"Mas a matemática não é uma ciência natural. Ela em si, sem observação, não pode nos dizer nada sobre o mundo. E os teoremas matemáticos não podem ser verificados nem refutados pela observação do mundo." - Steven Weinberg - Para explicar o mundo - Descoberta da ciência moderna
“‘Nós,
civilizações, sabemos agora que somos mortais.’ Sendo nosso mal a história, o
eclipse da história, devemos insistir nas palavras de Valéry, agravar seu
alcance: sabemos agora que a civilização é mortal, que galopamos em direção a
horizontes de apoplexia, a milagres do pior, à idade de ouro do pânico.”
E. M. Cioran, Silogismos da amargura
"O tema da insensatez coletiva da
humanidade não é novo, e você poderá questionar se existe algo a ser
acrescentado à grande pesquisa que o poeta escocês Mackay publicou em 1852,
intitulada Extraordinary Popular
Delusions and the Madness of Crouds (Ilusões Populares Extraordinária e a
Loucura das Massas). O estudo de Mackay sobre profecias, superstições, caça
às bruxas e cruzadas é um lembrete sombrio de que todas as coisas que ele
sarcasticamente descreve continuaram a ocorrer, desde que seu livro foi publicado,
com a mesma frequência e com efeitos piores. Mackay achava que a humanidade
tinha finalmente entrado num período de conhecimento científico, em que as
multidões se permitiriam ser corrigidas pelos especialistas que, no passado,
elas haviam preferido queimar nas fogueiras. Nada poderia estar mais longe da
verdade. Os grandes movimentos de massa do comunismo, do nazismo e do fascismo,
em que falsas esperanças acabaram se transformando em exércitos em marcha,
ainda não haviam aparecido na linha do horizonte."
Roger Scruton, As vantagens do pessimismo e o perigo da falsa esperança
"Schopenhauer tem uma visão muito
pragmática e restritiva do papel do Estado; ele não pode extirpar todos os
males humanos. Para o teórico da vontade cega, a vida social e política do
homem não é um caminho em direção à perfeição moral, mas um ardil para vigiar o
'animal feroz' que é o homem."
José Thomaz Brum, O pessimismo e suas vontades - Schopenhauer
e Nietzsche
A
pergunta se tornou novamente atual: “Ainda é possível ser otimista?” Nos
últimos anos e, mais recentemente, nos últimos meses, parece que se tornou cada
vez mais difícil não ser pessimista em relação ao futuro – pelo menos no curto
e médio prazo. Atualmente, a população da maior parte dos países está mais
propensa a afirmar que o “copo está meio vazio, ao invés de meio cheio”.
Acontecimentos locais e mundiais ocorridos nos últimos anos indicam que, em
diversos aspectos, o mundo está se tornando um lugar mais desagradável para se
viver, comparado às últimas décadas do século XX.
Num
curto espaço de tempo menor do que uma vida humana ocorreram eventos que tiveram,
e ainda têm, um impacto negativo na história humana e na vida individual da
maior parte das pessoas. Há quinze anos, o mundo entrou numa crise financeira, chamada
de “a crise dos subprimes”, os
chamados “créditos podres”, originada no mercado financeiro dos Estados Unidos,
que provocou grandes danos em todo o complexo financeiro mundial e às economias
de todos os países. Quebra de empresas, desemprego em massa, queda do consumo,
dos investimentos e do comércio internacional; fatores que causaram a diminuição
da atividade econômica em todos os países. (https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2021/10/10/crise-financeira-colapso-que-ameacou-o-capitalismo.htm).
Mal
o mundo havia se recuperado da crise de 2008 – até hoje alguns países não
recuperaram suas economias – e surgiu a pandemia (ou sindemia) da Covid-19. O
que parecia ser apenas um foco de uma nova gripe (influenza), localizado em Wuhan, região altamente industrializada
no interior da China, em poucos dias se alastrou para a Europa, Estados Unidos
e também para o restante do planeta. A gravidade da doença lotou as UTIs de
todos os hospitais, colocando o sistema de saúde da maioria dos países em
estado de alerta máximo, sem capacidade de atender todos doentes. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima
que a sindemia causou cerca de 14,9 milhões de mortes oficialmente registradas em
todo o mundo, com cerca de 800 milhões de pessoas contaminadas. No Brasil, em
parte graças à má vontade e desorganização do governo, principalmente dos executivos
do Ministério da Saúde, morreram cerca de 700 mil pessoas, segundo os dados
oficiais, mas estima-se que o número efetivo de óbitos seja maior. (https://www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19).
A
sindemia se estendeu de março de 2020 a maio de 2023, quando a OMS declarou oficialmente
encerrada o estado de emergência global. Na prática, até que a situação começasse
a ser normalizada com a chegada das vacinas, foram cerca de quinze meses. O impacto
da Covid na economia global foi ainda maior do que a crise dos subprimes: durante várias semanas
fábricas, lojas, escritórios, mercados, aeroportos e estradas, ficaram
praticamente vazios, dado que muitos países e municípios decretaram o lockdown; o bloqueio total das
atividades e da circulação de pessoas. Mais uma vez a atividade econômica foi
duramente afetada, provocando o posterior fechamento de milhões de empresas e
negócios, causando centenas de milhões de demissões mundo afora, com todas as
suas consequências. (https://www.worldbank.org/pt/publication/wdr2022/brief/chapter-1-introduction-the-economic-impacts-of-the-covid-19-crisis).
Não
vamos nos alongar demais em assuntos que, tendo ocorrido recentemente, são do
conhecimento de todos. No entanto, para atualizar esta lista de acontecimentos
históricos do século XXI (o século mal começou e ainda podem ocorrer muitas
coisas) cabe ainda mencionar a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de
fevereiro de 2022, e o ataque do grupo Hamas a Israel, ocorrido em sete de
outubro de 2023.
Todos
estes fatos estão mostrando um novo quadro da economia e política mundial, que
começa a se delinear. Muito do que ocorre e poderá ocorrer, no entanto, já
estava germinando nos anos anteriores a estes eventos. Se antes de 2008 o
capitalismo mundial já vinha mostrando sinais de exaustão, os acontecimentos
que se seguiram só fizeram precipitar a situação. Alguns aspectos do quadro
mostram que:
- Acentuou-se
ainda mais uma tendência que já vinha caracterizando o capitalismo em sua fase
financeira desde os anos 1980: a diminuição da remuneração do capital (lucros);
a redução de empregos no setor produtivo das economias ocidentais (o que melhor remunera); e a
diminuição da média dos salários e da proteção do trabalhador;
- A ascensão
da China, com sua pujante economia, ultrapassando as de todos os outros países e
começando a ameaçar a posição de liderança dos Estados Unidos. Nos últimos
meses, todavia, a atividade econômica na China vem mostrando uma tendência de
crescimento menor do que em anos anteriores;
- A crise
da economia americana, que apesar da recuperação, não consegue reduzir os
índices de pobreza (40 milhões de pessoas são pobres) e recuperar a média
salarial das décadas passadas (o salário do trabalhador americano vem caindo gradualmente
desde os anos 1980);
- Na
Europa, principalmente o motor da economia europeia, a Alemanha, começa a
enfrentar uma crise econômica mais prolongada, acentuada por uma crise energética
provocada pela suspensão do fornecimento do gás russo;
- Começa
a formação de um mundo multipolar, depois de um mundo bipolar (USA e URSS) durante
a Guerra Fria, e um mundo monopolar (USA) depois da Queda do Muro de Berlim. O
reaparecimento do protagonismo da Rússia na cena estratégica mundial e o
fortalecimento da posição da China são indícios da formação deste novo mundo
multipolar. Os BRICs, antes integrados por Brasil, Rússia, China e África do
Sul, receberam novos membros em setembro de 2023: Arábia Saudita, Argentina,
Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã. Além disso, outros 40 países também
mostraram interesse em integrar o grupo;
- O
recente embate entre o grupo Hamas representando o povo palestino e o estado de
Israel, pode acelerar a formação de um mundo multipolar. Na estratégia
internacional Israel representa o poderio norte-americano na região, e por isso
está recebendo maciço apoio dos Estados Unidos. No entanto, a forma como Israel
está conduzindo o combate na faixa de Gaza, atacando hospitais, ambulâncias e
civis indefesos, está levantando protestos em todo o mundo, inclusive no
próprio país. Por extensão, estes protestos também se dirigem contra o governo
dos Estados Unidos e os países europeus que também o apoiam. Alguns analistas avaliam
que a situação fortalece a união do que chamam de “Sul Global”, em oposição ao
domínio estadunidense;
- Além
da presente crise do sistema capitalista, que com altos e baixos se arrasta há
mais de vinte anos (e também por causa dela), ocorrem conflitos armados, como
na Ucrânia, na Palestina, em Ruanda, Etiópia, Iémen, Burkina Faso, Somália,
Sudão, Mianmar, Nigéria; e outros diplomáticos, espalhados por várias regiões
do planeta, podendo evoluir eventualmente para guerras. (https://www.bbc.com/portuguese/articles/c192m733912o);
- Outra
ameaça ao planeta são as mudanças climáticas, que ocorrem em um ritmo cada vez
mais rápido. Calor intenso, secas, chuvas e ventos fortes no Brasil, inverno
rigoroso que chega antecipadamente na China, secas na Índia, etc., etc. Os
fenômenos tornam-se cada vez mais intensos e frequentes, além das expectativas
da maior parte dos cientistas. Não vamos aqui elencar, mais uma vez, a
infinidade de consequências da crise climática para a humanidade. Os primeiros
indícios são noticiados, quase diariamente, na mídia. Todavia, continuamos
sistematicamente destruindo os recursos naturais do planeta.
Pesquisa
realizada pelo Instituto Gallup publicada em 2019 e realizada em 2018 –
portanto ainda antes dos acontecimentos mencionados acima – informa que o mundo
está “mais triste e cheio de raiva”. (https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2019/05/o-mundo-esta-mais-triste-e-cheio-de-raiva-afirma-pesquisa.html).
Quem num mundo como o atual pode ser otimista? No entanto, tudo pode mudar. Às
vezes as mudanças são rápidas, mas no momento é esse o quadro visto pela
maioria das pessoas. O filósofo Terry Engleton escreve que “Assim como seu parente próximo, o pessimismo, o otimismo é
mais um sistema de racionalização do que uma lente confiável através da qual
mirar a realidade, refletindo uma postura do temperamento em vez de verdadeiro
discernimento.”
Tudo
é uma questão de perspectiva, dizem alguns. Basta olhar os fatos sob outra
ótica ou perspectiva mais ampla, para que o horizonte se torne mais claro. Pode
até ser, dependendo da questão que se analisa. Autores prestigiados, como o jornalista
e escritor Matt Ridley e o psicólogo Steven Pinker, defendem uma visão otimista
da situação atual e do futuro da humanidade em seus livros. Ridley, em seu O otimista racional – como a prosperidade
evolui (2010), discute a tendência humana de trocar mercadorias e serviços e
de como isto trouxe a especialização de habilidades, o desenvolvimento da
civilização e o aumento da prosperidade (que em sua perspectiva só vai
aumentar). Pinker em O novo iluminismo
(2018) argumenta que os valores do Iluminismo do século XVIII, como a
racionalidade, a ciência e o humanismo, trouxeram prosperidade, saúde,
segurança, paz e felicidade. O livro é uma continuação de seu Os anjos bons da nossa natureza (2013),
no qual defende a ideia de que a violência nas sociedades humanas está
decrescendo ao longo dos séculos devido à incorporação destes valores.
Uma
visão diferente e menos otimista é defendida pelo filósofo e escritor John
Gray, autor de livros como Falso
Amanhecer – Os equívocos do capitalismo global (1998), Cachorros de palha (2002), A
busca pela imortalidade – A obsessão humana em ludibriar a morte (2011), O silêncio dos inocentes – sobre o progresso
e outros mitos modernos (2013) e A
alma da marionete – um breve ensaio sobre a liberdade humana (2015), entre
outros. Em suas obras Gray trata a crença na marcha ininterrupta do progresso
de uma maneira bastante cética. O aprimoramento da espécie humana escreve Gray,
acontece nas ciências, na tecnologia, nas instituições, mas não no ser humano.
Guardamos os mesmos instintos e impulsos de nossos antepassados de milhares de
anos atrás. Ideias parecidas são defendidas por Sigmund Freud, o fundador da
psicanálise, em seu livro O mal-estar na
civilização (1930):
“Essa
tendência à agressão, que podemos detectar em nós mesmos e presumir justamente
que está presente em outros, é o fator que perturba nossas relações com nosso
vizinho e que força a civilização a um gasto tão grande [de energia]. Em
consequência dessa hostilidade primitiva entre os seres humanos, a sociedade
civilizada está sob constante ameaça de desintegração. O interesse do trabalho
em comum não a manteria unida; as paixões instintivas são mais fortes que os
interesses razoáveis. A civilização precisa usar seus maiores esforços para
impor limites aos instintos agressivos do homem e manter suas manifestações sob
controle por meio da formação de reações psíquicas.” (Freud, apud Neil Ferguson)¹.
¹ Neil
Ferguson. Civilização Ocidente X Oriente. Editora Planeta. São Paulo: 2021, 432
p.
(Imagens: pinturas de Otto Mueller)
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