“Deste
retrato podemos tirar importantes lições filosóficas que são de relevância e
valor para nós, que, apesar de tantos séculos de evolução cultural e apesar de inúmeros
avanços na ciência e tecnologia, permanecemos em grande parte tão
intelectualmente densos e moralmente corruptos quanto as criaturas ‘menos que
humanas’ entre as quais Diógenes viveu, e para quem ele reservou alguns de seus
comentários mais cáusticos e devastadores. Nem no reino das ideias, nem no
tecido moral da sociedade, nem em assuntos nacionais ou internacionais, nem, de
fato, em qualquer área da existência humana, fizemos qualquer progresso além do
mundo em que ele viveu. Podemos até dizer que a estagnação cultural e moral é a
maneira correta de descrever o curso da história humana desde a época em que,
carregando uma lâmpada acesa em plena luz do dia, ele andou de costas pelas
ruas de Atenas em busca de um verdadeiro ser humano.”
“Assim,
fora de si mesmo, o desejo de Diógenes era empreender a demolição do mundo com
relação às suas leis, costumes, tradições e normas morais, porque ele também,
como Schopenhauer (filósofo alemão do século XIX), deve ter chegado em um ponto
ou outro à conclusão inquietante de que ‘o mundo está falido em todos os lados
e que a vida é um negócio que não cobre seus custos’. Se Diógenes tivesse
conhecimento da avaliação pessimista de Schopenhauer sobre o mundo, ele não
teria discordado. Ele poderia ter abraçado a conclusão de Schopenhauer, de que
mesmo que o mal do mundo fosse cem vezes menor do que é, sua própria existência
seria suficiente para convencer qualquer pessoa de mente aberta de que sua
inexistência seria preferível à sua existência, pois é, sem dúvida, ‘algo que
no fundo não deveria ser’. Aqueles que acham o mundo algo digno de louvor ou
que se felicitam por terem nascido nele são intelectualmente cegos ou
moralmente perversos. O pessimismo de Diógenes e o de Schopenhauer derivam, no
entanto, de diferentes raízes filosóficas e revelam duas orientações
ideológicas diferentes, embora, em suas manifestações externas, fossem
igualmente intensas e cáusticas.”
“Nem
convenções, nem tradições, nem crenças religiosas, nem normas socialmente
sancionadas tinham qualquer valor para os sofistas, nem, podemos acrescentar,
para Sócrates. Com eles, surgiu a necessidade de fazer uma distinção nítida
entre o nomos - o domínio
transitório e mutável dos costumes humanos - e o logos — a racionalidade que distingue ou deveria distinguir
os seres humanos de todas as outras criaturas terrestres. Essa distinção, já
reconhecida por alguns dos pré-socráticos como (o filósofo) Heráclito, compeliu
os sofistas a questionar a santidade e a infalibilidade tanto das leis
positivas promulgadas pelos governos, seja em tiranias ou em democracias,
quanto das convenções pelas quais as pessoas se guiam. Normas e valores sociais
— nomisma (moeda de ouro grega) que o oráculo de Delfos ordenou que Diógenes
desfigurasse — eram, do ponto de vista dos sofistas, apenas invenções
convenientes fabricadas pelas classes dominantes para manter as pessoas sob
sujeição. Elas não eram nada além de regras artificiais convertidas pela
inércia da falta de pensamento humano em princípios naturais imutáveis, como
aprendemos com os fragmentos de Crítias. Para ele, até mesmo a crença em deuses
se enquadra nessa categoria. As leis humanas, portanto, tinham pouco valor para
os sofistas, e a obediência cega a tais leis revelava, segundo eles, o estado
de sonolência e inconsciência que caracteriza, como (o filósofo) Herátomo e os
cínicos insistiam, a maioria das pessoas. O ponto para eles era, então, ser
despertado desse sono e recuperar a posse da própria mente individual como a
única fonte de seus valores — uma ideia socialmente perigosa, sem dúvida, e um
prelúdio político ao anarquismo, como o Sócrates platônico sugere no (diálogo
de Platão) Críton. Em última análise, é a única solução disponível para
qualquer um que tenha contemplado, mesmo por um momento, como Diógenes poderia
ter dito, a insanidade do mundo humano. Assim, os sofistas eram rebeldes
filosóficos que reconheciam a vacuidade de seu mundo e que propunham soluções,
talvez extravagantes, levando a uma postura de individualismo hedonista, ou,
como com (o filósofo) Trasímaco, a uma rejeição de todos os valores morais, ou
simplesmente a uma retirada do mundo social e político, que foi precisamente a
influência que eventualmente afetou (o filósofo) Pirro e os céticos, e, através
de Antístenes, também Diógenes.”
Luis E. Navia, filósofo e professor estadunidense em Diogenes the Cynic: The war against the world (Diógenes o Cínico: a guerra contra o mundo)