“Por
último, mas não menos importante, tenho de discutir a opinião de que a
história, estando intimamente envolvida em questões de religião e moralidade,
distingue-se assim da ciência em geral, e talvez até das outras ciências
sociais. Da relação da história com a religião direi apenas o pouco que é
necessário para tornar clara a minha posição. Ser um astrônomo sério é
compatível com a crença num Deus que criou e ordenou o universo. Mas não é
compatível com a crença num Deus que intervém à vontade para mudar o curso de um
planeta, para adiar um eclipse ou para alterar as regras do jogo cósmico. Da
mesma forma, é por vezes sugerido que um historiador sério pode acreditar num
Deus que ordenou e deu sentido ao curso da história como um todo, embora não
possa acreditar no tipo de Deus do Antigo Testamento que intervém para
massacrar os amalequitas, ou trapacear no calendário ao estender as horas do
dia para o benefício do exército de Josué.
Nem pode ele invocar Deus como explicação de eventos históricos específicos. O Padre D'Arcy, num livro recente, tentou fazer esta distinção: não seria adequado para um estudante responder a todas as questões da história dizendo ‘que era o dedo de Deus’. Só quando tivermos ido tão longe quanto possível na organização dos acontecimentos mundanos e do drama humano é que nos será permitido introduzir considerações mais amplas. A história técnica é o único tipo de história que você ou eu provavelmente escreveremos, ou que ele mesmo já escreveu. Mas, ao usar este estranho epíteto, ele reserva-se o direito de acreditar numa história esotérica ou providencial com a qual o resto de nós não precisa se preocupar.
Escritores como Berdyaev, Niebuhr e Maritain pretendem
manter o estatuto autónomo da história, mas insistem que o fim ou objetivo da
história está fora da história. Pessoalmente, acho difícil conciliar a
integridade da história com a crença em alguma força extra histórica, da qual
depende o seu significado e importância – seja essa força o Deus de um povo
escolhido, um Deus cristão, a Mão Oculta do Deísta, ou o Deus de Hegel, o ‘Espírito
do Mundo’. Para efeitos destas palestras, assumirei que o historiador deve
resolver os seus problemas sem recorrer a qualquer deus ex machina, que a história é um jogo jogado, por assim dizer,
sem um curinga no baralho.”
Edward H. Carr (1892-1982), historiador, diplomata e jornalista inglês em What is history? (O que é história?)
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