"O combate, agora sem fronteiras, a que se entregam os mais ricos e poderosos, pela posse do espaço, do dinheiro, dos bens e dos signos, termina, ou melhor, deve chegar, segundo sua dinâmica, a seu término. Porque produz um mundo exatamente sem fronteiras, que a ninguém mais pode pertencer." - Michel Serres - O Mal limpo - poluir para se apropriar
Na Europa e Estados Unidos, desde a década de 1980 já é grande a preocupação com a qualidade da água. Não que a pureza do líquido não atendesse às especificações estabelecidas por normas sanitárias internacionais, ao contrário. Os consumidores recebem em suas casas água potável da mais alta qualidade, tanto que em algumas regiões da Alemanha e da França a água da torneira tem a mesma qualidade da água mineral, comercializada a altos preços em garrafas, nos restaurantes tradicionais.
O que vem preocupando as autoridades
sanitárias daquelas regiões é a presença de diversas substâncias que não podem
ser removidas da água pelo tratamento convencional. Análises laboratoriais
constataram que águas de rios, lagos e barragens, aparentemente livres de
qualquer contaminação, continham pequenas quantidades de poluentes provenientes
de medicamentos (hormônios, drogas ilícitas); produtos de beleza; higiene
pessoal e limpeza; aditivos para gasolina, entre outros.
No Brasil ainda estamos em um patamar
diferente. Damo-nos por satisfeitos quando nossas estações de tratamento de
água (ETAs) conseguem eliminar as substâncias patogênicas e tóxicas mais
elementares que ainda pululam em nossas águas destinadas ao consumo humano.
Recebendo efluentes domésticos e industriais, agrotóxicos e lixo, as águas dos
rios que se transformam na água que bebemos precisam receber um forte
tratamento químico, antes de chegarem às nossas torneiras – quanto mais suja a
água, tanto mais caro o processo para purificá-la. Mas, na prática, ainda
estamos bastante afastados do nível de preocupação dos países desenvolvidos, com
relação à pureza da água.
Recentemente, no entanto, o Conselho
Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) do Ministério do Meio Ambiente (MMA),
apresentou proposta de desenvolvimento de tecnologias para acompanhamento da
qualidade dos rios cujas águas são destinadas ao consumo humano. O objetivo da
ação é retirar da água as nanopartículas que possam causar dano à saúde das
pessoas. Esses pequenos resíduos, não sendo eliminadas com o tratamento
convencional, requerem o uso de tecnologias de ultrafiltração e nanofiltração,
por exemplo, capazes de reter moléculas e até vírus. É sabido há tempo que a
ingestão de água contendo estes traços de poluentes, mesmo que em mínimas
quantidades, pode levar a doenças como o câncer, distúrbios metabólicos e
endócrinos, mutações no DNA e outras ainda em estudo. Cogitam os
médicos de que a alta taxa de infertilidade feminina e masculina, entre as
gerações mais novas, também pode ter relação com estas substâncias dissolvidas na
água. O prejuízo, dizem os cientistas, não está na quantidade, mas na ingestão
prolongada.
No Brasil ainda estamos
tecnologicamente atrasados, às voltas com ações visando reduzir a poluição de
recursos hídricos destinados ao consumo humano e tentando diminuir perdas de
água tratada durante o processo de distribuição aos consumidores. No entanto,
com a melhoria da infraestrutura de saneamento, inevitavelmente a micropoluição
da água se tornará tema importante. Inúmeros casos de doenças, cujas causas são
atribuídas ao acaso ou ao destino, são efetivamente o resultado da falta do uso
de tecnologias adequadas para tratar ou impedir a poluição da águas.
(Imagens: fotografias de Tina Modotti)
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