Análoga
dissonância entre a realidade humana e as condições estruturais de sua existência
é assinalada por Freud, porém a partir de um registro situado nos limites entre
os processos emocionais de um indivíduo singular e a civilização. Para Freud, a
existência humana é marcada pelo imperativo de repressão das pulsões exigido
pela vida em civilização. O fato de que a todo homem civilizado são impostos
sacrifícios pulsionais, frequentemente desproporcionais em relação às
recompensas produzidas pelas instituições sociais, conduziu Freud a enunciar o
mal-estar na civilização como condição irredutível da vida em sociedade. O mal-estar
na civilização é a condição estrutural para a vida social, e dele se originam
fortes tendências destrutivas e antissociais que traem, em cada homem
civilizado, a existência de um inimigo secreto da própria civilização. Em suas
reflexões sobre a personalidade autoritária, o filósofo Adorno constatou a
relação direta entre a barbárie do fascismo e o mal-estar na civilização. O
estado de negatividade assinalado por Freud pode ser traduzido na existência de
inclinações agressivas de desintegração social que fazem a civilização se
tornar alvo de violência e irracionalismo.
Em
termos freudianos, a agressividade gerada como subproduto da vida civilizada
deveria ser elaborada e sublimada pelo indivíduo, para que sua existência se
tornasse compatível com a dignidade exigida pela vida em si mesma. Mas no
contexto fascista, notadamente quando manifestada na forma de agremiações
grupais segregadoras e violentas, essa agressividade é desviada contra
populações marginalizadas que são objeto de preconceito social. A violência
fascista se constitui, portanto, como um fenômeno social que se origina de
patologias emocionais dos perseguidores, não tendo, portanto, qualquer relação
com as vítimas da perseguição. Na medida em que a frustração e o ressentimento
próprios ao mal-estar na civilização, em vez de serem elaborados e compreendidos
pelo sujeito, são pura e simplesmente projetados naqueles que representam a
diferença social, podemos entender o caráter cego da destrutividade fascista.
(Bueno, págs. 32 e 33)
Sinésio Ferraz Bueno, O fascismo em dez lições
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