Para
os gregos o mundo e os deuses eram a obra de uma necessidade insondável. Esta
explicação é suportável, porque nos satisfaz provisoriamente. Ormuzd vive em
guerra com Ahriman — isto ainda se pode admitir, — mas um Deus como esse Jeová,
que por seu bel-prazer e muito voluntariamente produz este mundo de miséria e
de lamentações, e que ainda se felicita e se aplaude, é que é demasiado forte!
Consideremos, portanto, nesse ponto de vista, a religião dos judeus como a
última entre as doutrinas religiosas dos povos civilizados; o que concorda perfeitamente
com o fato de ser ela também a única que não tem absolutamente nenhum vestígio
de imortalidade. Ainda que a demonstração de Leibniz fosse verdadeira, embora
se admitisse que entre os mundos possíveis este é sempre o melhor, essa
demonstração não daria ainda nenhuma teodiceia. Porque o criador não só criou o
mundo, mas também a própria possibilidade; portanto, devia ter tornado possível
um mundo melhor.
A
miséria, que alastra por este mundo, protesta demasiado alto contra a hipótese
de uma obra perfeita devida a um ser absolutamente sábio, absolutamente bom, e
também todo-poderoso; e, de outra parte, a imperfeição evidente e mesmo a
burlesca caricatura do mais acabado dos fenômenos da criação, o homem, são de
uma evidência demasiado sensível. Há aí uma dissonância que se não pode
resolver. As dores e as misérias são, pelo contrário, outras tantas provas em
apoio, quando consideramos o mundo como a obra da nossa própria culpa, e,
portanto, como uma coisa que não podia ser melhor. Ao passo que na primeira
hipótese, a miséria do mundo se torna uma acusação amarga contra o criador e dá
margem aos sarcasmos, no segundo caso aparece como uma acusação contra o nosso
ser e a nossa vontade, bem própria para nos humilhar. (Schopenhauer, págs. 43 e
44)
Arthur Schopenhauer, As dores do mundo
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