1969
– Religião
Foi
realizado em São Francisco, Califórnia, um Holy Man Jam, ou seja, uma espécie
de festival das principais tendências religiosas da comunidade hippie
americana. Num salão de baile alugado, reuniram-se cerca de 2 mil pessoas para
ouvir seus gurus prediletos e cantar músicas místicas ao som das guitarras elétricas.
Naturalmente, estava todo mundo muito doido, com muito fumo e muito ácido sendo
distribuído no enorme salão. No palco, apareceram, entre outros, Thimothy
Leary, o papa do LSD, e Alan Watts, o grande sacerdote do zen-budismo nos
Estados Unidos. Leary misturou um pouco de política ao ambiente religioso. Foi candidato
ao cargo de governador da Califórnia e afirmou que o caminho para o Reino de
Deus passava pela reforma deste mundo. Watts apareceu vestido com sua longa
túnica de sacerdote zen e fez sua entrada ao som de fanfarras dissonantes.
Depois
dele, apareceu um guru desconhecido que se anunciou como um novo Messias,
afirmou que chegara à Terra a bordo de um disco voador e convidou a platéia a
abandonar seus corpos para acompanhá-lo numa “viagem astral”.
A
essa altura, porém, já estava todo mundo viajando. “A verdadeira religião é a
música”, disse, então, um citarista do Ali Akbar College of Music,que tocou
alguns ragas que Ravi Shankar tornou famosos no Ocidente e cantou
passagens assustadoras do Livro Tibetano dos Mortos.
O
misticismo religioso foi, sem dúvida, o lado extremo da contracultura hippie —
como sempre o foi, de resto, de todos os irracionalismos. O que o caracterizou,
foi a mistura delirante de todos os êxtases: Tibete, índia, parapsicologia,
zen-budismo, realismo mágico, discos voadores, astrologia, bolas de cristal,
macumba (vodu, para eles), iluminações psicodélicas e espiritismo puro e
simples estavam, todos, misturados no mesmo saco místico da contracultura. A
revista Newsweek publicou uma reportagem sobre o vigoroso crescimento das
chamadas “ciências ocultas” nos Estados Unidos. A contrapartida da violência
política que varria o país foi a mágica religiosa. A onda se espalhou e alagou
todos os países ocidentais.
John
Lennon e Yoko Ono, por exemplo, pretenderam com seu Festival de Toronto,
Canadá, assegurar a paz mundial através das “boas vibrações” de um milhão de
hippies que pretendiam reunir lá. A viagem do LSD, diziam alguns psiquiatras,
pode ser qualificada como uma “esquizofrenia experimental”; o próprio estilo de
vida dos hippies tinha os traços de uma esquizofrenia sintética, pré-fabricada;
e, finalmente, o lado extremo do novo misticismo parecia roçar a fronteira do
patológico.
Mas
as coisas vêm acontecendo assim desde os beats na década de 50. Quando
perguntaram a Jack Kerouac o que procurava a sua geração, ele respondeu:
—
Deus. Nós queremos que Deus nos mostre a Sua Face.
Luis Carlos Maciel (1938-2017), filósofo, escritor, jornalista e roteirista brasileiro em Anos 60
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