O
próximo governo que assumir a administração do país terá muitos problemas a
enfrentar, ou não, dependendo do eleito. Se Bolsonaro for reconduzido ao cargo,
o que felizmente agora parece pouco provável, seu governo não terá grandes dificuldades
a encarar. Basta seguir com o receituário que vem aplicando ao longo destes
últimos quatro anos, cujos resultados estamos vendo na prática - mas que parecem
não corresponder à expectativa da maior parte dos brasileiros, de acordo com o
que até agora mostram as pesquisas de intenção de voto. Lula sim, em sendo
eleito, o que parece cada vez mais plausível, terá muitos desafios a enfrentar
em todas as áreas.
Um dos campos que mais deverá preocupar o novo governo, seja por sua importância para o país quanto para a comunidade internacional, é o setor do meio ambiente. Nesta área o governo Lula deverá retomar muitas iniciativas praticamente paralisadas, como a implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), criada durante seu governo anterior, em 2010. Trata-se da correta gestão e destinação dos resíduos sólidos urbanos, o lixo doméstico, através de processos de reciclagem, destinação final em aterros sanitários e, eventualmente, incineração para geração de energia. A política deve ser implementada a nível municipal, através da cooperação entre a administração pública e a comunidade, as empresas e organizações de catadores. A PNRS poderá incorporar também os mais recentes conceitos e práticas da economia circular, já utilizada por empresas de setores de ponta.
Outra
área que precisará voltar a receber maior atenção do Estado é a do saneamento;
o tratamento da água e do esgoto doméstico, que recebeu poucos investimentos
nos últimos oito anos. Grandes investimentos em saneamento foram feitos através
do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC 1 e 2), um ambicioso programa de
expansão da infraestrutura que também incluía outros setores, como transportes,
energia e telecomunicações, durante o segundo governo Lula e governos Dilma. Os
recursos se tornaram escassos, diminuiu o número de obras e durante o governo
Temer o programa foi praticamente descontinuado. Como alternativa, previa-se
atrair a atenção do setor privado, que depois da aprovação do Marco Legal do
Saneamento em 2020 poderia participar na implantação e operação dos serviços de
saneamento nos municípios. No entanto, a crise econômica e mudanças ainda previstas
na lei, dificultaram a participação das empresas até o momento. Espera-se que
no novo governo, com recursos novamente disponibilizados pelo BNDES, Caixa
Econômica, e agora contando com o aporte de fundos privados, o setor possa
retomar o crescimento. Aspecto importante é que a nova administração estabeleça
um programa com metas, recursos e prazos, a exemplo do que acontecia no PAC,
nos governos PT.
Outro aspecto importante é a retomada de um controle e planejamento ambiental mais efetivo, tanto a nível federal, quanto estadual. A drástica redução dos recursos destinados às agências ambientais, tanto o federal Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), quanto os órgãos de controle ambiental estaduais, como a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), o Instituto Estadual do Meio Ambiente (INEA), do Rio de Janeiro, entre outros, fez com que diminuíssem as atividades de comando e controle ambiental. Não foram poucos os casos, principalmente no órgão federal (IBAMA), de ingerência política, demissão e transferência de funcionários, corte de verbas para diversas atividades de planejamento e fiscalização, além da nomeação de pessoas sem qualificação na área para cargos de chefia, segundo técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU). Enfim, será necessário reorganizar o quadro de funções e de funcionários da maior parte destas agências, destinando-lhes recursos para treinamento, compra de equipamentos, a fim de retomar e implantar os programas de planejamento e controle ambiental.
Uma
tarefa complexa mas indispensável, já que o país como um todo – tanto a nível
municipal, estadual quanto federal – precisará atualizar e aprimorar as ações
de comando e controle, a fim de fazer frente às novas práticas em relação ao
meio ambiente, já previstas e praticadas por parte do setor privado e exigidas
pelos diversos acordos internacionais.
Na
área urbana o governo precisará retomar iniciativas já estabelecidas, mas parcial
ou completamente abandonadas, como a identificação e remediação de áreas
contaminadas e o controle de emissões veiculares. O estado e a cidade de São
Paulo especialmente, através de sua agência de controle ambiental (CETESB), já
estão bastante avançados em ambas as áreas. No entanto, programas semelhantes,
principalmente os de controle de emissões veiculares, precisam ser expandidos
para todas as outras regiões do país.
Ações de avaliação, planejamento e controle terão que ser implementadas nos diversos biomas brasileiros, principalmente a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal, onde a degradação ambiental provocada por atividades econômicas legais e ilegais se acentuou bastante nos últimos anos. As estatísticas comprovam que, no que se refere especialmente à Amazônia, o desmatamento tem crescido vertiginosamente no governo Bolsonaro, através da invasão, desmatamento e ocupação de áreas públicas e reservas indígenas, feitas pela grilagem e pelo garimpo ilegal. Ocorrências recentes na Amazônia, como o assassinato do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, tornaram pública a degradação ambiental e social a que vêm sendo submetida a região amazônica, devido à falta de fiscalização e policiamento. Assassinatos de líderes rurais, líderes indígenas e trabalhadores se tornaram comuns, numa região marcada pela violência, com atividades de pesca ilegal, extração de madeira, tráfico de drogas, contrabando de ouro e pedras preciosas. O Estado que sempre esteve pouco presente na região, tornou-se mais ausente ainda, já que a estratégia para o território é incorporá-lo à economia do capitalismo periférico do restante do país, explorando os recursos naturais extensa e intensivamente. Os povos indígenas, de acordo com a orientação do governo, deveriam ser paulatinamente integrados à sociedade de consumo. O índio, segundo o presidente Bolsonaro “quer internet e explorar a terra dele”, querem ser vistos como “pessoas iguais a nós” e “trabalhar e pagar imposto”.
O
novo governo, que presumidamente será o de Lula, terá de se ocupar
intensivamente com a questão amazônica. Além de ser considerada uma das regiões
do planeta de grande impacto na manutenção do clima – os desmatamentos e as
queimadas contribuem para a emissão de metano e dióxido de carbono, gases
causadores do efeito estufa – a floresta funciona como provedora de chuvas para
grande parte da América do Sul, através do processo de evapotranspiração. Os
chamados “rios voadores”, formados por nuvens que carregam a água liberada
pelas árvores da floresta, abastecem com chuva grandes áreas das regiões
Centro-Oeste, Sudeste e Sul (além do Paraguai, Uruguai e Argentina),
responsáveis pela produção de parcelas consideráveis das commodities agrícolas e demais alimentos colhidos nessas regiões. A
floresta amazônica também é o habitat
de centenas de milhares de espécies vegetais e animais, além de ambiente vital para
milhões (bilhões?) de espécies de microrganismos com diversas funções em seus
ecossistemas; muitas delas ainda ignoradas pela ciência.
Em
suma, a questão ambiental deverá ser tratada com muito mais atenção e
responsabilidade do que vinha sendo feito. Apesar de todas as dificuldades, se
bem conduzido, o tema do meio ambiente poderá trazer grandes benefícios para o
país. Seja através da recuperação e proteção dos recursos naturais, da pesquisa
científica e da melhoria do nível de vida dos 30 milhões de amazônidas, como o
uso renovável das riquezas naturais da região, através dos mais diferentes
tipos de atividades econômicas. A pressão que as mudanças climáticas estão
exercendo sobre as sociedades e a economia global faz com que países,
instituições, empresas e investidores se apresentem como parceiros
capitalizados no desenvolvimento e implantação de projetos de preservação,
pesquisa e exploração econômica renovável.
Esta a grande oportunidade que no passado recente o país não teve tempo de usufruir e que no atual governo foi ignorada. Para isso, é preciso retomar as iniciativas que tiveram início nos anos 1990 e que fizeram do Brasil um dos mais importantes interlocutores e atores no mundo, no que se refere à questão ambiental. Possuímos um dos maiores estoques de recursos naturais do planeta e assumimos o firme propósito de utilizá-los de maneira sustentável, através de crescente desenvolvimento e incorporação de tecnologia.
(Imagens: pinturas de Maximilien Luce)
0 comments:
Postar um comentário