"Se a pobreza é a mãe dos crimes, a falta de espírito é o pai." - La Bruyère - Caracteres
Em
1988, durante o governo de José Sarney, o país passava por uma grande crise ambiental.
Recordes de desmatamento na Amazônia, colocavam o Brasil nas manchetes dos
principais jornais do mundo. A crise se tornou tão séria, que bancos oficiais
internacionais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco
Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), o Eximbank e a
Comunidade Econômica Europeia, haviam suspendido o financiamento de qualquer
projeto econômico. Entre outras medidas tomadas à época, Sarney convocou uma
equipe multidisciplinar de alto nível, formada por acadêmicos e cientistas, com
o objetivo de estudar a região e propor soluções para conciliar o
desenvolvimento econômico com a preservação dos recursos da região. O resultado
deste estudo foi o lançamento do Programa Nossa Natureza, um detalhado
diagnóstico ambiental do país, coordenado pelo general Bayma Dennys, chefe da
Casa Militar da Presidência da República. Outras iniciativas à época foram a
criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama)
e a inclusão dos levantamentos sobre desmatamentos feitos pelo Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) nos dados oficiais do governo.
Pouco
mais de trinta anos depois, durante o governo do presidente Jair Bolsonaro,
repete-se a situação. Crescem exponencialmente a derrubada da floresta e as queimadas
– dados do Inpe apontam um aumento de 34%, a maior área desmatada do século. Ao
mesmo tempo, um grupo de 30 fundos de investimento, com ativos chegando a U$ 4,1
trilhões (cerca de R$ 21,7 trilhões), representando investidores da Ásia,
Europa e Estados Unidos, dirige-se a diversas embaixadas brasileiras na Europa,
solicitando reuniões com os embaixadores brasileiros, a fim de discutir as
políticas ambientais do governo.
Segundo
representantes destes fundos, a atual política ambiental brasileira,
sintetizada na frase do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, como “passar a
boiada”, está colocando em risco o valor dos títulos públicos e privados
brasileiros. A perda do interesse de investidores internacionais nos títulos
brasileiros, significa menos investimentos nas empresas locais e,
consequentemente, menos empregos e menos riquezas para o Brasil. Em recente
entrevista para o jornal Valor, o embaixador da Alemanha no Brasil, Georg
Witschel, comentou que “muitos fundos internacionais e também empresas têm
interesse em explicar aos investidores e seus acionistas o que fazem fora da
Alemanha, se seus passos estão alinhados na luta contra a crise climática”.
Apesar
desta situação, no entanto, o governo Bolsonaro continua a tratar a questão
ambiental como secundária. Preso a uma visão ultrapassada da ocupação da
Amazônia, não se preocupou em elaborar um plano de atividades para a área, que
aliasse a economia com a ecologia. Assim, depois de afirmar que não criaria
novas áreas de proteção ambiental, o presidente passou a discutir o fomento da
pecuária e da mineração em áreas indígenas. Paralelamente, através do Ministro
do Meio Ambiente, reduziu o número de cargos e funções no Ibama, substituindo experientes
funcionários de carreira por policiais militares, e diminuiu o número de cargos
de coordenação das unidades de conservação (UCs) – 334 unidades em todo o país,
representando em área quase 10% do território nacional. Com relação às
informações sobre o desmatamento, Bolsonaro colocou em dúvida os dados
elaborados pelo Inpe e demitiu seu presidente, Ricardo Galvão.
Uma
das medidas propositivas implantadas pelo governo, foi a transferência da
coordenação do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) para a
vice-presidência. Hamilton Mourão assumiu o comando do órgão que tem o objetivo
de “coordenar e acompanhar a implementação das políticas públicas relacionadas
à Amazônia Legal” e “coordenar ações de prevenção, fiscalização e repressão a
ilícitos”. Da estrutura do Conselho fazem parte 15 militares, mas foram
excluídos os governadores dos estados da região, o Ibama e a Fundação Nacional
do Índio (Funai).
A
ideia de uma política de desenvolvimento sustentável para a região amazônica
parece não fazer parte da estratégia do governo. Com isso, grileiros,
garimpeiros e madeireiros já perceberam de que lado o governo está, e perderam o
medo de uma repressão sistemática por parte dos órgãos do Estado. Por outro
lado, os investidores internacionais e os países que financiavam projetos sócio
ambientais e científicos na região – exatamente os atores que o governo deveria
querer atrair – também já se deram conta para qual lado o governo caminha.
Enquanto
isso, o restante do mundo avança. Recentemente, o Banco de Compensações
Internacionais (BIS), espécie de Banco Central dos bancos centrais dos países,
publicou um extenso estudo, pelo qual chama atenção para o fato de que as
mudanças climáticas poderão ser a origem de uma nova crise financeira global,
ainda mais severa do que a do corona vírus. A União Europeia preparou o European Green Deal, o Pacto Ecológico
Europeu (https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/european-green-deal_pt);
um ambicioso plano de incentivos à economia da região, cuja componente principal
é a redução das emissões de carbono na era pós corona vírus.
Mas,
enquanto o presidente Bolsonaro comenta que a imagem do Brasil não está muito
boa aos olhos do mundo na questão ambiental devido à “desinformação” dos outros
países, outros já veem a questão sob outra ótica. No Ministério da Economia,
por exemplo, teme-se que a fuga de capitais possa ser agravada por causa da
questão ambiental. Membros da equipe do ministro Paulo Guedes, segundo a imprensa, defendem
posições mais claras do governo sobre seus compromissos ambientais. Editorial
recente do jornal O Globo (junho 2020) informa que “o segmento de gestão de
grandes negócios com alimentos e matérias primas em geral, cada vez mais
pressionado por seus acionistas a ter comportamento responsável, do ponto de
vista ambiental e de Direitos Humanos”.
A
preocupação com a questão ambiental aumenta em todo o mundo e deverá se tornar
ainda mais premente nos próximos anos. Lembremos que antes da epidemia, as
nações industrializadas já passavam por um processo de gradual redução das
emissões de carbono, materializado no Acordo de Paris, em 2015. Se o Brasil
quiser evitar o distanciamento, seja econômico ou tecnológico, em relação às
economias mais avançadas, precisará retomar as inciativas e projetos ambientais
delineados ao longo dos últimos anos. Caso contrário, passará a ser caracterizado
como antagonista dos avanços ambientais e poderá sofrer sanções que retardarão ainda mais a recuperação da economia brasileira.
(Imagens: pinturas de Raoul Dufy)
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