“As
colonizações portuguesa e espanhola executaram uma política de extermínio que
reduziu brutalmente as populações ameríndias, mas, para além disso, no caso
guarani, o genocídio tomou a forma de uma sucessão escalonada de matanças,
epidemias, escravização, torturas em mãos bandeirantes e, no século XX, os ‘aldeamentos’
que eram nada mais que diminutos espaços confinados. A política territorial do
genocídio ameríndio se choca de forma especialmente destrutiva, portanto,
contra a concepção guarani de um espaço vital em que caça, pesca, coleta e
plantio são concebidos de forma interligada e no qual é de cabal importância a
relação com a terra em que estão os corpos dos ancestrais. Nos dias atuais, boa
parte da população guarani do Mato Grosso do Sul vive nas oito áreas demarcadas
pelo Serviço de Proteção ao Índio entre 1915 e 1928, nas quais os índices de
densidade demográfica são altíssimos — ‘caracterizam ostensivamente situações
de superpopulação com consequências nefastas para os índios’.
Empurrados para
tendas à beira de estrada ou confinados em fundos de fazendas, em espaços
descaracterizados ecologicamente, com mata derrubada, sem árvores e tomados por
monoculturas de soja ou cana, os guaranis enfrentam enormes obstáculos para
reinventar sua existência no Brasil do agronegócio. Na antropologia brasileira,
pelo menos desde a tese de Antonio Brand (1997), a noção de confinamento tem
sido essencial para definir esses processos de territorialização a que eles
foram submetidos. Para o antropólogo Levi Marques Pereira, trata-se de um
confinamento duplo, ‘espacial e principalmente cultural’, que desestabiliza as
estruturas sociais guaranis. A política do confinamento faz, inclusive, de
muitos guaranis mão de obra para a agroindústria, com frequência contratados
como assalariados para trabalhar no que eram as suas próprias terras.” (Avelar,
págs. 215 e 216)
Idelber
Avelar, Eles em nós: Retórica e
antagonismo político no Brasil do século XXI