Leituras diárias

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024


 

“As colonizações portuguesa e espanhola executaram uma política de extermínio que reduziu brutalmente as populações ameríndias, mas, para além disso, no caso guarani, o genocídio tomou a forma de uma sucessão escalonada de matanças, epidemias, escravização, torturas em mãos bandeirantes e, no século XX, os ‘aldeamentos’ que eram nada mais que diminutos espaços confinados. A política territorial do genocídio ameríndio se choca de forma especialmente destrutiva, portanto, contra a concepção guarani de um espaço vital em que caça, pesca, coleta e plantio são concebidos de forma interligada e no qual é de cabal importância a relação com a terra em que estão os corpos dos ancestrais. Nos dias atuais, boa parte da população guarani do Mato Grosso do Sul vive nas oito áreas demarcadas pelo Serviço de Proteção ao Índio entre 1915 e 1928, nas quais os índices de densidade demográfica são altíssimos — ‘caracterizam ostensivamente situações de superpopulação com consequências nefastas para os índios’. 

Empurrados para tendas à beira de estrada ou confinados em fundos de fazendas, em espaços descaracterizados ecologicamente, com mata derrubada, sem árvores e tomados por monoculturas de soja ou cana, os guaranis enfrentam enormes obstáculos para reinventar sua existência no Brasil do agronegócio. Na antropologia brasileira, pelo menos desde a tese de Antonio Brand (1997), a noção de confinamento tem sido essencial para definir esses processos de territorialização a que eles foram submetidos. Para o antropólogo Levi Marques Pereira, trata-se de um confinamento duplo, ‘espacial e principalmente cultural’, que desestabiliza as estruturas sociais guaranis. A política do confinamento faz, inclusive, de muitos guaranis mão de obra para a agroindústria, com frequência contratados como assalariados para trabalhar no que eram as suas próprias terras.” (Avelar, págs. 215 e 216)

 

Idelber Avelar, Eles em nós: Retórica e antagonismo político no Brasil do século XXI 

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