Leituras diárias

sábado, 22 de março de 2025


“O populismo vira tudo isso de cabeça para baixo, insistindo na unidade essencial do povo em sua luta com as elites. Como Jan-Werner Müller afirma, o populismo se equipara a ‘uma determinada imaginação moralista da política, um modo de perceber o mundo político que coloca um povo moralmente puro e plenamente unido — mas, em última análise, fictício — contra elites que são consideradas corruptas ou, de um modo ou de outro, moralmente inferiores’. Isso vai muito além do tipo de lógica majoritária a que estamos acostumados na democracia representativa, rumo a uma postura que muitos comentaristas veem como embrionariamente totalitária, em que todas as diferenças entre indivíduos são apagadas a favor de uma compreensão ‘monista’ do coletivo. O populismo é uma forma inabitual ou extraordinária de política. Ele se torna viável onde a política ‘normal’ não consegue fornecer soluções aos problemas que dizem respeito aos cidadãos ou que os motivam. As pessoas passam a olhar além do menu habitual de opções, voltam-se para um líder ou partidos que trazem uma análise mais radical abordando suas preocupações e prometendo resolvê-las.” (Tormey págs. 25 e 26). 

“O populismo é um efeito da crise, mas também pode ser sua causa. Políticos populistas compreendem que seu jogo só ganhará força se as pessoas acreditarem que existe uma crise que requer uma mudança radical de curso, uma nova política e uma nova liderança. Isso ajuda a explicar o caráter e o tom da política populista, que com frequência procura destacar alguma suposta deficiência, usando estatísticas distorcidas e linguagem e imagens dramáticas para tornar mais intenso o sentimento de que é necessária uma providência — providência que as elites são incapazes ou não estão dispostas a tomar.” (Tormey pág. 28). 

“Se não chegou a eliminar por completo a política, o neoliberalismo subordinou-a, a ela e à comunidade política, a uma agenda ditada de fora ou além do Estado-nação, deixando a impressão de que a política não importava. Isso foi motivo de comemoração para neoliberais como Margaret Thatcher, autora de uma declaração famosa: ‘Não existe alternativa’. Sermos informados de que não há nada que possamos fazer, individual ou coletivamente, para alterar um estado de coisas é uma fórmula para nos desligar da política. E esse, para os neoliberais, era o ponto. Por que incentivar a ideia de que os cidadãos podem mudar seus arranjos sociais e econômicos quando estava claro que o mercado detinha as respostas para a questão fundamental de como deveríamos nos organizar? Por que argumentar que a política é importante quando a economia e o mercado é que devem dominar o poleiro? Nessa leitura, não são os cidadãos que são ‘antipolíticos’, mas as elites. Foram as elites que procuraram nos convencer de que o Estado havia se tornado inflado demais, sobrecarregado demais, parecendo um obstáculo para a realização de metas individuais. Quanto menos Estado e política tivéssemos, mais livres estaríamos. Assim nos disseram.” (Tormey pág.63). 

“O populismo é um estilo redentor de política. O importante não é fazer com que o governo funcione melhor, fornecendo melhores serviços médicos ou resolvendo os muitos quebra-cabeças com que os que fazem as leis têm de lidar no dia a dia. O importante é a promessa de um país melhor, um mundo melhor, um povo mais feliz e mais satisfeito. Marine Le Pen promete tornar a França mais segura, mais unida e mais ‘francesa’. Beppe Grillo promete dar fim à corrupta forma de governo marcada pelo clientelismo e pelo favoritismo que há décadas tem se mantido na Itália. Bernie Sanders oferece ‘um futuro em que acreditar’. Jeremy Corbyn promete um governo ‘para os muitos e não para os poucos’. O populismo se alonga em promessas, mas é curto nos detalhes. Oferece um futuro promissor sem nos contar como será alcançado ou de que recursos precisará. Embora a imprecisão e a generalidade da promessa sejam dois dos pontos mais fortes do populismo como estilo de campanha e mobilização políticas, uma vez no poder o populismo pode se tornar uma fonte de decepção que leva à desilusão dos cidadãos. O populismo joga com altas expectativas. É o que o torna uma força política tão envolvente em termos emocionais, tão atraente. Os populistas não precisam ajustar sua mensagem a orçamentos limitados ou às dificuldades de melhorar a vida dos cidadãos. O próprio otimismo, combinado com uma extravagante visão de sua eficácia, cria a dinâmica associada aos regimes populistas: uma intolerância a instituições independentes, como a imprensa livre, o judiciário e órgãos autônomos da administração pública.”  (Tormey págs. 77 e 78).

 

Simon Tormey, professor e acadêmico irlandês em Populismo: Uma Breve Introdução

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