"Amarra-se o burro à vontade do dono." - R. Magalhães Júnior - Dicionário brasileiro de provérbios, locuções e ditos curiosos
Anti-intelectualismo
é um fenômeno sócio-cultural, que se caracteriza pela suspeição, hostilidade e, em
muitas casos, violência contra a cultura – as ciências, as artes, a educação e
a pesquisa – bem como em relação a seus cultores: os cientistas, artistas de
todos os tipos, professores e os intelectuais em geral.
O anti-intelectualismo
tem causas diversas, dependendo das sociedades onde se manifesta. Geralmente é
exteriorizado por manifestações de sentimentos de ressentimento contra
indivíduos ou grupos, que se sobressaem devido ao seu grau de instrução, sua
produção cultural/científica ou profissão vinculada ao conhecimento (professores,
reitores, pesquisadores, jornalistas, etc.).
Este
sentimento é elaborado com base em uma ideologia, cujos defensores e estimuladores têm objetivos
definidos. A intenção dos que incentivam tal tipo de comportamento anti-intelectualista
– eles mesmos, por vezes, intelectuais – é desvalorizar o conhecimento
acadêmico, científico e artístico. A cultura, transformada em um “não-valor”, passa
a ser desacreditada, sendo intencionalmente depreciada. Uma das maneiras de
fazer isso, é nivelar todos os saberes e atividades, tendo por base sua contribuição
imediata à economia do país. Nesta avaliação econômica obtusa e limitada, não
há porque investir recursos da sociedade em atividades artísticas e científicas,
já que não trazem benefícios econômicos imediatos.
Outro
objetivo do anti-intelectualismo – e este muito mais político do que econômico –
é dissimular situações de injustiça social, denunciadas exatamente pela
produção intelectual daqueles que se acusa de parasitas sociais, por exercerem
atividades ou funções que se quer fazer parecer como não produtivas. Além disso,
existe o fato de não se querer subsidiar atividades culturais que possam
despertar a “intranquilidade social e promover a desordem” (leia-se fazer
pensar).
A estratégia
anti-intelectualista de uma forma geral, é a de invalidar, falsear e desautorizar
o discurso daqueles que criticam a conjuntura, quando apontam situações de injustiça,
opressão ou ignorância. A tentativa de anular a crítica ocorre então através do
ataque às denúncias em si, procurando apontar sua imprecisão, ou desprestigiando
os críticos das mais diversas formas, chegando até a ataques ad hominem.
Tal
situação ocorre, por exemplo, quando um membro de um governo ridiculariza um
estudo elaborado por especialistas, apontando a necessidade de providências diferentes
às que vinham sendo adotadas por este governo. Critica-se a “linguagem obscura”,
os “elaborados raciocínios”, “as soluções impraticáveis”. Procura-se mostrar
para o público em geral, que as medidas sugeridas são por demais “acadêmicas”,
longe da “realidade prática”.
O
mesmo tipo de argumentação também é empregado por aqueles que querem contrapor àquilo
que chamam a “visão dos intelectuais” à “nossa visão pragmática”. Esta atitude
é extensiva a todos os que promovem e mantêm um posicionamento hostil em
relação a toda as atividades relacionadas ao conhecimento, à cultura. Para tais
grupos, o conhecimento útil é aquele que interessa aos seus próprios objetivos (ou
aos objetivos dos grupos cujos interesses defendem); sejam econômicos ou
políticos. Qualquer coisa além disso, é desvalorizado e execrado como algo
fantasioso; “poesia” e “filosofia”, como ordinariamente se diz.
Fica
implícito, também, no que expusemos, que o anti-intelectualismo comporta boa
dose de autoritarismo. Está subjacente, que posições anti-intelectuais, desvalorizando
recentes e mais elaboradas concepções na ciência, na arte e no conhecimento em
geral, denotam uma resistência às mudanças, ao questionamento, ao debate. Fecham-se
em suas convicções, satisfazendo-se com o que sabem (e não sabem). “Não me
venham com novas ideias!”
Não
é por acaso que o anti-intelectualismo é aberta ou veladamente promovido por governos e
políticos autoritários (ou "iliberais" como diz a nova terminologia), grupos sociais conservadores, credos religiosos dogmáticos,
agremiações culturais tradicionalistas e toda gama de movimentos incapazes de
se adaptarem a um contexto cultural e social igualitário e em constante mutação.
Nos
Estados Unidos, apesar de sua tradição de valorizar a cultura e a ciência com
grandes investimentos e prestígio público, é habitual uma certa ironia em
relação à assim chamada “alta cultura”, dos intelectuais e dos professores –
principalmente na cultura de massa. Em alguns países da Europa, o
anti-intelectualismo também está presente, notadamente nos mais conservadores,
religiosos e nacionalistas, como a Polônia, a Hungria e a Ucrânia, entre outros.
Na Alemanha de Hitler o anti-intelectualismo, principalmente aquele voltado
contra os eruditos judeus, foi muito acentuado, com perseguições, fechamento de
editoras e queima de livros – além de muitos e muitos assassinatos.
No
Brasil, o anti-intelectualismo aumentou ao longo dos últimos dez anos, associado
ao crescimento do conservadorismo político, à revalorização do neoliberalismo
econômico e um gradual distanciamento de parte dos intelectuais das iniciativas
culturais populares. Não se pode deixar de mencionar também a contribuição do
baixo nível da educação pública, incentivos insuficientes à cultura e à
divulgação científica. Colaborou também o crescimento das igrejas pentecostais
e o desenvolvimento de uma cultura de massas mais individualista.
Criou-se
assim no Brasil o ambiente propício para que todos os tipos de ideólogos do
anti-intelectualismo, com os mais variados interesses, pudessem defender e
implantar suas teses. A profilaxia contra tal doença passa pela melhoria
efetiva do ensino, valorização da cultura e da ciência, e pela difusão do
debate, do questionamento e do espírito crítico em todas as áreas do
conhecimento.
(Imagens: gravuras de Francisco de Goya)
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