"Os políticos não são os inventores da religião. Os que puseram os bois à canga já encontraram seus chifres prontos." - Voltaire - Aforismos, sentenças e julgamentos salomônicos
As
eleições municipais brasileiras foram definitivamente prorrogadas para 15 de
novembro (primeiro turno) e 29 de novembro de 2020 (segundo turno). Nas cidades
brasileiras, partidos e postulantes se preparam para o pleito. Candidatos e apoiadores
organizam rodadas de discussões, debatendo temas e propostas que serão
incluídos nos programas de governo das novas administrações, que tomarão posse
em 2021.
Quais
as novidades destes programas? Provavelmente muito poucas, limitadas a aspectos
pontuais; sugestões que surgiram de ideias desenvolvidas a partir de
deficiências identificadas ao longo das gestões ainda em curso. Na maior parte
dos casos, trata-se apenas de reafirmar e definitivamente colocar em prática
projetos e procedimentos que já existiam – como promessa – em administrações
anteriores, mas nunca saíram do papel.
Pouco
de novo poderá ser realizado pelos prefeitos e vereadores que assumirão seus
cargos em 2021. A pandemia do coronavírus e a recessão econômica, têm e terão
um forte impacto na disponibilidade de recursos financeiros. Grande parte das
prefeituras estão e continuarão descapitalizadas, com a queda das receitas
municipais e dos repasses dos governos estaduais e federal. As previsões de uma
recuperação perceptível da economia foram postergadas para 2022 ou 2023.
Dependendo da região onde se localiza, do tipo de atividade e das características
do município, a demora poderá ser ainda maior.
Um
dos aspectos que será de grande influência na recuperação e futuro
desenvolvimento do município é a questão ambiental. Além do subjetivo argumento
da qualidade do vida do cidadão, já estabelecido na Constituição de 1988 mas
até agora pouco considerado – tanto a nível federal, estadual como municipal –,
existem outras dimensões mais práticas e imediatas a serem ponderadas. A
implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), promulgada ainda
no final do segundo governo do presidente Lula, continua, depois de duas
prorrogações votadas pelo Congresso, a ser uma grande promessa na quase
totalidade dos municípios brasileiros. Cerca de 60% dos municípios já
elaboraram um programa de gestão de resíduos urbanos mas não dispõem de fundos
para transformar a teoria em prática.
A
questão do saneamento; o tratamento de água, coleta e tratamento de esgoto, são
problemas que, em um tópico ou outro ainda não estão solucionados em cerca de
60% dos municípios brasileiros. Mesmo nas cidades contando com uma boa rede de
saneamento, persistem problemas como a qualidade e a perda de água potável ao
longo da tubulações. O planejamento hídrico de várias regiões do Brasil precisa
ser atualizado e aprimorado, já que a carestia de água está assumindo uma
regularidade crescente em vastas áreas das regiões Sul e Sudeste. O projeto recentemente
aprovado pelo Congresso, que permite a participação do setor privado no saneamento,
ainda permanece uma grande incógnita sob diversos aspectos.
Ainda no elenco das grandes temas a serem enfrentados pelos novos prefeitos e vereadores, podemos incluir a questão da crise climática. Ignorada pelo governo federal, cujos ministros consideram o assunto sem importância ou até fantasioso, a situação está aí, colocada. Sinais de que a matéria está ganhando crescente atenção no exterior e por parte de grandes grupos financeiros não faltam. Recentemente, uma comunidade de grandes investidores da Europa, Ásia e Estados Unidos se manifestou através de cartas endereçadas às embaixadas brasileiras na Europa. Nestes primeiros dias de julho de 2020, um grupo de 40 grandes empresários brasileiros, entre os quais executivos de empresas como Itaú Unibanco, Bradesco, Santander, Klabin, Suzano, Cargill, Mafrig, Natura, Cosan, Bayer, Microsoft, Michelin, Shell e Vale, reuniu-se com o vice-presidente Hamilton Mourão, para discutir a situação dos desmatamentos na Amazônia e outros temas ambientais.
A contribuição
dos municípios à questão climática, principalmente dos pequenos, será limitada.
Mas conteúdos como gestão de aterros e transporte público, atividades geradoras
de emissão de gases poluentes, deverão estar na pauta de qualquer
administração, seja do futuro prefeito da cidade de São Paulo ou de São Gabriel
da Cachoeira, município no estado do Amazonas. Planejamento para as próximas
décadas não é necessário apenas para as grandes cidades; os médios e pequenos
municípios também precisam admitir que novos desafios político-ambientais
afetarão impreterivelmente a todos, cedo ou tarde. Manutenção de parque
municipais e ampliação da arborização urbana, além da educação ambiental nas
escolas, também são pontos que, desde já, precisam constar dos planos de
governo dos administradores municipais que tomarão posse em alguns meses.
Apesar
de ainda estarmos imersos na crise médica, social, econômica e política que
cerca a pandemia do coronavírus – assim como todos os países e cidades do
planeta –, precisamos agir com vistas ao futuro, às próximas gerações. A crise
do coronavírus passará em mais alguns meses. Mas a crise climática e ambiental,
mais profunda e com potencial destruidor bem maior a médio e longo prazos,
permanecerá. Esperemos que todos, candidatos e eleitores, considerem esta realidade.
(Imagens: pinturas de Vicente do Rego Monteiro)
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