Leituras diárias

terça-feira, 17 de dezembro de 2024



Análoga dissonância entre a realidade humana e as condições estruturais de sua existência é assinalada por Freud, porém a partir de um registro situado nos limites entre os processos emocionais de um indivíduo singular e a civilização. Para Freud, a existência humana é marcada pelo imperativo de repressão das pulsões exigido pela vida em civilização. O fato de que a todo homem civilizado são impostos sacrifícios pulsionais, frequentemente desproporcionais em relação às recompensas produzidas pelas instituições sociais, conduziu Freud a enunciar o mal-estar na civilização como condição irredutível da vida em sociedade. O mal-estar na civilização é a condição estrutural para a vida social, e dele se originam fortes tendências destrutivas e antissociais que traem, em cada homem civilizado, a existência de um inimigo secreto da própria civilização. Em suas reflexões sobre a personalidade autoritária, o filósofo Adorno constatou a relação direta entre a barbárie do fascismo e o mal-estar na civilização. O estado de negatividade assinalado por Freud pode ser traduzido na existência de inclinações agressivas de desintegração social que fazem a civilização se tornar alvo de violência e irracionalismo.

Em termos freudianos, a agressividade gerada como subproduto da vida civilizada deveria ser elaborada e sublimada pelo indivíduo, para que sua existência se tornasse compatível com a dignidade exigida pela vida em si mesma. Mas no contexto fascista, notadamente quando manifestada na forma de agremiações grupais segregadoras e violentas, essa agressividade é desviada contra populações marginalizadas que são objeto de preconceito social. A violência fascista se constitui, portanto, como um fenômeno social que se origina de patologias emocionais dos perseguidores, não tendo, portanto, qualquer relação com as vítimas da perseguição. Na medida em que a frustração e o ressentimento próprios ao mal-estar na civilização, em vez de serem elaborados e compreendidos pelo sujeito, são pura e simplesmente projetados naqueles que representam a diferença social, podemos entender o caráter cego da destrutividade fascista. (Bueno, págs. 32 e 33)

 

Sinésio Ferraz Bueno, O fascismo em dez lições

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