Micropoluição das águas

domingo, 2 de setembro de 2012

"O combate, agora sem fronteiras, a que se entregam os mais ricos e poderosos, pela posse do espaço, do dinheiro, dos bens e dos signos, termina, ou melhor, deve chegar, segundo sua dinâmica, a seu término. Porque produz um mundo exatamente sem fronteiras, que a ninguém mais pode pertencer."  -  Michel Serres  -  O Mal limpo - poluir para se apropriar


Na Europa e Estados Unidos, desde a década de 1980 já é grande a preocupação com a qualidade da água. Não que a pureza do líquido não atendesse às especificações estabelecidas por normas sanitárias internacionais, ao contrário. Os consumidores recebem em suas casas água potável da mais alta qualidade, tanto que em algumas regiões da Alemanha e da França a água da torneira tem a mesma qualidade da água mineral, comercializada a altos preços em garrafas, nos restaurantes tradicionais.
O que vem preocupando as autoridades sanitárias daquelas regiões é a presença de diversas substâncias que não podem ser removidas da água pelo tratamento convencional. Análises laboratoriais constataram que águas de rios, lagos e barragens, aparentemente livres de qualquer contaminação, continham pequenas quantidades de poluentes provenientes de medicamentos (hormônios, drogas ilícitas); produtos de beleza; higiene pessoal e limpeza; aditivos para gasolina, entre outros.
No Brasil ainda estamos em um patamar diferente. Damo-nos por satisfeitos quando nossas estações de tratamento de água (ETAs) conseguem eliminar as substâncias patogênicas e tóxicas mais elementares que ainda pululam em nossas águas destinadas ao consumo humano. Recebendo efluentes domésticos e industriais, agrotóxicos e lixo, as águas dos rios que se transformam na água que bebemos precisam receber um forte tratamento químico, antes de chegarem às nossas torneiras – quanto mais suja a água, tanto mais caro o processo para purificá-la. Mas, na prática, ainda estamos bastante afastados do nível de preocupação dos países desenvolvidos, com relação à pureza da água.
Recentemente, no entanto, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) do Ministério do Meio Ambiente (MMA), apresentou proposta de desenvolvimento de tecnologias para acompanhamento da qualidade dos rios cujas águas são destinadas ao consumo humano. O objetivo da ação é retirar da água as nanopartículas que possam causar dano à saúde das pessoas. Esses pequenos resíduos, não sendo eliminadas com o tratamento convencional, requerem o uso de tecnologias de ultrafiltração e nanofiltração, por exemplo, capazes de reter moléculas e até vírus. É sabido há tempo que a ingestão de água contendo estes traços de poluentes, mesmo que em mínimas quantidades, pode levar a doenças como o câncer, distúrbios metabólicos e endócrinos, mutações no DNA e outras ainda em estudo. Cogitam os médicos de que a alta taxa de infertilidade feminina e masculina, entre as gerações mais novas, também pode ter relação com estas substâncias dissolvidas na água. O prejuízo, dizem os cientistas, não está na quantidade, mas na ingestão prolongada.
No Brasil ainda estamos tecnologicamente atrasados, às voltas com ações visando reduzir a poluição de recursos hídricos destinados ao consumo humano e tentando diminuir perdas de água tratada durante o processo de distribuição aos consumidores. No entanto, com a melhoria da infraestrutura de saneamento, inevitavelmente a micropoluição da água se tornará tema importante. Inúmeros casos de doenças, cujas causas são atribuídas ao acaso ou ao destino, são efetivamente o resultado da falta do uso de tecnologias adequadas para tratar ou impedir a poluição da águas.
(Imagens: fotografias de Tina Modotti)

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