“O
conceito de inconsciente veio resultar em uma divisão indelével do sujeito, que
deixa de ser entendido como um todo unitário, identificado com a consciência,
sob o domínio da razão, [...] para ser uma realidade dividida em dois grandes
sistemas – o Inconsciente e o Consciente – e dominada por uma luta interna em
relação à qual a razão é apenas um efeito de superfície [...].(GARCIA-ROZA,
1988, p. 22) A determinação do inconsciente quer dizer o seguinte: longe de
sermos senhores do nosso pensamento, somos habitados por outro que pensa em e
por nós. Nossas escolhas também são determinadas inconscientemente. E se não
somos livres, é a partir desta constatação da não-liberdade que fundamos a sua
possibilidade, ou seja, ao aceitar o desafio dessa liberdade restritiva,
podemos determinar algo de nosso destino, com responsabilidade e certa
liberdade – sendo que esta última é conquistada.” (pág. 44)
“Estranha
casa, essa. Por fora, nada demais: um prédio como dezenas de outros, na mesma
rua. Acontece que Victor Adler, o fundador da social-democracia austríaca,
morou aqui entre 1881 e 1889, e Sigmund Freud entre 1891 e 1938. Para complicar
tudo, um dos seus inquilinos atuais chama-se Kafka. É a conjunção desses três
nomes que dá seu caráter estranho a esse edifício sem nenhum mérito
arquitetônico especial. São três famílias, no mesmo chão, representando três
linhagens intelectuais. Por coincidência, são as três que ajudaram a moldar o
século 20. Adler é a ideia socialista, a revolta contra a apropriação do mundo
exterior por parte de uma classe opressora. O que está em jogo é a alienação
social, que condena o homem a não estar em casa na civilização que ele criou.
Freud é a psicanálise, a descoberta de que o mundo interior é regido por
poderes heterônomos, sobre os quais ele não tem qualquer controle. O que está
em jogo é a alienação psíquica, que faz com que o homem não esteja em casa em
sua própria alma. Kafka é a alienação existencial, externa e interna, que não
pode ser resolvida nem pela revolução nem pela terapia, a recusa de qualquer
esperança, o mundo como arbítrio, como lei cega, como tribunal absurdo, como
colônia penitenciária, como lugar em que nunca estaremos em casa. São três
filosofias do desamparo. Para elas, o homem é um ser errante, sem domicílio
fixo: um sem-teto. Eis a grande metáfora da Berggasse,19: ela é a casa de três
pensamentos cujo objeto é um homem sem casa.” (págs. 113 e 114)
“Vimos
que a determinação do inconsciente quer dizer o seguinte: longe de sermos
senhores do nosso pensamento, somos habitados por outro que pensa em e por nós.
Nossas escolhas também são determinadas inconscientemente. E se não somos
livres, é a partir desta constatação da não-liberdade que fundamos a sua
possibilidade, ou seja, ao aceitar o desafio dessa liberdade restritiva, podemos
determinar algo de nosso destino, com responsabilidade e certa liberdade – esta,
conquistada.” (pág. 335)
Denise Maria de Oliveira Lima, Diálogo entre a sociologia e a psicanálise: o indivíduo e o sujeito
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