"Toda uma infinidade transcorreu quando ainda não existíamos: mas isso não nos aflige de modo algum. Ao contrário, achamos difícil e até insuportável que o incidente momentâneo de uma existência efêmera deva ser seguido por uma segunda eternidade, na qual já não existiremos." - Arthur Schopenhauer - Sobre a morte
Em
plena pandemia do coronavírus fala-se pouco da questão ambiental. O aumento de
casos da doença, as medidas profiláticas, os possíveis tratamentos, ocupam
quase que 80% do tempo dos telejornais. A mídia impressa dá mais destaque aos
aspectos políticos da crise; a rivalidade entre os Estados Unidos e a China, os
bastidores da Organização Mundial de Saúde (OMS) as intrigas palacianas em
Brasília...
No
entanto, é sabido que o surgimento do covid-19, o coronavírus, está ligado às
questões ambientais, assim como outras epidemias viróticas que surgiram ao
longo dos últimos trinta anos. Simplificando bastante a questão, podemos dizer
que novas cepas viróticas ou bacteriológicas aparecem em condições nas quais
convivem muitas espécies. Na Ásia, onde este é o caso em muitas localidades,
coexistem animais selvagens e domésticos junto com humanos; seja na forma de
criação ou no abate e venda das carnes.
Neste
ambiente, geralmente pouco higiênico, ocorre acontecer – apensar de ser um
evento muito raro – de um vírus de uma espécie selvagem se adaptar ao organismo
de um animal doméstico e, posteriormente, ao do homem. O vírus não provoca mal
nenhum ao seu hospedeiro selvagem e usualmente também não ao animal doméstico.
No entanto, quando “salta” para a espécie humana, o vírus pode provocar um
grande estrago. É o caso do covid-19, da SARS (surgida em 2002) e do Mers
(síndrome respiratória do Oriente Médio, surgida em 2012).
As
epidemias de doenças vem acompanhando a humanidade há milhares de anos. Os
registros mais acurados cobrem os últimos 2 mil anos. Cientistas estimam que ao
longo dos últimos 1.500 anos morreram pelo menos 3 bilhões de pessoas por
doenças originadas por vírus ou bactérias. Uma das primeiras pandemias registradas
foi a praga de Justiniano, nome do imperador romano da época. Vinda da África,
a doença provocada por uma bactéria que vivia na pulga dos ratos, atravessou o
Oriente Médio e chegou à Europa, matando cerca de 30 milhões de pessoas. A
Peste Negra, que durou de 1346 a 1353, teve origem na Criméia e provavelmente
foi disseminada pelos navios mercantes italianos. Da Europa a pandemia se espalhou
para o Oriente Médio e a África. Segundo historiadores, cerca de 65 milhões de
pessoas faleceram em razão da doença. Quase um terço da população europeia foi
dizimada.
Na
Idade Média europeia, devido à falta de saneamento nas cidades, eram comuns os
surtos de hepatite, disenteria amebiana, cólera, leptospirose e febre tifoide,
que ceifavam dezenas de milhares de vidas anualmente, principalmente entre as
crianças. A partir do século XVI ocorrem diversas pandemias em todo o mundo, cuja
dispersão era facilitada com a melhoria das condições de navegação. Com isso,
sarampo e resfriados comuns mataram milhões de indígenas nas Américas. Ao mesmo
tempo o tifo e o cólera continuavam a se manifestar periodicamente nas grandes
cidades europeias. Para os interessados no tema, há uma lista bastante completa
das principais epidemias que assolaram o mundo em (https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_epidemias).
As
epidemias e pandemias nunca ocorrem por acaso. Não são “castigo de Deus” nem
“vingança da natureza”. Estes fenômenos fatídicos para a humanidade (e
propícios para certas bactérias e vírus) ocorrem quando o equilíbrio de um
ambiente natural é perturbado, através, por exemplo, da derrubada da vegetação
original, do aterramento de pântanos, da poluição de cursos d ‘água. Cabe
assinalar que cientistas de diversas áreas estranham o fato, de que apesar do
desmatamento e o avanço de atividades predatórias sobre a floresta amazônica,
ainda não tenham sido descobertos novos vírus ou bactérias letais na região,
como o ebola e o HIV, na África, e o vírus Nipah, transmitido por morcegos, no
Sudeste asiático.
Outra
forma de surgimento de pandemias é quando espécies completamente diferentes e
oriundas dos ecossistemas mais diversos são restritas ao mesmo ambiente
limitado. Em muitas regiões do mundo – não só na Ásia – convivem animais de
criação com espécies selvagens, geralmente aves. Nestas condições também há
ambiente propício para que cepas de vírus sofram mutações e nesse processo possam
“saltar” de uma espécie para outra, até chegar a nós, como o coronavírus.
Uma
das principais lições a serem aprendidas com a pandemia – é provável que
passemos por outras ao longo das próximas décadas – é que precisamos limitar ao
máximo nossas intervenções em ambientes naturais. As terras agricultáveis
atualmente disponíveis, são suficientes para que a humanidade possa se
alimentar, desde que haja uma distribuição equânime dos produtos agrícolas. Nos
poucos países onde as áreas férteis não são suficientes para produzir colheitas
abundantes, será necessário implantar programas de recuperação dos solos.
Também
não será recomendável, mesmo atendendo costumes e práticas culturais milenares,
alimentar-se de espécies selvagens. Exceção deverá ser feita às populações e
culturas que ainda vivem no ambiente natural, como os povos originais das
Américas, África, Ásia e Oceania. Outro aspecto bastante importante, será criar
melhores condições de moradia e saneamento para as populações pobres de todos os
continentes, cuja grande maioria ainda se ressente de suprimento de água potável
de qualidade, esgotamento sanitário e condições de moradia decentes.
Assim
vemos que há muito que aprender com a pandemia do coronavírus. Não será esperar
demais de um pequeno vírus, formado por material genético envolto em proteínas,
sobre o qual ainda não podemos dizer se é algo vivo ou não?
(Imagens: pinturas de William Coldstream)
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