Leituras diárias

sexta-feira, 9 de agosto de 2024


 

“Quando Celso Furtado leu “Os limites do crescimento” ele não pôde deixar de salientar ainda outro ponto, a saber, que o relatório involuntariamente mostrava que o padrão de desenvolvimento e consumo dos países centrais do capitalismo não poderia ser generalizado para todo o mundo, o que mostrava como o progresso, para além de estar até agora organicamente vinculado à guerra, era, no fundo, um mito.

Nunca houve e nunca poderia haver progresso para todos: ou seja, o progresso que conhecemos não apenas dependeu da violência da exploração e da conquista. Ele se mostrou um mito inalcançável, para além de limites geográficos muito estritos. Por isso, a maneira mais consequente de se livrar desse mito começa por negar o progresso – não mais procurar fechar os olhos para sua matriz violenta, recuperar aquilo que ele destruiu. Não há progresso sem a noção de atraso, sem a noção de que haveria não apenas sociedades atrasadas, mas sujeitos fora do progresso, presos a modos de relação a si arcaicos e não livres.”


“Wolfgang Streeck um dia lembrou que o capitalismo havia de fato acabado. Só que há várias formas de algo acabar. Uma delas é perpetuando-se como mortos-vivos. As décadas de conjunção contínua entre baixo crescimento, endividamento crônico e explosão de desigualdade mostravam como estávamos diante de um sistema econômico que não era mais capaz de criar qualquer horizonte crível para as promessas de enriquecimento social que ele um dia sustentara. Por isso, a única forma de criar coesão social agora seria através da gestão social do medo e do aumento exponencial da violência estatal. Porque gerir níveis cada vez maiores de frustração e insatisfação social tornou-se o problema político central. E essas frustrações não estão ligadas à incapacidade de populações em lidar com a democracia e seu ‘desencantamento iluminista’, afastando-se do canto das sereias populistas. Elas são a expressão da consciência tácita da irrealidade das proposições normativas do capitalismo. Elas são apenas as reações efetivas a sua morte, à morte de suas promessas.”


 

Vladimir Safatle (1973-) filósofo e professor brasileiro em Alfabeto das Colisões

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