“Ironicamente,
o abismo eterno do nada com o qual nós, os pós-modernos, hoje debatemos, não é
nem um pouco diferente, em termos conceituais, do abismo que os pregadores e escritores
barrocos adoravam evocar para amedrontar as pessoas. O padre asceta de
Nieremberg, enrolado em cilício e arame farpado, queria que seus leitores
vissem cada pecado como um abismo da injustiça, um abismo sem medida. Sua
concepção de justiça eterna era tão severa quanto estava além da imaginação.
Para ele, a justiça divina só podia ser satisfeita por tormentas eternas, e
essa eternidade era inconcebível. Mesmo que todos os oceanos secassem e se
enchessem da areia mais pura, dizia ele, e um pássaro removesse um único grão
de areia a cada cem anos até que não sobrasse nenhum, Deus não estaria
satisfeito com a punição imposta a um único pecado mortal cometido por cada ser
humano. Assim como cada grão de areia na metáfora de Nieremberg não é nada –
quando medido em comparação com a eternidade e o senso de justiça de Deus –,
cada vida humana no nosso Cosmo pós-moderno é um ‘nada’ contra o horizonte
eterno e infinito do não ser que nos engole por completo.” (Eire, pág. 225)
Carlos
Eire, Uma breve história da eternidade
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