Industrialização, educação e mídias

sábado, 5 de dezembro de 2020

 

"Duvide de tudo, encontre sua própria luz"   -   Buddha   -    Quotes of Buddha

A industrialização do Brasil teve início no final do século XIX, na cidade do Rio de Janeiro. A disponibilidade de capitais gerados pela agricultura cafeeira, no entanto, fez com que a partir dos primeiros anos do século XX o processo de industrialização se acelerasse em São Paulo, atraindo imigrantes e migrantes, tornando a cidade a maior metrópole do país. Ao longo do século XX, o país vai gradualmente aumentando seu parque industrial, notadamente a partir dos anos 1940, quando se estabelece uma indústria de base. Depois da 2ª Grande Guerra, a industrialização toma força nos anos 1950 e início dos anos 1960, com a ampliação da infraestrutura rodoviária e da geração de energia. A pujança do crescimento da indústria, está demonstrado pela participação do setor no PIB nacional ao longo dos anos:

                     Participação da indústria no PIB brasileiro

Anos                                         Percentual de participação

1940-1950                                       Entre 19% e 20%

1960-1970                                       Entre 25% e 30%

1985                                                         35%

2000                                                         15,3%

2005                                                         17,4%

2010                                                         15%

2015                                                         12,2%

2019                                                         11%

 

A industrialização de um pais sempre foi relacionada com a redução da taxa de analfabetismo. Não que a relação seja direta, mas para que uma região ou país se industrialize ou aumente sua estrutura industrial, é preciso que haja disponibilidade de uma mão de obra capacitada que, à medida que o processo produtivo se torna mais sofisticado, precisa ser melhor preparada. Com a expansão da atividade industrial, geralmente nas cidades, aumenta a demanda por mão de obra mais ou menos especializada. Com isso, cresce a migração de populações de outras regiões para estes centros urbanos. Paralelamente, seja pelos requisitos da profissão, quanto pelas exigências do Estado (obrigatoriedade do ensino básico), aumenta a matrícula de alunos em instituições de ensino, fazendo com que diminua o analfabetismo.


Este processo é observado como tendo ocorrido com bastante ênfase na Europa, mais acentuadamente na segunda metade do século XIX, quando o capitalismo industrial se torna mais complexo em seus processos industriais e administrativos, passando a exigindo operários e profissionais com alfabetização básica ou formação específica. No Brasil a lenta diminuição da taxa de analfabetos corre em paralelo com a industrialização e a crescente mudança de parcelas consideráveis da população do campo para as cidades, onde a oferta de educação é maior. Entre as décadas de 1940 e 1980, cerca de 40 milhões de brasileiros tomaram o caminho da roça para a metrópole. Outro aspecto importante deste processo de urbanização da população, do acesso à educação e, consequentemente, de obtenção de melhores postos de trabalho, foi formação de uma classe média.

Assim, a exemplo de outros países, o crescimento da atividade industrial no Brasil acabou contribuindo para a redução da taxa de analfabetismo, já que as indústrias requeriam trabalhadores com uma certa formação educacional básica. Esta relação entre capital e mão de obra contribuiu para diminuir a taxa de analfabetismo e a expansão do sistema educacional:

 

          Redução da taxa de analfabeto no Brasil 1900-2015

            Ano                    Percentual de analfabetos/população

            1900                                              65,3%

            1940                                              56,1%

            1960                                              39,7%

            1980                                              25,9%

            2010                                                9,6%

            2015                                                8%

 

O maior indutor de políticas públicas educacionais é o Estado, que tem a tarefa de possibilitar o acesso à educação e erradicar o analfabetismo no país. Mesmo assim, ainda são cerca de 11 milhões de pessoas no Brasil, que não sabem ler e escrever, sem acesso à plena cidadania. Os índices variam de região para região no país, sendo mais altos nas regiões Norte e Nordeste e mais acentuados entre a população acima de 60 anos. No contexto latino-americano, o Brasil é um dos países com as maiores taxas de analfabetismo, só sendo ultrapassado por El Salvador, Honduras e Guatemala. Em outras nações latino-americanas, como a Argentina, o Chile, o Uruguai e a Bolívia, o analfabetismo foi quase eliminado.

Além do analfabetismo absoluto, o país também enfrenta a questão do analfabetismo funcional, um problema talvez mais amplo, por afetar um número bem maior de pessoas. Não existem números exatos sobre a quantidade de analfabetos funcionais no Brasil, mas seu percentual que era de 39% da população em 2001, atualmente é estimado em cerca de 30% (cerca de 63 milhões de pessoas). Dados indicam que este índice atinge 53% entre as pessoas acima de 50 anos. A denominação vem do fato de que os analfabetos funcionais são capazes de reconhecer letras e números, mas não têm capacidade de compreender textos simples e realizar operações matemáticas mais elaboradas. Mesmo em queda, este tipo de analfabetismo chega a afetar estudantes dos cursos superiores, prejudicando a capacidade de aprendizado do aluno. Conforme pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro, 50% dos entrevistados declararam não ter o hábito da leitura de livros, por não terem capacidade de entender seu conteúdo, apesar de tecnicamente serem considerados alfabetizados.


Segundo o educador João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, apenas 16% dos brasileiros atingem o nível 3 do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), considerado o minimamente necessário para se poder fazer qualquer tipo de reflexão a partir de um texto. No PISA, o nível 3 é definido da seguinte forma: “
No Nível 3, os estudantes são capazes de manipular itens de leitura de complexidade moderada, tais como situar fragmentos múltiplos de informação, vincular partes distintas de um texto e relacioná-lo com conhecimentos cotidianos familiares.”

Ainda segundo Oliveira no mesmo artigo, publicado na revista Veja Online em 12/11/2018, 25% da força de trabalho no Brasil é formada por analfabetos funcionais e outros 25% possuem o nível elementar, “são apenas capazes de selecionar uma ou mais unidades de informação, observando certas condições, em textos diversos de extensão média realizando pequenas inferências.” Não têm capacidade de ler e entender um manual de instruções.

Estas condições educacionais têm, por sua vez, grande influência em uma série de aspectos da cultura do país, do nível de informação da população, da prática política e da própria convivência entre os cidadãos. Na área da cultura, por exemplo, mais especificamente em relação aos livros, constata-se que a compra deste item de consumo vem caindo ao longo dos últimos anos. Em pesquisa realizada no primeiro semestre de 2020 pela empresa Nielsen Book, sob contrato da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) constatou-se que o subsetor de Obras Gerais teve crescimento de 28% nas vendas totais (mercado e governo) em 2019. O aumento, todavia, não conseguiu compensar queda nas vendas nos anos anteriores, que acumulou uma redução de 34% nas vendas totais entre 2006 e 2019. O subsetor de livros científicos, técnicos e profissionais registrou uma queda de 41% no mesmo período.

O brasileiro lê em média 2,5 livros inteiros por ano, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro e Instituto Itaú Cultural, entre outubro de 2019 e janeiro de 2020. Entre 2013 e 2019 o Brasil perdeu 4,6 milhões de leitores; a percentagem caiu de 56% para 52% da população que regularmente lia. A maior queda no número de leitores foi identificada no grupo das pessoas com ensino superior, que passou de 82% de leitores em 2015 para 68% em 2019. Na classe A, o consumo de livros passou de 76% para 67% das pessoas. Falta de tempo e envolvimento com internet e as redes sociais, foram dados como motivos para a diminuição da leitura de livros.

O estudo também registrou que os não leitores, pessoas com mais de 5 anos que não leram livro algum, mesmo parcialmente, nos últimos três meses anteriores à pesquisa, perfazem 48% da população, ou cerca de 100 milhões de brasileiros. Entre estes, os principais motivos alegados por não terem o hábito da leitura, foi a falta de tempo (34%) e por não gostarem de ler (28%).

Para explicar os problemas de tiragem enfrentados pelo setor livreiro e pela mídia impressa, é preciso considerar os aspectos educacionais e sociais acima relatados, e levar em conta a crise econômica pela qual passa o país desde 2014. Houve uma gradual queda nas vendas de mídia impressa, enquanto que a mídia eletrônica, formada por jornais e revistas online, blogs de informação e sites especializados, se tornou ágil e econômica.  A própria diminuição da atividade econômica no país também causou uma significativa redução na impressão de jornais e revistas.



Outro aspecto a ser assinalado, é que a pouca leitura e a busca de informações através das redes sociais – Whatsapp, Facebook, Tweeter e Instagram, entre outros – em lugar das mídias especializadas, impressas ou eletrônicas, dá espaço para a circulação de muita informação inverídica, ideias cientificamente incorretas, ideologias extremistas, além de muito conhecimento inútil. A partir do momento em que as pessoas começam a formar sua visão de mundo e suas opiniões baseadas neste tipo de material, tornam-se vítimas de grupos políticos ou religiosos, muitas vezes extremistas, que passam a influenciar ou até a condicionar seus comportamentos.  

Em suma, o que pode estar acontecendo é que o número de potencias leitores não está aumentando por três principais fatores. Primeiro, o próprio interesse pela leitura parece estar diminuindo ou pelo menos não está aumentando. Isto devido a fatores educacionais, como exemplificado pela persistência do analfabetismo funcional, fruto de falhas no processo de ensino. Não havendo compreensão do conteúdo, diminui o interesse pela leitura. Segundo, pela concorrência das mídias eletrônicas e redes sociais, de fácil acesso e veiculando o que os usuários consideram interessante ou, pelo menos, fácil de compreender. Terceiro, pela crise econômica que assola há anos o país, provocando diminuição da renda da população e impossibilitando a compra de livros; nestas circunstâncias considerados artigos de luxo.

  

Referências:

Indústria no Brasil. Disponível em:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ind%C3%BAstria_no_Brasil#:~:text=As%20origens%20industriais%20no%20Brasil,em%20Pernambuco%20e%20na%20Bahia Acesso em 18/11/2020

 Alfabetização e desenvolvimento. Disponível em:

<https://www.scielo.br/pdf/rbedu/v19n58/02.pdf> Acesso em 18/11/2020

Mola de emprego e do PIB, indústria brasileira não reage e emperra avanço do PIB. Disponível em:

<https://brasil.elpais.com/economia/2020-03-04/mola-de-emprego-e-do-pib-industria-brasileira-nao-reage-e-emperra-avanco-da-economia.html> Acesso em 18/11/2020

Desindustrialização no Brasil: um resumo da evidência. Disponível em:

<https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/11689/Desindustrializa%C3%A7%C3%A3o%20no%20Brasil.pdf> Acesso em 18/11/2020

3 em cada 10 brasileiros não conseguem entender este texto. Disponível em:

<https://todospelaeducacao.org.br/noticias/inaf-3-em-cada-10-brasileiros-nao-conseguiriam-entender-este-texto/> Acesso em 18/11/2020

Analfabetismo funcional: novos dados, velhas realidades. Disponível em:

<https://veja.abril.com.br/blog/educacao-em-evidencia/analfabetismo-funcional-novos-dados-velhas-realidades/>. Acesso em 18/11/2020

Analfabetismo funcional. Disponível em:

<https://brasilescola.uol.com.br/gramatica/analfabetismo-funcional.htm> Acesso em 18/11/2020

A evolução da indústria do livro nos últimos 14 anos. Disponível em:

<https://www.publishnews.com.br/materias/2020/07/08/a-evolucao-da-industria-do-livro-nos-ultimos-14-anos> Acesso em 19/11/2020

 

(Imagens: pinturas/posters de Wes Wilson)

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