Outras leituras

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025


 

1969 – Religião

 

Foi realizado em São Francisco, Califórnia, um Holy Man Jam, ou seja, uma espécie de festival das principais tendências religiosas da comunidade hippie americana. Num salão de baile alugado, reuniram-se cerca de 2 mil pessoas para ouvir seus gurus prediletos e cantar músicas místicas ao som das guitarras elétricas. Naturalmente, estava todo mundo muito doido, com muito fumo e muito ácido sendo distribuído no enorme salão. No palco, apareceram, entre outros, Thimothy Leary, o papa do LSD, e Alan Watts, o grande sacerdote do zen-budismo nos Estados Unidos. Leary misturou um pouco de política ao ambiente religioso. Foi candidato ao cargo de governador da Califórnia e afirmou que o caminho para o Reino de Deus passava pela reforma deste mundo. Watts apareceu vestido com sua longa túnica de sacerdote zen e fez sua entrada ao som de fanfarras dissonantes.

Depois dele, apareceu um guru desconhecido que se anunciou como um novo Messias, afirmou que chegara à Terra a bordo de um disco voador e convidou a platéia a abandonar seus corpos para acompanhá-lo numa “viagem astral”.

A essa altura, porém, já estava todo mundo viajando. “A verdadeira religião é a música”, disse, então, um citarista do Ali Akbar College of Music,que tocou alguns ragas que Ravi Shankar tornou famosos no Ocidente e cantou passagens assustadoras do Livro Tibetano dos Mortos.

O misticismo religioso foi, sem dúvida, o lado extremo da contracultura hippie — como sempre o foi, de resto, de todos os irracionalismos. O que o caracterizou, foi a mistura delirante de todos os êxtases: Tibete, índia, parapsicologia, zen-budismo, realismo mágico, discos voadores, astrologia, bolas de cristal, macumba (vodu, para eles), iluminações psicodélicas e espiritismo puro e simples estavam, todos, misturados no mesmo saco místico da contracultura. A revista Newsweek publicou uma reportagem sobre o vigoroso crescimento das chamadas “ciências ocultas” nos Estados Unidos. A contrapartida da violência política que varria o país foi a mágica religiosa. A onda se espalhou e alagou todos os países ocidentais.

John Lennon e Yoko Ono, por exemplo, pretenderam com seu Festival de Toronto, Canadá, assegurar a paz mundial através das “boas vibrações” de um milhão de hippies que pretendiam reunir lá. A viagem do LSD, diziam alguns psiquiatras, pode ser qualificada como uma “esquizofrenia experimental”; o próprio estilo de vida dos hippies tinha os traços de uma esquizofrenia sintética, pré-fabricada; e, finalmente, o lado extremo do novo misticismo parecia roçar a fronteira do patológico.

Mas as coisas vêm acontecendo assim desde os beats na década de 50. Quando perguntaram a Jack Kerouac o que procurava a sua geração, ele respondeu:

— Deus. Nós queremos que Deus nos mostre a Sua Face.

 

Luis Carlos Maciel (1938-2017), filósofo, escritor, jornalista e roteirista brasileiro em Anos 60

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