"Devemos observar nesse ponto de que a física moderna é de certa maneira extremamente próxima das doutrinas de Heráclito. Se substituirmos a palavra 'fogo' pela palavra 'energia' podemos quase repetir suas afirmações, palavra por palavra, de nosso ponto de vista moderno." - Werner Heisenberg - Física e Filosofia
“O esgotamento irreversível dos recursos
naturais finitos deixará as gerações futuras sem possibilidade de utilizá-los.
Os recursos naturais são usados no processo de produção — petróleo, gás e
carvão como combustível; água na indústria e na agricultura; árvores para
madeira e papel; uma variedade de depósitos minerais, como minério de ferro,
cobre e bauxita em processo de fabricação; e assim por diante. Os combustíveis
fósseis líquidos formam a base dos sistemas de transporte do mundo –
automóveis, ônibus, trens, caminhões, navios e aviões. Alguns recursos, como
florestas e pesca, são de tamanho finito, mas podem ser renovados por processos
naturais se usados em um sistema planejado que seja flexível o suficiente para
mudar conforme as condições o justifiquem. O uso futuro de outros recursos –
petróleo e gás, minerais e aquíferos em algumas áreas desérticas ou secas (água
depositada pré-historicamente) – serão limitados para sempre ao suprimento que
existe atualmente. A água, o ar e o solo da biosfera podem continuar a
funcionar bem para as criaturas vivas do planeta, somente se a poluição não
exceder sua capacidade limitada de ser assimilada e tornar os poluentes
inofensivos.” (W.William Kapp citado por Madoff & Bellamy Foster, pág
67).
O
universo em que vivemos, onde de diversas maneiras atuamos durante toda nossa
vida, o cosmos no qual a vida se desenvolveu e que segundo a ciência teve
início há cerca de 13,7 bilhões de anos, tem um comportamento previsível, quase
determinista? É o que parece, a considerarmos as descobertas feitas pela ciência pelo menos até o nível atômico - o misterioso mundo quântico ainda é uma incógnita. A maior parte dos fenômenos
naturais, seja no nível físico, químico e biológico, é em grande parte
previsível e explicável – ou o será, a continuar o avanço das descobertas e
teorias.
Essa
é a mais efetiva maneira de conhecer e manipular a natureza; através da
atividade humana chamada de ciência. À medida que as descobertas e as
explicações aumentam e se tornam mais refinadas, aparecem também incertezas em relação aos conhecimentos passados, apontados por fatos que antes nem suspeitávamos existirem. Na
biologia, nas interações entre as diversas espécies e ecossistemas, ainda há
muitas lacunas de conhecimento que aparecem à medida que as pesquisas se aprofundam. Descobertas recentes, feitas pelo potente
observatório astronômico James Webb, lançado ao espaço em 2022, estão colocando
em cheque a teoria sobre a formação das primeiras galáxias, por exemplo. Na
física de partículas, na teoria quântica, o desconhecimento e as dúvidas ainda
são grandes em diversos aspectos, apesar da crescente consolidação da teoria,
através de novas descobertas.
No
entanto, na fase de desenvolvimento científico e técnico no qual a humanidade
se encontra, já temos um considerável conhecimento do nosso mundo e de seu
funcionamento. Sabemos que não existem intervenções mágicas ou sobrenaturais de
seres estranhos ou invisíveis (os microrganismos, apesar de invisíveis, são
parte do mundo natural). Os acontecimentos de todos os tipos com os quais nos
deparamos no dia a dia em nossas diversas atividades, são explicáveis e
devem-se à atuação de leis da natureza já conhecidas e dominadas. Assim não há
mais espanto com relação à transmissão de imagens e voz a longas distâncias,
cirurgias delicadas feitas por robôs, acionamento de teclados de computadores
pelos impulsos elétricos da atividade cerebral, por exemplo. Muito menos
surpresa ainda com o funcionamento de motores elétricos, os voos de aviões
supersônicos, reatores nucleares gerando calor e eletricidade e placas de
silício fornecendo eletricidade a partir de luz solar; tecnologias ainda mais
comuns e difundidas.
A
previsibilidade do mundo natural também fundamenta grande parte das atividades baseadas
na cultura. Diferente dos outros animais, nós, os homo sapiens, criamos uma linguagem, inventamos ferramentas,
construímos abrigos, produzimos nosso alimento através da agricultura, elaboramos
leis e organizamos estados. Interferimos no mundo natural e humano de diversas
maneiras, de modo a assegurarmos uma vida mais segura e confortável;
desenvolvemos uma cultura material (ferramentas, tecnologias) e imaterial
(leis, religiões, ciências, costumes, arte), para podermos sobreviver em um universo
hostil ou, no mínimo, indiferente às nossas necessidades. O filósofo inglês Francis
Bacon (1561-1626), um dos criadores do método científico, escrevia que “A verdadeira e legítima meta das ciências é
a de dotar a vida humana de novos inventos e recursos.”.
Respondendo
à pergunta inicial, consideramos que de modo geral o universo e seu
funcionamento é previsível, já que é baseado neste fato que as teorias
científicas e a tecnologia que desenvolvemos funcionam. Alguns cientistas e
filósofos chegam a afirmar que o universo é determinista e que apenas alguns de
seus aspectos se comportam de maneira aleatória. Esta é uma antiga discussão
dentro da filosofia, que remonta aos tempos de Demócrito (460 AEC – 370 AEC) e
Epicuro (341 AEC – 271 AEC).
Nestas
condições a humanidade, dado seu desenvolvimento científico e tecnológico,
detêm cada vez mais conhecimentos para evitar ou diminuir o efeito de situações
adversas ou melhorar as existentes. Na prática, com base em saberes e
experiências adquiridas (que também se transformaram em conhecimento), especialistas
e empresas de diversos setores criam equipamentos e produtos cada vez
mais eficientes e eficazes, além de seguros e baratos. Da mesma forma aumentam os conhecimentos
no campo da medicina e, cada vez mais, doenças e outros males podem ser
evitados e combatidos de maneira mais efetiva. Isso para não falar em várias
outras áreas, onde o avanço técnico-científico é constante, porém por vezes com
efeitos colaterais – as externalidades – indesejáveis.
Cabe
notar, no entanto, que no desenvolvimento de “novos inventos e recursos”, como
os citados por Bacon, terão prioridade aqueles que propiciarem um retorno
econômico para os agentes que estão investindo recursos no avanço desta ciência
ou tecnologia. A pesquisa científica exige atualmente o aporte de grandes
volumes de capitais, somente disponíveis a alguns governos e grandes grupos
econômicos. Assim, por exemplo, o aperfeiçoamento de um medicamento para curar
uma moléstia da qual são vítimas centenas de milhares de pessoas em países
pobres, não terá a atenção e prioridade de um fármaco destinado a acelerar o
processo de emagrecimento de indivíduos em países ricos. O que geralmente tem o
maior peso na pesquisa e no desenvolvimento de uma tecnologia é o seu benefício
econômico. É o caso das vacinas contra doenças tipicamente tropicais, que anualmente
vitimam milhares de pessoas no hemisfério Sul do planeta, e para a cura das
quais os grandes laboratórios do hemisfério Norte têm pouco interesse em alocar
fundos para a pesquisa.
O
quadro é o mesmo em várias outras situações, para as quais a ciência há muito
desenvolveu tecnologias agora largamente disponíveis, mas que por razões
econômicas não são aplicadas. Basta falarmos da construção de estações de
tratamento de água e esgoto em regiões onde as populações ainda precisam
conviver com esgoto a céu aberto e água contaminada. A implantação de projetos
de coleta, reciclagem e disposição de resíduos urbanos, cuja falta ainda causa
tantas doenças evitáveis e contaminação dos solos. A implantação de políticas
de redução ou eliminação de defensivos agrícolas altamente tóxicos
(agrotóxicos), mesmo contando com a oposição de amplos segmentos do agronegócio
brasileiro, que lucram com a poluição dos recursos naturais. Somente nestas áreas
que citamos, diretamente ligadas à proteção do meio ambiente, o bom uso dos
conhecimentos científicos e de modernas tecnologias – amplamente disponíveis –
poderia evitar destruição e mortes desnecessárias.
Referências:
Bacon,
Francis. Aforismos sobre a interpretação da natureza e o reino do homem.
Editora Nova Cultural Ltda. São Paulo: 2000 254 p.
Magdoff,
Fred. Bellamy Foster, John. What every environmentalist needs to know about
Capitalism. New York. Mothly Review Press: 2011, 187 pgs.
(Imagens: colagens de Tristan Tzara)
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