“Quando
Celso Furtado leu “Os limites do
crescimento” ele não pôde deixar de salientar ainda outro ponto, a saber,
que o relatório involuntariamente mostrava que o padrão de desenvolvimento e consumo
dos países centrais do capitalismo não poderia ser generalizado para todo o
mundo, o que mostrava como o progresso, para além de estar até agora
organicamente vinculado à guerra, era, no fundo, um mito.
Nunca
houve e nunca poderia haver progresso para todos: ou seja, o progresso que
conhecemos não apenas dependeu da violência da exploração e da conquista. Ele
se mostrou um mito inalcançável, para além de limites geográficos muito
estritos. Por isso, a maneira mais consequente de se livrar desse mito começa
por negar o progresso – não mais procurar fechar os olhos para sua matriz
violenta, recuperar aquilo que ele destruiu. Não há progresso sem a noção de
atraso, sem a noção de que haveria não apenas sociedades atrasadas, mas
sujeitos fora do progresso, presos a modos de relação a si arcaicos e não
livres.”
“Wolfgang
Streeck um dia lembrou que o capitalismo havia de fato acabado. Só que há
várias formas de algo acabar. Uma delas é perpetuando-se como mortos-vivos. As
décadas de conjunção contínua entre baixo crescimento, endividamento crônico e
explosão de desigualdade mostravam como estávamos diante de um sistema
econômico que não era mais capaz de criar qualquer horizonte crível para as
promessas de enriquecimento social que ele um dia sustentara. Por isso, a única
forma de criar coesão social agora seria através da gestão social do medo e do
aumento exponencial da violência estatal. Porque gerir níveis cada vez maiores
de frustração e insatisfação social tornou-se o problema político central. E
essas frustrações não estão ligadas à incapacidade de populações em lidar com a
democracia e seu ‘desencantamento iluminista’, afastando-se do canto das
sereias populistas. Elas são a expressão da consciência tácita da irrealidade
das proposições normativas do capitalismo. Elas são apenas as reações efetivas
a sua morte, à morte de suas promessas.”
Vladimir Safatle (1973-) filósofo e professor brasileiro em Alfabeto das Colisões
0 comments:
Postar um comentário