos em novos
negócios. Os capitais disponíveis deixam de ser investidos em atividades
produtivas, deslocando-se para o mercado financeiro; mais rentável e (ainda)
seguro.
Numa
alusão ao Manifesto Comunista (1848) de Karl Marx e Friedrich Engels, também podemos
dizer que “um espectro ronda o mundo (não só a Europa, como dizia o Manifesto),
o espectro das mudanças climáticas”. Este, muito mais potente e assustador do
que queriam fazer parecer o comunismo no século XIX. As ocorrências
significativas relacionadas ao clima se acumularam ao longo das últimas duas
décadas, num ritmo crescente. Secas na África e na Índia, calor intenso no
verão europeu e estadunidense, enchentes arrasadoras na China; aumento da
incidência de ciclones no Sul do Brasil, aquecimento geral dos oceanos, aumento
da velocidade do derretimento das geleiras nos polos, entre outros fenômenos.
Este desequilíbrio no clima da Terra só tende a aumentar, provocando mais
desastres naturais, aliados aos impactos na agricultura e infraestruturas
(transporte, energia, comunicações) dos países – principalmente aqueles
situados no hemisfério sul do planeta.
As previsões que se fazem sobre o futuro, só se tornarão história se efetivamente ocorrerem. Mas no decorrer dos fatos, no calor dos acontecimentos, é preciso tentar – às vezes é moderadamente possível – compreender e antecipar o rumo que a história tomará.
(Imagens: pinturas de Flávio de Carvalho)
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