O Brasil e os carros mais caros do mundo
(publicado originalmente pelo Instituto Humanitas Unisinos em 01 de setembro de 2012)
A Dilma Rousseff decidiu manter a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos novos como um estímulo ao consumo. Os carros brasileiros ocupam o primeiro lugar quanto a preço e lucros das montadoras.
A reportagem é de Eric Nepomuceno e está publicada no jornal argentino Página/12, 31-08-2012. A tradução é do Cepat.
O Brasil é o quarto maior mercado automobilístico do mundo: está atrás apenas da China, Estados Unidos e Japão. A produção ultrapassa uma marca após outra, e agora mesmo a presidenta Dilma Rousseff decidiu manter, por mais dois meses, a isenção do IPI para veículos novos.
Essa medida, que fez baixar os preços e aumentar as vendas, faz parte da política de estímulo ao consumo interno determinado pelo governo, cujo objetivo é impedir um esfriamento mais acentuado da economia. As projeções iniciais indicam que em agosto foram vendidos 400.000 carros e produzidos 330.000. A produção estimada para este ano beira a marca dos 3,4 milhões de veículos.
Em meio a essa chuva de números, um salta à vista: se é o quarto maior mercado mundial, os veículos brasileiros ocupam o primeiro lugar quando se trata de preços e lucros das montadoras. O mesmo carro pode custar no Brasil até 106% a mais que na França, 76% a mais que nos Estados Unidos, 70% a mais que no Japão e 29% a mais que na Argentina.
Em geral, a culpa sobre o altíssimo preço que um brasileiro paga por um carro é imputado à carga tributária, efetivamente muito elevada, a mais elevada em comparação com a Argentina, França, Estados Unidos e Japão, e o dobre da média mundial.
Mas agora surgem dados, em um estudo que a consultoria IHS Automotive realizou nesses cinco países, que indicam que no Brasil as margens de lucros das montadoras são, de longe, as mais elevadas. Aqui, 10% de um veículo são puro lucro. Nos Estados Unidos, 3%. A média mundial é de 5%.
Embora o mercado brasileiro conte com proteção para a indústria local (os importados têm uma taxa fiscal muito maior que os nacionais) e haja uma forte concentração de vendas em quatro grandes marcas – Volkswagen, Ford, Fiat e General Motors –, o que já asseguraria ampla vantagem para esses fabricantes, as margens de lucro são mais suculentas que em qualquer outra parte, graças aos preços praticados. Na média mundial, 30% dos mercados internos são controlados pelas marcas que concentram, regionalmente e caso a caso, maior poder de vendas. No Brasil, essas quatro concentram nada menos que 81% do mercado. Estimulados pela redução de parte da carga fiscal, os brasileiros compram carros novos a prazo, pagando em até 60 meses. Com essa forte demanda, nenhum dos fabricantes que controla o mercado tem interesse algum em baixar suas margens de lucro, ou seja, baixar ainda mais os preços.
Se se desconta a pesada carga fiscal, ou seja, colocando-a no mesmo nível dos outros quatro países que o relatório compara, o preço final do carro no Brasil continua sendo consideravelmente mais alto. Se se considera que um operário nos Estados Unidos ou do Japão ou da França ganha bem mais que seu colega brasileiro, o quadro fecha de maneira inequívoca: é no lucro da indústria que reside a diferença.
Há, desde já, outros aspectos que compõem o preço de um carro vendido no Brasil e do mesmo modelo na Argentina, França, Japão ou Estados Unidos. Um, em especial, chama a atenção. Nos Estados Unidos, o custo de produção de um carro (matéria-prima, mão de obra, logística, publicidade) significa 88% do preço final. A média mundial indica que esse custo é de 79%. No Brasil, apenas 58%. Ou seja: custa muito menos produzir no Brasil o mesmo carro produzido nos Estados Unidos, embora o preço aqui seja muito maior.
No caso dos importados, o quadro se mostra ainda mais grave. Um modelo básico do Jeep Cherokee, por exemplo, sai para o comprador por 89.500 dólares no Brasil. Em Miami, esse dinheiro seria suficiente para comprar três (a 28.000 dólares cada um) e ainda guardar dinheiro para o combustível de um ano inteiro.
Um Honda do modelo Fit custa, para um brasileiro, 106% a mais que para um comprador francês (onde o carro se chama Jazz). Um utilitário Nissan Frontier vale, no Brasil, 91% a mais que nos Estados Unidos. Se ambos os compradores pagassem o mesmo imposto, mesmo assim esse carro custaria ao brasileiro 31% a mais.
Estudos indicam que enquanto não houver uma verdadeira disputa pelo mercado interno, e enquanto quatro montadoras continuarem concentrando 81% do volume comercializado, os estímulos oferecidos pelo governo aos compradores serão, na realidade, estímulos para que a indústria continue ganhando cada vez mais.
E assim, o país que é o quarto maior mercado mundial continuará sendo o principal motor de lucros de uma indústria tão poderosa quanto beneficiada no Brasil.
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