Eleições municipais e meio ambiente

sábado, 25 de julho de 2020
"Os políticos não são os inventores da religião. Os que puseram os bois à canga já encontraram seus chifres prontos."   -   Voltaire   -   Aforismos, sentenças e julgamentos salomônicos


As eleições municipais brasileiras foram definitivamente prorrogadas para 15 de novembro (primeiro turno) e 29 de novembro de 2020 (segundo turno). Nas cidades brasileiras, partidos e postulantes se preparam para o pleito. Candidatos e apoiadores organizam rodadas de discussões, debatendo temas e propostas que serão incluídos nos programas de governo das novas administrações, que tomarão posse em 2021.

Quais as novidades destes programas? Provavelmente muito poucas, limitadas a aspectos pontuais; sugestões que surgiram de ideias desenvolvidas a partir de deficiências identificadas ao longo das gestões ainda em curso. Na maior parte dos casos, trata-se apenas de reafirmar e definitivamente colocar em prática projetos e procedimentos que já existiam – como promessa – em administrações anteriores, mas nunca saíram do papel.

Pouco de novo poderá ser realizado pelos prefeitos e vereadores que assumirão seus cargos em 2021. A pandemia do coronavírus e a recessão econômica, têm e terão um forte impacto na disponibilidade de recursos financeiros. Grande parte das prefeituras estão e continuarão descapitalizadas, com a queda das receitas municipais e dos repasses dos governos estaduais e federal. As previsões de uma recuperação perceptível da economia foram postergadas para 2022 ou 2023. Dependendo da região onde se localiza, do tipo de atividade e das características do município, a demora poderá ser ainda maior.

Um dos aspectos que será de grande influência na recuperação e futuro desenvolvimento do município é a questão ambiental. Além do subjetivo argumento da qualidade do vida do cidadão, já estabelecido na Constituição de 1988 mas até agora pouco considerado – tanto a nível federal, estadual como municipal –, existem outras dimensões mais práticas e imediatas a serem ponderadas. A implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), promulgada ainda no final do segundo governo do presidente Lula, continua, depois de duas prorrogações votadas pelo Congresso, a ser uma grande promessa na quase totalidade dos municípios brasileiros. Cerca de 60% dos municípios já elaboraram um programa de gestão de resíduos urbanos mas não dispõem de fundos para transformar a teoria em prática.  

A questão do saneamento; o tratamento de água, coleta e tratamento de esgoto, são problemas que, em um tópico ou outro ainda não estão solucionados em cerca de 60% dos municípios brasileiros. Mesmo nas cidades contando com uma boa rede de saneamento, persistem problemas como a qualidade e a perda de água potável ao longo da tubulações. O planejamento hídrico de várias regiões do Brasil precisa ser atualizado e aprimorado, já que a carestia de água está assumindo uma regularidade crescente em vastas áreas das regiões Sul e Sudeste. O projeto recentemente aprovado pelo Congresso, que permite a participação do setor privado no saneamento, ainda permanece uma grande incógnita sob diversos aspectos.

Ainda no elenco das grandes temas a serem enfrentados pelos novos prefeitos e vereadores, podemos incluir a questão da crise climática. Ignorada pelo governo federal, cujos ministros consideram o assunto sem importância ou até fantasioso, a situação está aí, colocada. Sinais de que a matéria está ganhando crescente atenção no exterior e por parte de grandes grupos financeiros não faltam. Recentemente, uma comunidade de grandes investidores da Europa, Ásia e Estados Unidos se manifestou através de cartas endereçadas às embaixadas brasileiras na Europa. Nestes primeiros dias de julho de 2020, um grupo de 40 grandes empresários brasileiros, entre os quais executivos de empresas como Itaú Unibanco, Bradesco, Santander, Klabin, Suzano, Cargill, Mafrig, Natura, Cosan, Bayer, Microsoft, Michelin, Shell e Vale, reuniu-se com o vice-presidente Hamilton Mourão, para discutir a situação dos desmatamentos na Amazônia e outros temas ambientais.

A contribuição dos municípios à questão climática, principalmente dos pequenos, será limitada. Mas conteúdos como gestão de aterros e transporte público, atividades geradoras de emissão de gases poluentes, deverão estar na pauta de qualquer administração, seja do futuro prefeito da cidade de São Paulo ou de São Gabriel da Cachoeira, município no estado do Amazonas. Planejamento para as próximas décadas não é necessário apenas para as grandes cidades; os médios e pequenos municípios também precisam admitir que novos desafios político-ambientais afetarão impreterivelmente a todos, cedo ou tarde. Manutenção de parque municipais e ampliação da arborização urbana, além da educação ambiental nas escolas, também são pontos que, desde já, precisam constar dos planos de governo dos administradores municipais que tomarão posse em alguns meses.

Apesar de ainda estarmos imersos na crise médica, social, econômica e política que cerca a pandemia do coronavírus – assim como todos os países e cidades do planeta –, precisamos agir com vistas ao futuro, às próximas gerações. A crise do coronavírus passará em mais alguns meses. Mas a crise climática e ambiental, mais profunda e com potencial destruidor bem maior a médio e longo prazos, permanecerá. Esperemos que todos, candidatos e eleitores, considerem esta realidade.


(Imagens: pinturas de Vicente do Rego Monteiro)


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