...da série "Assim se vive no Brasil!"

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Pompa, pôr do sol e 'Maria Isabel'
Tapete vermelho para magistrados em Teresina
Texto publicado no jornal online O Estado de S.Paulo em 28 de janeiro de 2012

Mergulhada na crise dos contracheques que não explica e acuada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a toga não se faz de rogada. Reunidos na noite de quinta-feira, os desembargadores que presidem os 27 Tribunais de Justiça do Brasil viveram instantes agradáveis e do jeito que mais apreciam. Entre um e outro pronunciamento de defesa veemente das prerrogativas da classe abriram espaço para a liturgia das honrarias, insígnias e colares de mérito.

Foi uma noite lancinante para os doutores do Judiciário. A eles estenderam o tapete vermelho, novinho em folha e tão fofo que só pisando para saber. Cruzaram o túnel de lanceiros e a guarda de honra até o auditório, onde às 20 horas foi declarada aberta a 90.ª edição do Colégio Nacional dos Presidentes de TJs.

O colégio é um fórum que aloja a elite da categoria, os quatrocentões, como se diz, porque ingressaram na magistratura nos idos dos anos 60, salvo exceções. Soberanos do Judiciário em seus Estados, vieram a Teresina para debater "o aprimoramento das atividades do Judiciário".
Também para reafirmar compromisso de lutar pela independência do poder, que vive página perturbadora de sua história. E, ainda, para se queixar que estão à míngua, por desfeitas do Executivo que "há mais de seis anos" não lhes dá reposição salarial.

O governador Wilson Martins (PSB) deu o ar da graça, ao lado do prefeito da capital Elmano Ferrer (PTB) e demais autoridades que foram prestigiar o importante evento. Martins sugeriu, quase decretou, a tão ilustres visitantes que não retornassem a seus Estados sem ver o pôr do sol do Piauí, sem conhecer o Delta do Parnaíba e os 66 quilômetros de praias de seu Estado.

Algo mais. "Os senhores têm que comer Maria Isabel!", instigou a certa altura o governador, referindo-se ao prato de arroz com tiras de carne de sol. Depois foram todos contemplados com o folclore da terra. Na sanfona e nos pés, a banda dos vaqueiros entoou o Hino Nacional. O coral empolgou os magistrados.

O ponto alto da festa se deu quando dez desembargadores foram agraciados com o Colar do Mérito do Judiciário - a medalha Ernesto Batista, de 5 centímetros de diâmetro, pendurada na fita vermelha e azul com 40 centímetros de comprimento. Ficaram orgulhosos e faceiros com o adereço - e, então, passaram aos pronunciamentos, em que Henrique Nélson Calandra, da Associação dos Magistrados Brasileiros, alertou que "o caminho dessa cruz que estamos carregando exige de todos nós compartilhamento de bandeiras, de causas".

A surpresa ficou para o final, já eram 22h45, quando Victória Moura, de 11 anos, irrompeu no palco e se pôs a cantar Amigos para sempre, em parceria com um senhor de 64 anos - seu pai, desembargador Edvaldo Pereira de Moura, presidente do Tribunal do Piauí. E todos se comoveram e de pé aplaudiram. / F.M.

A origem das instituições em Marx

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
"A indústria cultural realizou maldosamente o homem como ser genérico. Cada um é tão-somente aquilo mediante o que pode substituir todos os outros: ele é fungível, um mero exemplar. Ele próprio, enquanto indivíduo, é o absolutamente substituível, o puro nada, e é isso mesmo que ele vem a perceber quando perde com o tempo a semelhança."  -  T. Adorno & M. Horkheimer  -  Dialética do esclarecimento 

A filosofia de Marx teve como ponto de partida o pensamento de Hegel (1770-1831). Mas Marx, de certo modo, fez juz àquela máxima que diz que “o bom discípulo é aquele que ultrapassa o mestre”. Valendo-se do pensamento de seu mestre, Marx criou sua própria linha de pensamento para análise do mundo.
O pensamento de Hegel era fortemente influenciado pelo devir histórico; o desenrolar histórico tinha um papel fundamental na explicitação da filosofia hegeliana. Este pensador explicava as instituições humanas como resultado de uma racionalidade inerente ao mundo. Esta racionalidade era uma manifestação do desenvolvimento do Espírito; uma entidade abstrata elaborada por Hegel, e que seria o impulsionador, principal personagem e o próprio sujeito da história humana e do cosmo (daí a importância da história). Segundo Hegel, todo o devir da história humana e do próprio desenvolvimento do universo é um processo (palavra importante no pensamento de Hegel) por que passa o Espírito – conceito que pouco ou nada tem a ver com o conceito de Deus do cristianismo, assemelhando-se mais ao conceito de Brahma do hinduísmo. Sobre este aspecto da filosofia de Hegel escrevem Reale e Antiseri:
Na Fenomenologia do Espírito (a principal obra de Hegel), como se evidencia do que foi dito, existem dois planos que se interseccionam e se justapõem:
1) há o plano constituído pelo caminho percorrido pelo Espírito para chegar a si mesmo ao longo de todos os acontecimentos da história do mundo que, para Hegel, é o caminho ao longo do qual o Espírito se realizou e se conheceu; 2) mas há também o plano próprio simples do indivíduo empírico, que deve percorrer novamente aquele caminho e apropriar-se dele. A história da consciência do indivíduo, portanto, outra coisa não pode ser senão o percorrer a História do Espírito.” (Reale, Antiseri, 1991, V. III, p. 112)
Para Hegel, a estrutura social com todas as suas instituições, era efetivamente uma necessidade racional; algo no interior das cabeças dos homens que se exteriorizava (por serem estes, de certo modo, uma manifestação do Espírito). O mundo e todas as relações sociais eram – coerente com o papel que Hegel dava ao Espírito na história – a manifestação de uma racionalidade que aos gradualmente se exteriorizava no desenrolar histórico. Hegel estava tão convencido deste processo que escrevia que “o real é racional e o racional é real” – já que o real é manifestação de uma ordem racional, o Espírito.
Hegel foi o maior expoente da filosofia idealista moderna, cuja genealogia remonta a Platão. De modo simplificado, pode-se descrever a filosofia idealista como a que pressupõe que a realidade com a qual lidamos oculta uma ordem, ou uma dimensão que não é perceptível empiricamente. No entanto, através do conhecimento, da filosofia (ou da matemática para alguns pensadores) podemos apreender esta oculta racionalidade. Para alguns filósofos, esta realidade ou racionalidade oculta era Deus ou era mantida por ele.
Estudando Hegel, Marx compreendeu que o surgimento, a mudança e a substituição das instituições jurídicas e políticas – o desenrolar da história humana – só poderia ser explicada pelas condições materiais e suas mudanças. Fortemente influenciado pelo materialismo, Marx não podia aceitar as teses idealistas de Hegel, que para ele eram ideologia, ou seja, uma idealização da realidade. Já em sua tese de doutorado “Diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro”, Marx escreve:
Quando a filosofia, enquanto vontade, se opõe ao mundo fenomênico, o sistema se transforma em uma totalidade abstrata, num lado do mundo, ao qual se opõe um outro lado. Na medida em que tende a refleti-lo, ao desejar realizar-se, entra em luta com o Outro.” (Marx, s/d, p.30).
Marx defendia que a filosofia de Hegel interpretava o mundo de cabeça para baixo. Daí ocorreu-lhe a grande idéia, munido das noções do materialismo e com profundos conhecimentos de história, de que ocorre exatamente o contrário: são as condições materiais que propiciam as alterações na sociedade civil, ou seja, nas instituições e idéias. Escreve Marx:
O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de fio condutor aos meus estudos, pode ser formulado em poucas palavras: na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral da vida social, político e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência.” (Marx, 1974, p. 136).
Identificar os fatos econômicos como sendo a base – mas não o único fator causador – das alterações na estrutura social, foi o grande passo para que Marx pudesse desenvolver toda uma nova interpretação da história e das relações entre os homens. Convencido de que são as relações de produção que dão rumo à história, Marx escreve com Engels em seu Manifesto do Partido Comunista:
Será preciso uma excepcional inteligência para compreender que, quando forem modificadas as condições de vida dos homens, as suas relações sociais e sua existência social, mudarão também em suas representações, as suas concepções, os seus conceitos – numa palavra, a sua consciência? O que prova a história das idéias senão que a produção espiritual se transforma com a transformação da produção material? As idéias dominantes de uma época sempre foram as idéias da classe dominante.” (Marx, Engels, 2001, p.57).
Bibliografia:
MARX, KARL e ENGELS, FRIEDRICH. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo. Editora e Livraria Anita: 2001, 80 p.
MARX, KARL. Para Crítica da Economia Política in Coleção Os Pensadores. São Paulo. Abril Cultural: 1974, 410 p.
MARX, KARL. Diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro. São Paulo. Global Editora: s/d, 128 p.
REALE, GIOVANNI e ANTISERI, DARIO. História da Filosofia Vol. III. São Paulo. Paulus Editora: 1991, 1111 p.
(Imagens: Joseph Mallord William Turner)

Considerações oportunas (XXI)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Justiça agora também aparece na imprensa

Jornal O Estado de São Paulo online em 23 de janeiro de 2012
Passivos milionários do Judiciário revelam falhas nas normas
O Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Ivan Sartori, informa que magistrados e servidores da Justiça paulista teriam créditos a receber de cerca de R$ 3 bilhões, relativos a vantagens funcionais. O tribunal estaria disposto a pagá-los administrativamente, mas precisa de novos recursos orçamentários.

Escreve Aristóteles em “Política”:
“Ora, tudo isso como que vem provar que não há justiça nem razão nas prerrogativas pelas quais algumas classes pretendem dever mandar e todas as demais obedecer-lhes. Aos que têm a pretensão de que a virtude ou a riqueza lhe confere o direito de comando, a multidão poderá objetar com razão muito justa: nada obsta que a multidão seja melhor e mais rica do que a minoria, não individualmente, porém em massa.”

Farinha pouca, meu pirão primeiro!

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
"Os países geralmente oferecem incentivos fiscais e outros subsídios às empresas transnacionais, pois competem uns com outros pela captação de capital estrangeiro. Quando se trata de recursos naturais, as concessões geralmente são obtidas por meio de suborno."  -  George Soros  -  Globalização 

Começou o verão, chegaram as chuvas e com elas as enchentes, os desabamentos, as perdas materiais e de vidas humanas. Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro são até o momento os estados mais afetados com as inundações. Na região serrana do Rio de Janeiro a situação é de alerta, já que maioria das casas destruídas durante a catástrofe ocorrida em início de 2011 ainda não foi reconstruída. Faltaram verbas federais e estaduais e os poucos recursos alocados foram, aparentemente, malversados. O Ministério Público deu início a uma investigação já em abril do ano passado, mas o caso foi esquecido e até o momento ninguém foi responsabilizado.
Repetem-se os acontecimentos que sempre ocorrem nesta época, durante os últimos anos: rodovias submersas, cidades isoladas e inundadas, milhares de desabrigados, além de outros problemas que surgem em tais situações. O governo federal e os governos estaduais empurraram novamente o problema com a barriga e não investiram em medidas preventivas, enquanto especialistas já haviam anunciado que ocorreriam novas catástrofes e, provavelmente, mais mortes. Uma das poucas exceções neste quadro é a cidade de Belo Horizonte, que apesar de castigada pelas chuvas conseguiu reduzir os acidentes, depois de implementar um programa de gerenciamento das áreas de risco ao longo dos últimos anos. Prova de que a vontade política (leia-se respeito ao cidadão) aliada a um planejamento pode trazer bons resultados – mesmo sem polpudas verbas para gastar.
Fato mais lamentável ainda em todo este contexto é a atitude do ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho. Segundo um levantamento realizado pela organização “Contas Abertas”, 90% das verbas federais destinadas à prevenção de acidentes naturais em 2011 foram encaminhadas a um só estado; significativamente o estado de Pernambuco, onde Bezerra tem interesses políticos, pretendendo o cargo de prefeito da cidade de Recife. Aliás, Bezerra pertence ao PSB (Partido Socialista Brasileiro), aquela mesma agremiação política que nos brinda com sua propaganda eleitoral, dizendo que é o partido cujos políticos não estão envolvidos em escândalos. Já em 2012, Pernambuco receberá – graças a seu filho ilustre – um volume de 81,4 milhões de reais. Comparativamente, o estado do Rio de Janeiro, palco das desgraças ocorridas no ano passado, será contemplado com apenas 73 milhões de reais.
O Ministério da Integração Nacional parece ter uma visão bastante particular sobre como aplicar verbas para áreas de risco, já que dos 251 municípios brasileiros com perigo de inundações e deslizamentos apenas 23 receberam verbas do programa “Prevenção e Preparação para Desastres”. Perguntado sobre a distribuição dos recursos, o ministro disse que na análise dos projetos pesaram os critérios técnicos. “Houve, por parte de todos os técnicos, análise para que pudéssemos selecionar os projetos. O dinheiro é muito pequeno. Temos que selecionar os melhores projetos”, completou o ministro.
Fica aqui a sugestão de se realizar uma enquete sobre o que acham a respeito da distribuição das verbas do ministério os 168.365 cidadãos brasileiros, que segundo o site “Contas Abertas” estão morando em áreas de “alto risco” e “muito alto risco”. Parece que os técnicos de Brasília vêem a desgraça das vítimas de uma maneira diferente.
(Imagens: Clyfford Still)

Ano novo e o consumidor continua sendo vítima

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
"A Bíblia nos diz para sermos como Deus; depois, página a página, descreve Deus como um assassino em massa. Esta deve ser a chave mais importante para o comportamento político da civilização ocidental"  -  Robert Anton Wilson 

O consumidor brasileiro teve mais um ano ruim em 2012. Produtos e serviços de baixa qualidade, propaganda enganosa, juros escorchantes, mau atendimento, mercadorias caras, mercados oligopolizados, enfim, “atualmente somos os enganados de um sistema que nos desvia de nossos interesses e nos sacrifica aos seus, persuadindo-nos de que também são os nossos”, como observa o escritor Albert Caraco.
Mas é este infelizmente um dos aspectos de nossa economia. O Brasil é um dos poucos mercados onde as grandes empresas – nacionais e principalmente transnacionais – continuam fazendo bons negócios. O país, convenhamos, é burocrático, relativamente corrupto (o que, no entanto, muitas vezes pode ser uma vantagem) e cobra altos tributos. Por outro lado, oferece atrativos que a maior parte dos outros mercados não pode proporcionar: cerca de 90 milhões de consumidores, ávidos por comprar bens de consumo dos mais variados tipos. Além disso, o brasileiro já está acostumado a pagar preços mais elevados que outros povos – quer-se consumir a qualquer custo. Tudo parece como se fossemos um imenso rebanho de carneiros, pronto para a tosquia com a benesse do governo. Mesmo porque, uma das formas de o atual grupo se manter no governo é a estabilidade econômica, possibilitando ao povo consumir – nem isso, aliás, os governos anteriores foram capazes de proporcionar às massas. Por outro lado, a diferença entre os preços praticados no Brasil e em outros países, para os mesmos produtos, é assunto que pouco se discute, assim como o fato de que o custo de vida por aqui é um dos mais caros do mundo.

Mas, voltemos aos nossos ingênuos e perseverantes consumidores. O jornal O Estado de São Paulo informa que de acordo com o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça, os bancos e as companhias telefônicas continuam sendo os campeões de reclamações por parte dos consumidores. De um total de 1,6 milhão de atendimentos feitos pelos PROCONS (Proteção e Defesa do Consumidor) estaduais no ano de 2011, 81.946 ocorrências eram relacionadas com o grupo Itaú, seguido pelo Oi (80.894), Claro-Embratel (70.150), Bradesco (45.852) e Tim (27.102). Bancos e companhias telefônicas; dois dos setores da economia que mais estão obtendo lucros nesta fase da economia brasileira.
Ainda segundo o relatório do DPDC, a maior parte das reclamações está relacionada a cartões de crédito (9,21%), telefonia móvel (7,99%), serviços bancários (7,26%), telefonia fixa (5,56%) e aparelhos celulares (5,44%). Significativo é que 35,46% das 1,6 milhão de queixas referem-se a cobranças indevidas ou informações insuficientes sobre produtos e serviços; enquanto 19,99% do total são devidas a ofertas não realizadas. Ainda 11,62% dizem respeito a contratos não cumpridos e 11,19% são de reclamações sobre a má qualidade de produtos e serviços.   
Convêm lembrar que grande parte das empresas denunciadas pelos consumidores são as mesmas que nos bombardeiam diariamente com propaganda, dizendo o quanto são socialmente responsáveis, ambientalmente corretas e, além de tudo, o quanto nos respeitam (nós, os consumidores). Espera-se que em muitos casos o Ministério da Justiça tome outras providências contra estas empresas, além de somente publicar os seus nomes. Pois, por quanto tempo continuaremos a nos sentir como carneiros na tosquia?
(Imagens: Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo - Di Cavalcanti)

2012, os maias e o meio ambiente

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
"Um meio de comunicação de massa é um veículo no qual a mensagem não é dirigida a um público, mas através de um público, por assim dizer. O público é tanto o espetáculo quanto a mensagem."  -  Marshall McLuhan  - McLuhan por McLuhan 

Começa mais um ano e renovam-se as esperanças e expectativas em relação ao que os próximos 365 dias nos reservarão. Para algumas pessoas mais sugestionáveis, 2012 promete a mudança da ordem mundial, de acordo com as previsões do calendário Maia - que estranhamente só foram divulgadas para o grande público nos últimos dois ou três anos. Para os economistas, as previsões também não são as melhores: crise econômica na Europa, nos Estados Unidos, com reflexos nas economias dos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil. Precavidos, o ministro do Planejamento Guido Mantega e a presidente Dilma já procuram acalmar os ânimos, prevendo continuidade do crescimento e confiança no mercado interno.
O crescimento da economia deverá se manter em 2012, mas, novamente, a que preço para o meio ambiente? Se, por um lado, é imperativo que a atividade econômica mantenha seu ritmo para garantir os milhões de empregos dos quais depende grande parcela da população, por outro ainda persistem vários problemas ambientais que precisam ser resolvidos e outros que surgem em função do crescimento.
Comecemos pelos dois maiores problemas ambientais urbanos do Brasil: a questão do saneamento e a gestão dos resíduos domésticos. São pendências que acompanham o desenvolvimento da sociedade brasileira há muitas décadas e que se tornaram mais graves a partir dos anos 1960, quando ocorreu um rápido aumento da população e o crescimento das grandes metrópoles, sem que o Estado alocasse recursos suficientes para o atendimento deste tipo de serviço (tratamento de água e, além de tudo, tratamento de esgoto). 
A questão do saneamento - específicamente o tratamento de esgotos domésticos - apesar dos investimentos do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), ainda permanece sem solução na maior parte dos municípios brasileiros. Com isso, a falta de tratamento dos efluentes é hoje responsável pela poluição da maioria dos cursos de água no Brasil, comprometendo a qualidade de vida de milhões de cidadãos e destruindo ecossistemas.
No caso da gestão dos resíduos domésticos (leia-se lixo), estes eram geridos na medida dos recursos das municipalidades, sem que houvesse qualquer legislação responsabilizando os geradores. Em final de 2010 cria-se a Lei Nacional de Resíduos Sólidos, determinando as responsabilidades de geradores e gestores na correta destinação dos resíduos domésticos urbanos. A implantação do marco legal, no entanto, é lenta e depende do envolvimento de diversos agentes; fabricantes, comerciantes, consumidores, associações e prefeituras. Outro aspecto do crescimento da economia é que além de precisar resolver a questão do saneamento e dos resíduos, o país também necessita de cada vez mais recursos para manter a economia em funcionamento. Água, energia, combustíveis, minérios e solos agricultáveis precisarão ser providenciados em quantidades cada vez maiores, o que acaba gerando impactos adicionais aos ecossistemas.
Como manter o crescimento da economia, proporcionando melhores condições de vida para a população e ao mesmo tempo implantar medidas que permitam a proteção do meio ambiente, otimizando o uso dos recursos naturais e reduzindo a poluição? Esta pergunta cada sociedade precisa responder à sua maneira. Algumas sociedades, como a civilização maia, no passado deram a resposta errada e desapareceram - apesar do poder de previsão de seu calendário.
(Imagens: Abigail de Andrade)

Índia e Brasil: como interesses econômicos prejudicam parte da população

domingo, 8 de janeiro de 2012


"A maioria dos filósofos da felicidade explorará a via individual, a única que depende de cada um, pois a via coletiva está na mão dos políticos, que rarmente são filósofos. Por esse motivo, os pensadores que vislumbram as condições sociais da felicidade fazem-no sob a forma sonhada da utopia."  -  Georges Minois  -  A idade de ouro -  História da busca da felicidade

A Índia e o Brasil têm muitos aspectos em comum. Fazendo parte dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ambos os países estão em fase de crescimento econômico, melhorando o nível de vida de milhões de pessoas. Aumento do consumo, da produção e dos impactos ambientais destas atividades, são fatos que ocorrem nos dois países.
Em recente artigo publicado na revista "Development and Cooperation" (http://www.dandc.eu/index.en.shtml), a ambientalista indiana Sunita Narain, diretora geral do Center for Science and Environment, uma ONG baseada em Delhi, e da revista "Down to Earth" (www.downtoearth.org.in), chamou a atenção para aspectos do crescimento econômico daquele país, que estão afetando as populações mais pobres. Sunita aponta, por exemplo, o embate entre policiais e agricultores de Noida, localidade nos subúrbios de Delhi, onde terras serão desapropriadas para a construção de uma grande autoestrada. O valor que a municipalidade quer pagar pelas terras é baixo e os camponeses arrendatários não recebem nada, perdendo qualquer meio de subsistência. No estado indiano de Andhra Pradesh, no ano passado, a polícia reprimiu uma manifestação de dez mil pessoas, matando duas. A população protestava contra a construção de uma termelétrica, que comprometeria grande parte dos recursos hídricos da região.
Escreve a ambientalista que praticamente todos os projetos de infraestrutura estão sob ataque das comunidades, que temem perder seus meios de sobrevivência. Estas comunidades são a vanguarda do movimento ambientalista indiano; os seus mais determinados ativistas. "Eles sabem que são pobres e estão dizendo tão alto e claro quanto podem, de que aquilo que outros chamam de desenvolvimento somente os fará mais pobres", escreve Sunita. "É isto o que eu chamo de ambientalismo dos pobres. A verdade é que projetos de desenvolvimento estão usando recursos locais - minerais, água e terra. Mas eles não geram empregos para compensar as perdas sofridas pelas pessoas que foram desalojadas. O progresso mal planejado está destruindo mais meios de subsistência do que criando novos", argumenta a ambientalista. Em outro trecho de seu artigo, a ativista chama a atenção para o fato de que "o desafio é prover ganhos com o desenvolvimento para um grande numero de pessoas. Isto requer que inventemos um crescimento que tanto seja acessível quanto sustentável". 
O tipo de desenvolvimento que ocorre na Índia e no Brasil é bastante semelhante. Apesar de o crescimento econômico permitir a ascensão de milhões de pessoas a um padrão de consumo melhor, ocorre, no entanto, à custa da destruição do modo de vida de populações desprotegidas e dos recursos naturais. O caso da construção das barragens do Rio Madeira e do Rio Xingu (Belo Monte) - e seus inúmeros impactos sociais, ignorados pelo governo e interessados nos empreendimentos - são casos comparáveis aos que ocorrem na Índia. Em todos os países em desenvolvimento há uma longa lista de obras de infraestrutura e de grandes empreendimentos privados, que estão sendo realizados com grande impacto ambiental e social. A quem beneficiam mais estes grandes empreendimentos? "O único guia para a mudança é democracia e mais democracia”, diz a combativa Sunita Narain. Mas, convêm lembrar, de que democracia não é simplesmente a vontade da maioria; esta muitas vezes iludida por propaganda tendenciosa ou mal informada pela falta de notícias.
(imagens: Alberto Burri)

Florestan Fernandes e sua obra sociológica

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
"Uma decepção singular transparece dessas últimas palavras de Platão. Pois diante da seriedade divina evocada aqui mais uma vez, as formas de vida humana deveriam lhe parecer irremediavelmente imperfeitas. A maioria das pessoas parecia ser apenas brinquedos num jogo que elas não vislumbravam como tal, e cujas regras elas não conheciam. Eram na sua maioria existências de marionetes, "títeres" que "participavam da verdade" apenas em pequens parcelas."  -  Manfred Geier  -  Do que riem as pessoas inteligentes? Uma pequena filosofia do humor

Florestan Fernandes foi um sociólogo que em toda a sua obra sempre se colocou sob o ponto de vista dos excluídos. De origem bastante humilde, descendente de imigrantes portugueses que não tiveram sucesso em São Paulo, Florestan Fernandes começou a trabalhar desde criança, vivendo em condições adversas na região central da São Paulo da década de 1930. Com muito esforço e dividindo seu tempo entre trabalho e estudo, Florestan conseguiu se formar e tornar-se professor.
Um dos aspectos interessantes da personalidade de Florestan foi sua persistência e seu senso de urgência. Em um depoimento dados por Antonio Cândido, este relata que Florestan, por não ter tempo livre (precisava trabalhar e estudar), aproveitava qualquer minuto disponível para ler. Por ser pobre, trabalhava para se manter, diferente dos outros intelectuais seus colegas, que pertenciam todos a famílias abonadas. Sendo assim, Florestan evitava a todo custo perder tempo com atividades não ligadas ao estudo.
As primeiras produções intelectuais de Florestan datam da década de 1940 – época em que também obteve sua graduação e pós-graduação em sociologia –, já demonstrando um forte interesse pelo folclore e pela cultura negra. No final dos anos 1940 produz suas primeiras obras de envergadura, analisando a sociedade e a guerra dos índios tupinambá. A partir dos anos 1950 seus textos aprofundam-se cada vez mais em temas relacionados com sua área de estudos, como as relações raciais entre negros e brancos, o ensino e desenvolvimento da sociologia, a questão do folclore, o subdesenvolvimento e as questões políticas. Suas últimas obras, em 1994 e 1995, tratam da democracia e do socialismo.
Apesar de ser um grande intelectual – um dos maiores do século XX no Brasil – Florestan nunca deixou para trás suas idéias políticas, marcadas pela influência da filosofia marxista e do socialismo. Sintomaticamente, um dos primeiros textos escritos pelo grande sociólogo foi “Marx e o pensamento sociológico moderno” (in Marx, Karl, Contribuição à crítica da economia política, traduzido pelo próprio Florestan). Mesmo conhecido no Brasil e no exterior e tendo ocupado um cargo de deputado federal no Congresso, Florestan sempre continuou fiel e solidário aos explorados e oprimidos pelo sistema social. 
Um dos primeiros textos representativos do autor, retratando um personagem marginalizado – porque pertencente a um grupo indígena – é o texto “Tiago Marques Aipobureu: um Bororo marginal”, publicada na Revista do Arquivo Municipal de São Paulo em 1946. Neste texto Florestan procura retratar um caso concreto: a crise de personalidade revelada em sua conduta pelo índio bororo Tiago Marques Aipobureu, utilizando-se de material pesquisado por terceiros. Aipobureu foi um índio inteligente, tendo estudado com os salesianos e completando sua educação na Europa. Com saudades volta para o Brasil e se casa. Mas, por não se adaptar completamente à vida do branco ou à do índio, tem uma série de problemas com a esposa, a comunidade indígena e a branca. A situação acaba trazendo-lhe vários problemas. Como escreve Florestan: “No fundo, pois, por ser um Bororo civilizado, não “serve” para ambos os grupos”.
O tema escolhido reflete a preocupação de Florestan com as camadas mais baixas da sociedade, o que o levará em uma fase posterior a estudar a situação do negro e do racismo. Em sua obra em dois volumes “A integração do negro na sociedade de classes”, Florestan trata das relações raciais no Brasil, contrapondo-se à posição de miscigenação defendida por Gilberto Freyre na década de 1930. No estudo, Florestan também discorda de seu mestre Roger Bastide, professor na USP, que defendia a idéia de uma democracia racial no Brasil. Na obra, Florestan Fernandes utiliza-se de dados empíricos e relatos diversos, para descrever as difíceis condições de adaptabilidade das populações negras a uma sociedade de trabalho livre. Os negros, recém libertos, não estavam adaptados a uma sociedade mercantil. Por não terem tido uma educação, condicionamento e não saberem dispor de certa liberdade que caracteriza o sistema de produção capitalista, os negros sentiram-se em grande parte despreparados para enfrentar este novo ambiente que se lhes abria com a abolição da escravatura.


O negro, sempre tutelado pelo senhor, era agora simplesmente “jogado” no mundo e obrigado a tomar suas próprias decisões, sem ter sido preparado para isso. Além disso, as populações negras ainda sofriam a concorrência dos imigrantes brancos – estes já preparados para uma economia capitalista; muitas vezes com experiência de atuação em fábricas e sabendo exercer uma profissão. Os negros, por outro lado, por não terem como se adaptar a sua nova situação social, eram classificados como indolentes, irresponsáveis, incapazes de cumprir acordos – quando na verdade para tal nunca haviam tido oportunidade de se preparar. 
Em outras palavras, o negro, abolida a escravidão, foi abandonado a sua própria sorte e não recebeu nenhum tipo de assistência para poder participar da nova sociedade que se formava. O que acontece então é que o negro tende a ocupar postos subalternos na sociedade, por não ter sido preparado a utilizar sua liberdade. Apesar de a Constituição de 1891 garantir a igualdade jurídica de todos os brasileiros, o Estado não dá condições para que todos os cidadãos tenham condições de alcançar esta paridade. Os negros, de modo geral, continuaram sendo injustiçados de várias maneiras.
Mesmo entre os negros, segundo Florestan Fernandes, havia distinção. Existiam os “negros da casa grande” e os “negros do eito”. Estes últimos tinham exercido funções mais rústicas e por isso não sabiam ler ou escrever; não tinham pessoas que lhes indicassem um cargo ou que lhes dessem alguma roupa para provocar uma boa impressão. As mulheres deste grupo ainda tiveram um pouco mais de sorte, podendo atuar como empregadas, lavadeiras ou cozinheiras. Aos homens estava reservado um destino mais cruel: sem ocupação regular, sobreviviam de serviços temporários e passavam as horas vagas em bares, terrenos baldios tornando-se muitas vezes viciados no em álcool. Esta mesma situação social fazia com que famílias se desestruturassem, gerando promiscuidade e encaminhando as novas gerações muitas vezes para o roubo ou a prostituição.
Os “negros de casa grande” tinham um pouco mais de chance. Alguns sabiam ler ou escrever e por vezes eram bem relacionados, chegando a receber apoio do antigo senhor. Os trabalhos que exerciam não eram os mesmos exercidos pelos brancos, mas pelo menos ofereciam certas garantia e estabilidade, proporcionando uma melhor integração na sociedade.
Conclui Florestan Fernandes que dado este quadro histórico, é impensável a idéia de um povo brasileiro único, na forma de uma democracia social, como escreveram alguns autores do século XX. Fato é que os negros nunca foram totalmente excluídos da sociedade de classes, nunca houve um conflito aberto interracial. Mas por outro lado também é verdade que os negros nunca foram tratados como iguais; a promessa da abolição continuou sendo uma promessa não realizada.
Bibliografia:
Democracia racial, Disponível em:
< www.fflch.usp.br/sociologia/asag/Democracia%20racial.pdf> Acesso em 14/09/2011
Fernandes, Florestan. Leitura & Legados. São Paulo. Global Editora: 2010, 374 p.
Florestan Fernandes e o negro: uma interpretação política. Disponível em:
< HTTP://grabois.org.br/beta/imprimirev.php?id_sessao=50&id_publicacao=151&id_indi...>
Acesso em 15/09/2011
Resenha “Integração do Negro na Sociedade de Classes”: uma difícil via crucis ainda a caminho da redenção. Disponível em: < www.cchla.ufrn.br/cronos/pdf/9.1/r1.pdf> Acesso em 13/09/2011
(imagens: Paul Delvaux)