..."de dia falta água, à noite falta luz!"

sábado, 27 de dezembro de 2014
"A religião não é um tipo primitivo de teorização científica, nem a ciência é um tipo superior de sistema de crenças. Assim como os racionalistas interpretaram mal os mitos, como se fossem protoversões de teorias científicas, cometeram o erro de acreditar que as teorias científicas podem ser literalmente verdadeiras. Ambos são sistemas de símbolos, metáforas para uma realidade que não pode ser expressa em termos literais."  -  John Gray  -  A busca pela imortalidade

Como se não bastasse parte do país enfrentar a maior falta d’água nas últimas décadas, corre também o risco de enfrentar “cortes seletivos de energia”. O aviso foi dado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) aos geradores e distribuidores de energia. A medida, segundo especialistas, pode-se fazer necessária para manter os níveis dos reservatórios de água, garantindo o fornecimento de energia principalmente para as grandes cidades nos meses de janeiro e fevereiro, quando há um aumento da demanda por eletricidade.
A ocorrência de uma eventual economia forçada de energia não é novidade para aqueles que atuam no setor elétrico. Esta coluna já havia comentado o fato em janeiro deste ano, com o artigo “Calor aumenta a demanda por eletricidade”. Assim, à medida que o nível dos reservatórios baixava, sem que o volume de água fosse reposto pelas chuvas tão aguardadas, seria só uma questão de tempo para que o governo fosse forçado a implantar medidas mais duras de economia de eletricidade. Durante o período pré-eleitoral nada foi feito para não atrapalhar a campanha de reeleição da presidente Dilma – assim como o governo de São Paulo também procurou postergar ao máximo a discussão da crise hídrica.
Até agora o governo não tomou nenhuma providência concreta, baseado no fato de que, segundo a própria presidente, o país tem 20 mil megawatts de reserva em energia térmica. No entanto diversas instituições e ONGs vêm chamando a atenção sobre a necessidade de ser iniciar uma campanha para economizar eletricidade, assim como já está sendo feito para a água. Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, disse em declaração ao jornal Folha de São Paulo que “Os reservatórios estão em nível inferior ao de 2013, que já era crítico. Para evitar especulações, o governo deveria ter maior clareza em suas ações.”
O fator mais importante deste dilema é o volume de chuvas que São Pedro nos colocará à disposição entre novembro de 2014 e março de 2015, tanto para o abastecimento de água quanto a geração de eletricidade. Dependendo da quantidade de água que cair sobre a região Sudeste e Centro-Oeste, aumentará ou diminuirá o risco de desabastecimento de energia e água nas regiões em 2015. Ainda assim, há males que vem para o bem: não fosse a crise econômica e a baixa produção industrial, o consumo de água e energia seria ainda maior, forçando o governo a implantar medidas de racionamento imediatamente.
Prevenir é sempre a melhor política de segurança. Mesmo que a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) ou o MME ainda não tenham anunciado oficialmente a necessidade de economizar energia elétrica, o cidadão já pode começar a fazer a sua parte. Existem diversos sites que contêm sugestões sobre como reduzir o consumo de energia com a troca de lâmpadas, cuidados com aparelhos elétricos e eletrônicos; medidas que poderão fazer uma grande diferença na conta de luz ao final do mês.
Além disso, podemos cobrar de nossos deputados a votação de leis que ajudem na implantação de políticas mais duras com relação à eficiência energética. É incrível o volume de eletricidade perdida em equipamentos de uso diário, que utilizam tecnologias ultrapassadas. O custo desta energia dissipada é pago pelo consumidor. Já que o país precisa economizar energia, podemos exigir que se fabriquem produtos mais modernos e eficientes.
(Imagens: fotografias de Marcel Gautherot)

Energia solar: o avanço da solar fotovoltaica

sábado, 20 de dezembro de 2014
"Ver a mente consciente pela ótica da evolução, desde as formas de vida simples até os organismos complexos e hipercomplexos como o nosso, ajuda a naturalizar a mente e mostra que ela é resultado de um aumento progressivo da complexidade no idioma biológico."  -  Antonio Damasio  -  E o cérebro criou o homem

O Brasil é o país com o maior potencial de aproveitamento de energias renováveis em todo o mundo, dada sua extensão territorial e localização geográfica. Diferente de outros países que optaram por matrizes energéticas baseadas no petróleo, no carvão e no urânio, estruturamos nossa geração elétrica sobre a matriz renovável hidráulica. Ainda hoje, apesar de grande parte dos principais reservatórios da região sudeste estar com baixa capacidade de água, cerca de 70% da eletricidade consumida no país provêm desta fonte.
Energia renovável sempre foi a opção mais disponível para acionar a economia do país. Nos anos 1970, quando o preço do petróleo chegou a aumentar 400% em alguns meses, o governo implantou um dos maiores programas de combustível renovável em todo o mundo, o Proálcool. A exploração da cana-de-açúcar utilizada para produzir o álcool gera excedentes de biomassa – o bagaço de cana – que é utilizado pelas usinas para gerar eletricidade. Outra fonte renovável, o óleo vegetal, é a matéria prima principal do programa nacional do biodiesel, que hoje adiciona 7% de óleo ao diesel de petróleo, reduzindo importações de óleo mineral e emissões provocadas por sua queima.
Através de outra fonte energética renovável, o vento, o Brasil produz atualmente mais de cinco mil Megawatts (MW) de eletricidade. O parque eólico nacional está em rápida expansão, incentivado pela redução dos custos dos equipamentos, disponibilidade de financiamento privado e público para os projetos e leilões de compra de energia organizados pelo governo. Em 2014 o país tornou-se mundialmente o sétimo colocado em número de parques eólicos instalados, atrás apenas de China, Alemanha, Reino Unido, Índia, Canadá e Estados Unidos.
A energia solar fotovoltaica é a renovável que até o momento vinha recebendo pouco apoio do governo. A criação da figura do micro produtor de energia pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em 2012, e a eliminação de impostos na cadeia produtiva, pouco ajudaram a impulsionar este setor e aumentar a capacidade instalada – hoje em torno de 10 MW. No entanto, recentemente foi dado um importante passo, que poderá impulsionar o mercado de energia solar fotovoltaica da mesma forma como ocorreu com a energia eólica há cinco anos. Através do Leilão de Energia de Reserva foram contratados 889,7 MW de energia fotovoltaica – praticamente 80 vezes mais do que a capacidade atualmente instalada – para serem entregues até 2017. A iniciativa de compra de energia solar através de leilões já havia ocorrido em Pernambuco em 2013, e teve um impacto local. O leilão nacional ora realizado envolverá um numero maior de empresas, fortalecendo o setor no país. “Este é um passo importantíssimo para o fortalecimento da (energia) solar no Brasil. O volume contratado foi excepcional”, afirmou Bárbara Rubim, da campanha de Clima e Energia da ONG Greenpeace.


A energia solar fotovoltaica tem como vantagem sobre as outras renováveis seu baixo custo de instalação – o preço dos painéis solares vem caindo a cada ano – e a flexibilidade da geração descentralizada. Uma providência a ser tomada em curto espaço de tempo é a regulamentação da figura do micro produtor de energia, possibilitando que este possa suprir a rede e que seja remunerado, como acontece nos mercados de energia da Europa e dos Estados Unidos. 
(Imagens: fotografias de Jules Aaron)

Brasil aumenta emissões de gases de efeito estufa

sábado, 13 de dezembro de 2014
..."por outro lado, a ideia de acaso é, talvez, dentre todas as que os homens puderam conhecer, a mais difícil de ser assumida por sua afetividade, pois implica a insignificância radical de todo acontecimento, de todo pensamento, de toda a existência."  -  Clement Rosset  -  A anti natureza elementos para uma filosofia trágica

As emissões brasileiras de gases de efeito estufa (GEE) aumentaram em 7,8% no último ano, segundo o estudo “Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa 2014”, divulgado pela rede de ONGs Observatório do Clima. A produção de gases poluidores – principalmente dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e perfluorcarbonetos – esteve em queda desde 2005, mas apresentou forte crescimento durante o ano de 2013. O aumento se deu em todos os setores da economia; da indústria ao transporte, passando pela agricultura e às mudanças no uso do solo. A ser mantido este ritmo de crescimento nas emissões, o Brasil não conseguirá cumprir as metas voluntariamente assumidas durante a Conferência sobre o Clima em Copenhague (2009), de reduzir a produção de gases entre 36% e 39% até 2020, em comparação com 1990.
O crescimento das atividades econômicas – apesar do baixo crescimento nos últimos anos – está colocando o Brasil entre as nações mais poluidoras do planeta. Nosso nível de emissão de GEE, medido em toneladas de dióxido de carbono (tCO²), está em 7,8 tCO² por habitante por ano; acima da média mundial de 7,2 tCO²/habitante/ano. Com isso, “estamos muito longe de uma economia de baixo carbono”, segundo Tasso Azevedo, coordenador do estudo, em declaração ao jornal Folha de São Paulo. Dois setores da economia foram os maiores responsáveis pelo aumento nas emissões de gases: mudança no uso da terra (leia-se desmatamento) e energia (incluindo os transportes). O primeiro contribuiu com 16,4% no incremento dos GEE, devido aos desmatamentos na Amazônia e no Cerrado. No setor de energia, aumentou a queima de óleo combustível e carvão usado nas usinas termelétricas e cresceu o consumo de diesel e gasolina no transporte.  
Em 2013 o país gerou aproximadamente 3% das emissões mundiais de GEE, ou seja, 1,56 bilhões de toneladas de CO² ou gás equivalente (1,56 GtCO²e). Para totalizar este volume de emissões, os setores econômicos contribuíram percentualmente da seguinte maneira: mudança de solo/desmatamento – 35%; energia/transportes – 30%; agropecuária – 27%; indústria – 6%; e gestão de resíduos – 3%. Para que possa atingir suas metas de emissão, o Brasil não poderá ultrapassar o volume de dois bilhões de toneladas de CO² equivalente (2,2 GtCO²e) anuais de emissão de gases em 2020.
Em Paris, no final de 2015, deverá ocorrer a 21ª Conferência sobre o Clima (COP 21), cujo grande objetivo será dar continuidade às discussões em torno do Protocolo de Kyoto, acordo internacional assinado em 1997 que visava reduzir as emissões mundiais de GEE. Diferente das conferências anteriores, a COP 21 será realizada em novo ambiente político. Os dois maiores emissores, os Estados Unidos e a China, responsáveis por 50% das emissões mundiais e sempre avessos a assumirem compromissos de redução de emissões no passado, estão trabalhando firmemente para baixarem suas emissões domésticas. Com isso, certamente virão à Paris com o objetivo de aceitar metas de redução e também de cobrá-las dos países em desenvolvimento – o chamado Grupo dos 77, entre os quais também se inclui o Brasil. O não cumprimento destas metas de redução negociadas, segundo especialistas, poderia implicar em sanções comercias às nações que não mantivessem o que prometeram. Em Paris não haverá mais espaço para bravatas e promessas sem compromisso em relação ao clima. 
(Imagens: fotografias de John Gutmann)

O ensino da sociologia no nível médio

sábado, 6 de dezembro de 2014
"Quanto à democracia, todos sabemos que os impérios fortes  a mantêm em casa; só os impérios em declínio a concederam, e na menor dose possível."  -  Eric Hobsbawm  -  Globalização, democracia e terrorismo

De maneira diferente ao restante da América Latina e Europa, onde a sociologia começou a ser ensinada no curso superior, no Brasil o ensino da sociologia começou no curso secundário. No Rio de Janeiro o ensino da sociologia teve início no tradicional colégio Pedro II; em São Paulo e Recife em escolas normais, que – equivalentes ao atual nível médio – preparavam professores para o ensino básico. Deduz-se disto, que o ensino da sociologia no Brasil não visava formar novos professores desta matéria. As cadeiras de sociologia nas escolas, como dizem os próprios historiadores da matéria, eram dadas a autodidatas, profissionais sem conhecimentos aprofundados sobre a disciplina.
É somente a partir de 1933 que passa a existir um curso superior de sociologia, na escola livre de Sociologia e Política de São Paulo. Neste início do ensino da sociologia no Brasil, grande parte dos professores era de origem estrangeira, como pode ser constatado do quadro de professores da Universidade de São Paulo (USP), fundada em 1934.
O ensino da sociologia foi se desenvolvendo, principalmente no estado de São Paulo, onde grandes nomes como Florestan Fernandes se destacavam como docentes da USP. Em 1958 o educador Anísio Teixeira funda no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos; o Núcleo de produção de estudos da Sociologia da Educação, que se dedicará a produzir pesquisas nesta área. A iniciativa, no entanto, foi suspensa com as novas diretrizes educacionais estabelecidas depois do golpe militar de 1964. Em 1968, com a reforma do ensino, a pesquisa universitária passa a ser definitivamente desvinculada do ensino. A partir daí ocorre um crescente distanciamento da pesquisa e do ensino da sociologia que perdura até hoje.  
Um dos grandes debates referentes ao ensino da sociologia no nível médio na década de 80 e 90 era com relação à qualidade do material didático. Não havia material específico; os manuais eram generalistas ou eram publicações destinadas aos primeiros semestres dos cursos de ciências humanas e jornalismo. Outro aspecto é que as escolas de ciências sociais, como a escola da USP, não se preocuparam em criar cursos específicos para a formação de professores para o ensino secundário. Além disso, não havia material disponível para os professores; não havia uma prática longamente experimentada e implantada.
Parte destes problemas começou a ser resolvida com a nova Lei das Diretrizes de Base (LDB nº 9.394/96), que também estabeleceu alguns aspectos no ensino da sociologia no nível médio. Mesmo assim, no entanto, os parâmetros do ensino desta matéria ainda não estão totalmente unificados, havendo grandes variações na sistemática e no conteúdo de escola para escola. Outro aspecto é que o ensino da sociologia, apesar de obrigatório no nível médio, ainda não está implantado no currículo de todas as instituições de ensino. Persiste a falta de material didático específico e ainda não existem professores capacitados em número suficiente.
Lançadas as bases para o ensino de matérias banidas pelo período ditatorial, como a filosofia e a sociologia, é preciso que o Ministério da Educação e as secretarias estaduais efetivamente se envolvam com o tema, estabelecendo as diretrizes para o ensino científico da sociologia, impedindo que a matéria seja ministrada sob a ótica de ideologias e metodologias políticas reducionistas.
(Imagens: trabalho na Idade Média)

Proteção aos animais

sábado, 29 de novembro de 2014
"Taxar emissões de carbono poderá ser a maneira mais efetiva de acelerar a adoção de inovações que substituam fontes fósseis, principalmente na produção de energia elétrica e em sistemas de transporte. Mas isso só será benéfico para o crescimento econômico quando as correspondentes tecnologias estiverem prontas para comercialização."  -  José Eli da Veiga  -  Sustentabilidade - A legitimação de um novo valor

Nos últimos quarenta anos a ciência aprofundou seus conhecimentos sobre os animais, observando seu comportamento e sua percepção. Em estudos de campo na natureza, em áreas de cativeiro e experiências em laboratórios, os pesquisadores descobriram um complexo “mundo interior”, principalmente nos mamíferos e nas aves. Com isso, é cada vez mais aceita a idéia de que estes animais são seres sencientes; capazes de sentirem prazer e dor, sofrimento e felicidade, sendo dotados de lembranças e pensamentos.
A relação do animal homem com os outros animais sempre foi de estranhamento. Diversas tradições religiosas consideram o ser humano como a única criatura dotada de alma imortal, diferente de outros seres vivos, que segundo o filósofo francês Descartes (1596-1650), não passavam de autômatos que apenas reagiam aos impulsos. Esta visão ainda persiste, por exemplo, em nosso Código Civil, que considera os animais como “coisa fungível (substituível) e semovente (move-se por si mesmo) no caso de possuírem proprietário”. Se não têm dono, são como “res nullius” (coisa de ninguém), podendo ser apropriados por qualquer pessoa. Assim, tratamos juridicamente os demais seres vivos como “coisa” e damo-nos o direito de fazer com eles o que quisermos – geralmente visando lucro.
A ciência, neste caso, tem muito a dizer sobre a complexidade dos animais. Frans de Waal, zoólogo e estudioso de renome internacional, relata em recente artigo (Scientific American Brasil/outubro de 2014), o caso de uma fêmea de chimpanzé que sofre de artrite. Em diversas atividades ela é ajudada por outros macacos de seu grupo. De Waal conclui sobre a cooperação entre primatas: 1) A cooperação não exige laços familiares; 2) A cooperação é muitas vezes baseada na reciprocidade; e 3) A cooperação pode ser motivada por empatia, emoção despertada quando outros sentem dor ou sofrimento. Em toda a sua extensa obra sobre os macacos primatas, o zoólogo procura mostrar que muitas atitudes e reações tidas como humanas, já se encontram, pelo menos em sua forma simples, no comportamento dos nossos primos chimpanzés – pela teoria darwiniana descendemos de uma espécie comum.
Assim, comportamentos de colaboração, partilha e divisão justa, são comuns a muitas espécies. Waal escreve que “A sobrevivência depende de partilhar, o que explica por que humanos e animais são extremamente sensíveis às divisões justas. Experiências mostram que macacos, cães e algumas aves sociais rejeitam algumas recompensas inferiores às de um companheiro que executa a mesma tarefa; chimpanzés e humanos vão ainda mais longe, moderando sua porção de recompensa conjunta para evitar frustração alheia. Devemos nosso senso de justiça a um longo histórico de cooperação mútua” (SCIAM 149).
A revista Página 22, da FGV, publicou em sua edição de julho de 2014 que a França recentemente alterou seu Código Civil, no qual agora os animais não humanos obtiveram o status de “seres vivos dotados de sensibilidade”. No Brasil tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei no. 6.799/13 do deputado Ricardo Izar (PSD-SP), propondo a mudança da natureza jurídica dos animais de “bens de posse” para “sujeitos de direito”, já que segundo o deputado a legislação sobre crimes ambientais é insuficiente para proteger os animais dos maus-tratos. Uma sociedade que respeita os animais não humanos tende a respeitar mais ainda os humanos.  
(Imagens: pinturas rupestres brasileiras)

Até quando continuará o desmatamento?

sábado, 22 de novembro de 2014
"...e cada um, tendo aceitado que a vida não é busca da verdade, que não existe ou nos será sempre inacessível, optará por passear de uma doutrina a outra, interminavelmente, como quem visita paragens distantes, saboreia receitas exóticas, mergulha em águas novas, deixando para trás o pathos da ignorância, seus malefícios, suas trevas ameaçadoras..."  -  Roger-Pol Droit  -  Se só me restasse uma hora de vida

O desmatamento no Brasil tem origens antigas. Populações indígenas que aqui estavam estabelecidas antes da chegada dos europeus, já praticavam a coivara para a formação de roças. Algumas tribos, como os xavantes, usavam o fogo como tática de guerra, segundo relato do sertanista Orlando Villas-Bôas. Mas, como a população indígena era diminuta e as queimadas limitadas a pequenos territórios, a prática tinha pouco impacto ambiental.
A destruição das florestas brasileiras começou com o avanço dos europeus sobre o ecossistema da Mata Atlântica, que originalmente se estendia do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, avançando para o interior do país e ocupando uma área de 1,3 milhões de km². A mata foi o local de extração do primeiro produto de exportação do país, o pau-brasil; madeira usada à época para tingir tecidos. Foi também na zona de influência da Mata Atlântica que se estabeleceram as primeiras cidades brasileiras e onde ainda hoje vive cerca de 80% da população. Até a década de 1950, grande parte da atividade econômica do Brasil – agricultura, mineração e a nascente indústria – estava concentrada em áreas originalmente ocupadas pelo bioma. O mesmo vale para os ciclos econômicos pré-industriais de nossa história; do pau-brasil, passando pela da cana-de-açúcar e o ouro, até o ciclo do café.
À medida que se exaurem os recursos naturais da floresta atlântica, através da atividade agrícola e do crescimento das cidades, se abrem frentes de ocupação de territórios no interior. A industrialização, a construção de Brasília, a expansão da malha rodoviária e o avanço da frente agrícola rumo ao oeste, são os marcos do avanço da economia sobre áreas inexploradas de Cerrado e da floresta amazônica. Nos anos do milagre econômico (1968-1973), quando a economia crescia em média 10% ao ano, o setor agrícola apoiado pelas pesquisas da Embrapa estabeleceu as bases do que hoje é o agronegócio; o setor da economia que mais traz divisas para o país. No início dos anos 1970 o governo militar termina a abertura da rodovia Transamazônica, estrada que mesmo parcialmente pavimentada, percorria 4.223 quilômetros, ligando Cabedelo, na Paraíba, à Lábrea, cidade do extremo oeste do estado do Amazonas. A estrada abre o vasto território da floresta amazônica a agricultores, madeireiros, garimpeiros, caçadores e todo tipo de aventureiros que vão tentar a sorte na região.

Assim, o ritmo de desmatamento da floresta amazônica foi aumentando gradualmente ao longo dos anos, devido às atividades agrícolas e pecuárias. Entre 1550 e 1970 a área desmatada não passava de 1% dos 4,2 milhões de km² que o bioma ocupa em território brasileiro. Nos últimos 40 anos, no entanto, segundo a ONG Greenpeace, 18% da Amazônia brasileira – 756 mil km² – foram derrubados. Nos últimos dez anos o desmatamento vem gradualmente diminuindo, caindo para 1.047 km² entre agosto de 2011 e julho de 2012. Em 2013 o desmate voltou a crescer (2.007 km²) e continua aumentando em 2014. Apesar de existirem metodologias diferentes para avaliar o ritmo de devastação da vegetação, vários fatores indicam que esta vem aumentando.
O impacto do desmatamento de parte da Amazônia será bem maior do que o da Mata Atlântica. Recursos hídricos, biodiversidade e clima serão definitivamente afetados. Depois disso, não haverá mais outro território novo a ocupar.  
(Imagens: fotografias de Walker Evans)

País precisa ser mais eficiente

sábado, 15 de novembro de 2014
" - Um meshummed troca um Deus por outro. Eu não quero Deus algum. Nós vivemos em um mundo onde o relógio se move rapidamente enquanto Ele fica lá no alto de sua montanha onde o tempo não passa, a olhar para o nada. Ele não nos vê, Shmuel, e não se importa conosco. Eu quero meu pedaço de pão hoje, não no Paraíso."  -  Bernard Malamud  -  O faz-tudo

Eficiência é a palavra do momento. É consenso entre os especialistas que o Brasil precisa de um banho de eficiência em todas as áreas. O país cresceu muito nos últimos vinte anos, mas a legislação, a infraestrutura, a formação da mão de obra, a gestão pública, e a administração das empresas pouco acompanharam este desenvolvimento. As melhorias que houve foram pontuais e quando ocorriam, eram barradas pelo mau funcionamento de outros fatores. Assim, por exemplo, a aquisição de modernas maquinas é de pouca valia, se não existem suficientes trabalhadores treinados para operá-las. Da mesma forma a compra de equipamentos hospitalares é inútil, se faltam recursos para instalá-los e colocá-los em funcionamento. De pouco adianta o empresário reformar e modernizar seu negócio, se não treina seus funcionários para melhor atender os clientes.
A eficiência diz respeito a toda a sociedade; ao Estado, ao cidadão e às empresas. Em um mundo no qual os recursos se tornam cada vez mais escassos e onde a população cresce em 78 milhões de pessoas a cada ano, é preciso produzir, distribuir e consumir de uma maneira mais eficiente. São necessárias leis que facilitem estas ações ao invés de dificultá-las; estruturas físicas (estradas, portos, etc.) e capital humano (profissionais capacitados) que agilize este processo. A gestão da sociedade também precisa ocorrer de uma maneira mais racional e objetiva. Para isso é necessária a formação de uma burocracia profissional, que nos níveis federal, estadual e municipal gerencie a máquina pública. Livre de ingerências políticas e da pressão de grupos, este funcionalismo público altamente capacitado deve estar acima de ideologias partidárias, tendo como único objetivo administrar a cidade, o estado ou a nação. O sociólogo Max Weber já apontava, no início do século XX, a importância deste corpo administrativo na condução administrativa de um país, dando suporte aos poderes legislativo, executivo e judiciário.
O uso eficiente dos recursos está inserido nas modernas práticas administrativas de empresas, sejam privadas ou públicas. Quanto mais valor – na forma de produtos ou serviços – é possível produzir com uma quantidade de trabalho e recursos, tanto mais eficiente é um sistema. Este princípio se aplica a máquinas, células de produção, indústrias, setores da economia e nações. Mas também pode ser aplicado a uma repartição pública, a um grupo de parlamentares ou a um tribunal. Todos estes “processos” se utilizam de trabalho (o conhecimento dos profissionais que desempenham determinada função) e recursos (alimento, água, luz, matérias primas, instalações, equipamentos, etc.). Exemplo positivo de uso eficiente de recursos e aumento da produtividade é o do setor agrícola brasileiro. Enquanto que em 1960 a produção de grãos era de 17,2 milhões de toneladas, utilizando uma área de 22 milhões de hectares, em 2014 a produção é de 195,4 milhões de toneladas, usando uma área de 56,9 milhões de hectares. A produtividade de grãos subiu de 783 quilos por hectare para 3.433 quilos por hectare (jornal O Estado de São Paulo 26/9/2014).
Uma sociedade mais eficiente faz menos uso de recursos naturais e provoca menor impacto ao meio ambiente. Se medidas de eficiência tivessem sido implantadas anteriormente, talvez não precisássemos enfrentar as atuais crises da água e energia elétrica.
(Imagens: fotografias de Bill Perlmutter)

Extinção de espécies, o que perdemos?

sábado, 8 de novembro de 2014
"Minha vida fora tão contínua quanto a morte. A vida é tão contínua que nós a dividimos em etapas, e a uma delas chamamos de morte."  -  Clarice Lispector  -  A paixão segundo G.H.

Nossas atividades econômicas, de uma maneira ou outra, estão gradualmente destruindo o meio ambiente natural. Derrubamos a floresta para criação de gado, preparamos áreas para abertura de condomínios residenciais, canalizamos córregos para construção de estradas; sempre alteramos os ecossistemas originais. Com isso, o complexo sistema formado pelo solo, recursos hídricos, vegetação e animais (inclusive a microfauna) é destruído parcial ou totalmente, fazendo com que perca seu equilíbrio, o que provoca a morte de espécies que habitam o ecossistema. Outros indivíduos da mesma espécie podem voltar a ocupar o ambiente alterado – caso ainda encontrem condições de sobrevivência – ou desaparecer daquela região. Se estas espécies forem do tipo endêmico, que existem somente em um determinado lugar, teremos destruído um tipo de animal ou planta, produto de milhões de anos de evolução, que nunca mais voltará a existir.
O desaparecimento de uma espécie vegetal ou animal, na maior parte dos casos, não tem nenhum efeito sobre nossas atividades diárias – pelo menos é o que a maioria de nós pensa. Que efeito terá sobre nosso dia a dia a extinção de uma planta que só existia nos arredores da região sul da metrópole de São Paulo e que foi extinta com a construção do Rodoanel (tal fato quase ocorreu efetivamente)? O que importa para o país, às voltas com tantos problemas econômicos e sociais, o desaparecimento de uma ave, recentemente identificada na Amazônia, mas que já está em processo de extinção? Pouco ou nada, diremos.
Ainda somos ignorantes em relação às complexas conexões que existem neste vastíssimo sistema chamado vida. Desconhecemos a maneira como a eliminação de um tipo de vegetal ou ave pode influir no equilíbrio (sempre instável) de todo um ecossistema. Quais espécies de animais se alimentavam das folhas e do néctar das flores desta planta, e qual a posição destas espécies na cadeia alimentar daquele ecossistema? Que tipo de inseto e semente foi o alimento da ave? Conhecer as respostas a estas perguntas e muitas outras, poderia ajudar os cientistas a prever as chances de sobrevivência dos ecossistemas dos quais planta e ave desapareceram. Estudar propriedades químicas da seiva da planta e as cores da plumagem do pássaro proporcionaria, eventualmente, novas substâncias para o combate de doenças e conhecimento sobre microestruturas nas penas que, copiadas, melhorariam técnicas de camuflagem. Estas oportunidades, importantes para a nossa vida diária e para os problemas do país, desaparecem quando espécies se tornam extintas. Se cada espécie, planta ou animal, para muitos não tem importância em si e nem por sua função na cadeia da vida, pelo menos deveria ter importância sob aspecto científico e econômico.

A cada mês de novembro, bilhões de indivíduos da espécie de borboleta monarca (danaus plexippus) chegam às florestas das montanhas centrais do México, vindas do Canadá e dos Estados Unidos. Nesta longa migração, os pequenos insetos voam durante dois meses e percorrem até 4.000 quilômetros, para então hibernarem durante o inverno. Cientistas detectaram uma queda no número de indivíduos a cada ano, por causa das condições climáticas mais extremas (provocadas pelas mudanças climáticas) e uso indiscriminado de inseticidas. Se esta espécie de borboleta desaparecer da região, o que teremos perdido? 
(Imagens: fotografias de Ricardo E. Rose)

Falta de chuva prenuncia mudanças globais

sábado, 1 de novembro de 2014
"As leis são como teias de aranha: assim como estas pegam as criaturas mais fracas, mas não retêm as mais fortes, aquelas restringem os humildes e os pobres, mas não os ricos e os poderoso."  -  Valério Máximo  -  Fatos e ditos memoráveis 

A falta de chuvas em diversas regiões brasileiras poderá comprometer a economia brasileira por muitos anos. Haja vista que 70% do estado de São Paulo, a unidade da federação mais desenvolvido do país, estão sendo fortemente afetados pela estiagem. Agricultura, indústria, geração de energia, turismo, pecuária, transporte hidroviário; diversos setores econômicos estão reduzindo suas atividades, diminuindo faturamento e demitindo empregados.
O mesmo acontece nas regiões banhadas pelo Rio São Francisco. Segundo reportagem do jornal O Estado de São Paulo, a vazão do rio é atualmente de 49 metros cúbicos de água por segundo (m³/s); muito abaixo de seu volume normal de 2,8 mil m³/s e o menor nos últimos 83 anos de medição.  No Alto São Francisco, no estado de Minas Gerais, a falta de água está afetando plantações de café e eucalipto, a criação de gado e pequenos agricultores, que suprem grande parte da demanda de alimentos das cidades da região. Afluentes do grande rio se transformaram em caminhos para carroças e cavalos e a represa hidrelétrica de Três Marias, que funciona como uma caixa d’água do lugar, está quase seca. A região, segundo os cálculos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural - Emater de Montes Claros (MG) acumula prejuízo de R$ 1 bilhão nas secas dos últimos anos. A situação de estiagem prolongada se estende por todo o curso do rio, alcançando também os estados do nordeste.
Seca semelhante está afetando o estado americano da Califórnia, que enfrenta sua terceira pior estiagem nos últimos 106 anos, segundo o jornal The Washington Post. Pastos estão estéreis, os níveis dos reservatórios caíram e o custo da taxa d’água aumentou. Com isso, aumentaram os preços das frutas em todos os Estados Unidos, já que a Califórnia produz 70% do volume das 25 frutas mais consumidas no país.
A situação se repete em varias partes do globo. Segundo o Sistema Global de Informação de Secas (Global Drought Information Systemwww.drought.gov) o norte da China passa pela pior seca nos últimos 60 anos. No Quênia e na Somália, 2,5 milhões de pessoas enfrentam uma forte carestia devido à falta d'água para irrigação, e a Austrália deve perder 29% de sua safra 2014/2015 de algodão por ausência de chuvas. Não é simples coincidência que 2014 certamente será o ano mais quente da história, segundo a NASA, desde as primeiras medições em 1880.
Em recente texto publicado no Caderno Aliás do jornal O Estado de São Paulo, o escritor americano Lee Siegel, relata que “Lucrécio (filósofo romano) escreveu certa vez que para muitas pessoas a morte é um boato. O mesmo princípio se aplica ao aquecimento global. Você não admite que a Terra seja mortal da mesma maneira que sabe que você mesmo é.” Este é o maior problema de parte dos tomadores de decisão no mundo: não admitir que haja alguma coisa errada com o clima, que poderá trazer sérias conseqüências à nossa civilização em médio prazo.
Esta “alguma coisa errada com o clima” pode ser o que a ciência chama de comportamento emergente. John Casti, matemático especialista em teoria de sistemas e complexidade, escreve que “traços e/ou comportamentos emergentes são, com frequência, considerados algo ‘inesperado’ ou ‘surpreendente’. Isto acontece porque, de um modo geral, sabemos alguma coisa a respeito das características dos objetos individuais, mas nada sobre as propriedades sistêmicas gerais que emergem das interações”. 
Muitos cientistas estão relacionando a seca do Brasil e de outras regiões da Terra com as mudanças climáticas. No caso do Brasil, fala-se no aumento do desmatamento da Amazônia, região responsável pela umidade que se precipita nas regiões sul e sudeste na forma de chuva.
Ainda é difícil prever as consequências da interação entre sistemas complexos como a floresta amazônica e o clima. A falta d'água, no entanto, pode ser um "comportamento emergente" da interação destes sistemas; um prenúncio de outros fenômenos que deverão ocorrer em futuro próximo.
(Imagens: fotografias de Albert Renger-Patzsch)

Ética e a "Ética a Nicômaco": algumas considerações

sábado, 25 de outubro de 2014
"Quero dizer que o que observamos, na realidade, é sempre uma combinação de circunstâncias contextuais com um elemento de causalidade, que não tem como ser previsto."  -  John Casti  -  O colapso de tudo

Os atos morais são aqueles passíveis de aprovação ou desaprovação, de acordo com as normas aceitas. A este conjunto de atos e das normas chama-se moral. A ética, por outro lado, é o estudo dos atos e fatos morais. A liberdade ética é a capacidade de autodeterminação do ser humano, sem a qual a moral não pode existir. Usando de sua liberdade, o homem aspira a ser feliz e para isso se dirigem todos os seus atos.
A ética investiga racionalmente os atos morais; é uma ciência porque investiga sistematicamente e de uma maneira racional os atos humanos. Os princípios universais nos quais a ética se baseia são, todavia, sujeitos as condições sociais de cada grupo humano. A moral é relativa no sentido de se adaptar cada vez mais às condições socioculturais, e não no sentido de ter valor relativo. O pensamento usado na análise ética é o do tipo sintético, que parte de um caso ou casos particulares e então os generaliza (dentro de uma determinada sociedade, uma lei moral é geralmente válida de uma maneira universal). O objeto de estudo da ética são os atos humanos, baseado no que há neles de bom ou mal, com o objetivo de dar aos homens critérios de valores, para que eles possam julgar e balizar suas atitudes.
A moral se estabelece em sociedade, para orientar e estabelecer a correção dos atos humanos, em relação aos outros membros da sociedade. A criação de uma sociedade de classes acaba propiciando o aparecimento da moral dos dominadores e a dos dominados; uma direcionada a manter o status quo, e a outra com um posicionamento crítico (o posicionamento dos dominados).
A ética de Sócrates era baseada no autoconhecimento (conhece-te a ti mesmo). Segundo o pensador ateniense, ninguém é mau porque quer, mas porque é ignorante da verdade. A ética só pode ser desenvolvida através da convivência social – daí a íntima relação da ética e da política. A ética fundamenta-se em três princípios: liberdade, virtude e bem. Para Aristóteles a virtude é ao mesmo tempo liberdade e bem. Protágoras de Abdera, por sua vez, advogava um relativismo que influía na própria ética, já que “o homem é a medida de todas as coisas”. Em suas atividades filosóficas Sócrates se colocava contra este ceticismo ético defendido pelos sofistas.
Quando os homens se agrupam para viver em sociedade, criam governos que, segundo Platão, permite o aparecimento de homens que não são éticos, nem sábios. Estes tipos de governos são: a timocracia, representada pelos donos de terras na antiga Grécia, a forma tradicional de governo. Depois desta fase original aparecem, segundo Platão, a oligarquia, que é o governo dos ricos, sem participação dos pobres; a democracia, onde reina o gosto de cada um, ocasionando a anarquia; e a tirania, onde o tirano torna-se vítima dos seus próprios apetites. No entanto, o Estado ideal, apresentado por Platão na obra A República, é formado por reis-filósofos que dirigem o governo com sabedoria.
Aristóteles, discípulo de Platão, constrói sua filosofia baseada na experiência; todas as idéias são resultantes da experiência. Por isso mesmo, para Aristóteles, a ética não é intuída pelo espírito, mas desenvolvida através da prática social. Desta maneira, para ser feliz, justo e sábio, o homem deve manter-se longe dos excessos e encontrar a prudência, baseado em ações práticas. A ética, para Aristóteles, consiste em procurar a felicidade, organizando sua vida para trilhar o caminho da virtude. A Ética a Nicômaco é uma das obras fundamentais nesta área, tendo balizado toda a ética ocidental, junto com o pensamento judaico-cristão. Com sua obra filosófica, Aristóteles influencia toda a sociedade ocidental, desde a Idade Média.
Na história do pensamento, a ética apresentou principalmente três modelos de conduta: a felicidade ou o prazer, o dever ou a obrigação e a perfeição. A vida em sociedade força o indivíduo a guiar suas ações livres por alguma regra e a moralidade consiste em viver de acordo com estas regras. Desta forma, a ordem moral é o conjunto de relações de utilidade; quem age de acordo com elas age bem, quem as desrespeita age mal. Adicionalmente, de acordo com o fim será a utilidade.

A maior parte dos pensadores aceita que a ação moral só pode ser executada por um ser livre dotado de inteligência. Este pressuposto, no entanto, é colocado em dúvida por filósofos como Spinoza, Hume, Hegel, Nietzsche, entre outros, e vem sendo bastante discutido pela moderna neurologia e psicologia. Mas é regra aceita que a conduta humana só tem significado se existe liberdade. Adolfo Sanches, em sua obra “Ética”, escreve, entre outras coisas, que o conceito de consciência está relacionado ao da obrigatoriedade; a consciência é o juiz dos nossos atos morais. Apesar de livre, a consciência é determinada por fatores históricos e sociais e desenvolve-se através da prática social. Mas, apesar dos diversos determinismos aos quais somos sujeitos, gozamos todos de liberdade suficiente para exercermos nossos atos morais – pelo menos precisamos aceitar este fato para que nossa sociedade continue razoavelmente funcionando.
O principal filósofo a estudar a ética na Idade Média foi São Tomás de Aquino, que fez um trabalho de harmonização do cristianismo e do aristotelismo. Nesse trabalho, Aquino omitiu certos aspectos do pensamento de Aristóteles e adaptar outros aos princípios cristãos. A moral de Tomás de Aquino é essencialista: a moralidade de uma ação é determinada por seu objeto e pela sua intenção. Além disso, Tomás de Aquino também afirmou que assim como existem diversos grupos humanos, existe uma diversidade de leis. A importância de Tomás de Aquino na síntese filosófica e moral da Idade Média são enormes.
Os problemas do campo da ética são caracterizados por sua generalidade, diferentemente dos problemas morais, que aqueles com os quais nos deparamos no dia-a-dia. O valor da ética está em suas explicações e não em suas prescrições.       
Em sua Ética a Nicômaco, no capítulo X, Aristóteles analisa se o prazer é bom ou mau. Afirma que existem várias opiniões e inicia a análise da questão. Apresenta inicialmente a opinião de Eudoxo, que dizia que o que é mais desejado é o maior de todos os bens. Aquilo que é bom para todas as coisas e a que todas elas tendem, é o bem por excelência. Platão, segundo o texto, diz que o prazer não é um bem e que a vida agradável é mais desejável quando acompanhada de sabedoria.
Mais à frente, Aristóteles conclui que, baseado no raciocínio de alguns pensadores, o prazer também tem graduações e não pode ser o preenchimento de alguma carência, já que isto seria somente a supressão de sofrimento. Então, fazendo referência ao prazer de aprender, o prazer dos sentidos e de sensações, afirma que estes não envolvem sofrimento. Conclui seu raciocínio, afirmando que “meu prazer é o bem, nem todo prazer é desejável, e que alguns prazeres são efetivamente desejáveis por si mesmos, distinguindo-se eles dos outros em espécie ou quanto às suas fontes. Acerca das opiniões correntes sobre o prazer e o sofrimento, basta o que dissemos.” (Aristóteles, 2002, pg.221).   
Continuando sua análise do prazer, Aristóteles se pergunta o porquê de ninguém sentir prazer continuamente, já que isto seria impossível para o ser humano, como atividade constante. Quanto à questão de escolher, escolher a vida, tendo em vista o prazer, ou o prazer tendo em vista a vida, a questão fica, por enquanto, sem análise, já que os dois permanecem ligados, visto que sem atividade não há prazer. Mais à frente o texto afirma que algumas atividades têm efeitos contrários, sendo que prazer e certas atividades podem estar em lados opostos. Além disso, como existem atividades diferentes, há diferentes tipos de prazer; uns superiores e outros inferiores.
Depois de falar das virtudes, as formas de amizade e as várias espécies de prazer, Aristóteles passa a discutir a natureza da felicidade, já que ela é o fim da natureza humana. Aristóteles inicia sua argumentação afirmando que à felicidade nada falta; ela é auto-suficiente. As atividades desejáveis não visam mais nada do que a si mesmas, e as ações virtuosas são desta natureza. Já que muitos encontram o bem-estar em algum passatempo, Aristóteles inicia a discussão deste tema e conclui que a felicidade não está no divertimento. Todavia, não nega que o divertimento é necessário para o relaxamento, após muito trabalho. Em seguida, Aristóteles discute sobre a superioridade das atividades sérias sobre as risíveis. Conclui que a felicidade não está em passatempos, mas sim nas atividades virtuosas. Ao final da argumentação, conclui que “a sabedoria filosófica é reconhecidamente a mais agradável das atividades virtuosas”. (Aristóteles, 2002, pg. 229).
Ainda sobre a contemplação filosófica, Aristóteles afirma que esta atividade será a felicidade completa do homem. Em outro ponto diz que não devemos nos ocupar com coisas humanas e mortais, já que nós próprios o somos. Devemos sim, assim que possível, ocupar-nos com assuntos imortais, “esforçando-nos para viver de acordo com o que há de melhor em nós.” (Aristóteles, 2002, pg.230).
Comparando a vida dos deuses, Aristóteles afirma que a atividade perfeita é uma vida contemplativa equivalente aquela dos deuses, que vivem em bem-aventurança. O homem é feliz enquanto consegue imitar os deuses nesta atividade na contemplação; a contemplação e o cultivo da razão, aliadas a uma vida virtuosa, são exatamente as qualidades do filósofo, o mais feliz dos homens e querido dos deuses.Discutindo sobre como os homens adquirem vontade, Aristóteles conclui que a virtude é em grande parte motivada por uma predisposição dada pelos deuses, aliada ao cultivo de virtudes através da convivência social. “É indispensável que o caráter tenha alguma afinidade com a virtude, amando o que é nobre e detestando o que é vil.” (Aristóteles, 2002, pg.235). Aristóteles afirma que os homens que se empenham em tornar outros melhores, devem ser capazes de legislar. As leis e as constituições, segundo o Estagirita, podem tornar as pessoas melhores.
Bibliografia:
Aristóteles. Ética a Nicômano. Editora Martin Claret: São Paulo, 2002, 240 pgs.
(Imagens:pinturas do budismo chinês)

Floresta amazônica: ocupação, preservação e pesquisa

sábado, 18 de outubro de 2014
"O homem tornou-se um ser supersticioso ou religioso pelo simples fato de que ele era um ser mais inteligente que os outros."  -  Jean-Marie Guyau  -  A irreligião do futuro

A floresta amazônica é um dos recursos naturais mais importantes de que dispõe o planeta. Os serviços ambientais prestados pelo imenso bioma incluem itens como: geração de chuvas para outras regiões do planeta, equilíbrio do clima local e global, manutenção de recursos hídricos, além de abrigar uma extensa variedade de ecossistemas. A ciência ainda não conseguiu avaliar o quanto e como a imensa floresta influencia o ciclo de vida na Terra.
Dados geológicos revelam que a complexa cobertura vegetal na região é bastante antiga, existindo há pelo menos 55 milhões de anos; sendo anterior ao aparecimento da cordilheira dos Andes. Durante as eras glaciais nos últimos dois milhões de anos, as baixas temperaturas médias globais fizeram com que a floresta encolhesse, sendo substituída por grandes extensões de savanas. Quando as geleiras no hemisfério norte recuavam, o clima na região amazônica também voltava a ficar mais quente e úmido, ocorrendo novamente a expansão da floresta tropical.
A Amazônia passou a ser efetivamente ocupada a partir dos anos 1970 quando o governo militar, com medo de uma invasão estrangeira, resolveu colonizar a região construindo a rodovia Transamazônica e distribuindo lotes de terras para milhares de migrantes pobres. A falta de apoio técnico e financiamento para os agricultores, aliada à péssima infraestrutura de transportes – impossibilitando o escoamento de colheitas e o deslocamento de equipamentos – fez com que a maioria dos colonos abandonasse a região depois de alguns anos.
Se a agricultura familiar não pode prosperar na região, as grandes fazendas e grupos econômicos – nacionais e internacionais – passaram a tomar extensões de terra cada vez maiores. Esta ocupação, muitas vezes realizada de forma violenta e fraudulenta, estava associada a grandes desmatamentos, já que à época o governo federal e os governos locais ofereciam incentivos para a derrubada da floresta. A partir dos anos 1980 a expansão da agricultura e pecuária na região, acelerou ainda mais o processo de degradação do bioma.
Nos últimos quinze anos cresceu visivelmente o interesse, tanto no Brasil quanto no exterior, em preservar a floresta. Estudos científicos, relacionando a supressão das grandes florestas tropicais de todo o planeta às mudanças climáticas e ao aumento da temperatura média, chamaram a atenção da comunidade internacional para a região. Interessava agora preservar a floresta, para que esta pudesse continuar a fornecer seus importantes serviços ambientais.
À época, o governo Lula implantou medidas de controle e cooperação com ONGs atuantes na região, conseguindo reduzir drasticamente os índices de desmatamento. O governo atual manteve esta política, estabelecendo acordos de cooperação com instituições internacionais. Entre agosto de 2012 e julho de 2013 o desmatamento foi de 5.891 km², a segunda menor taxa de desflorestamento nos últimos 25 anos. Com essa redução o país poderá receber até 2,5 bilhões de dólares em pagamentos por redução de emissões de gases.     
Técnicos do Brasil e da Alemanha estão construindo uma torre para monitoramento da atmosfera da Amazônia. A estrutura terá 330 metros de altura, disporá de mais de 30 instrumentos científicos e durante 20 anos colherá dados sobre como a floresta influencia o clima global e é influenciada por este.  
(Imagens: fotografias de Russel Lee)

Brasil não dispõe de banheiros públicos

sábado, 11 de outubro de 2014
"Chamaremos de discurso um conjunto de enunciados, na medida em que se apoiem na mesma formação discursiva; ele não forma uma unidade retórica ou formal, indefinidamente repetível e cujo aparecimento ou utilização poderíamos assinalar (e explicar, se for o caso) na história; é constituído de um número limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência."  -  Michel Foucault  -  A arqueologia do saber

A falta de coleta e tratamento de esgoto é um grande problema ambiental no Brasil, refletindo pouca atenção à higiene e saúde pública. Assim, não é de estranhar que ainda existam 3,5 milhões de casas que não dispõem de um banheiro, segundo o Censo do IBGE de 2010. A falta de sanitários públicos nas cidades também é um problema em todo o país, onde grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro improvisam soluções com banheiros químicos móveis pouco higiênicos.
A falta de banheiros públicos nos centros urbanos também tem explicações históricas. Até os anos 1960 a maior parte da população vivia em áreas rurais, as cidades eram menos populosas e de menor tamanho. Na maior parte das aglomerações urbanas então existentes, seus habitantes não tinham necessidade de longos deslocamentos por grandes distâncias. Era possível resolver as pendências pessoais em torno dos quarteirões que cercavam a praça da matriz, já que era por ali que se situavam os cartórios, bancos, consultórios médicos, as mercearias, etc. Se o transeunte precisasse “aliviar suas necessidades”, havia sempre um bosque, uma beira de rio ou local ermo, à curta distância. Quem estava em viagem pela cidade, tinha um hotel, hospedaria ou pensão como local de permanência.
Nos últimos 50 ou 60 anos a população brasileira cresceu exponencialmente, inchando os centros urbanos. No entanto, nenhuma cidade brasileira, pequena ou grande, resolveu um problema básico de seus habitantes ou visitantes: onde fazer as necessidades fisiológicas, quando fora de casa? Os poucos banheiros disponíveis em aeroportos, shopping centers, rodoviárias, estações de metrô, ônibus ou trem, estão em locais afastados, geralmente longe de onde circula a maior parte da população. Isto sem falar das condições de higiene destes banheiros, muito ruins.
Nas estradas brasileiras a situação não é diferente. O país possui uma malha rodoviária de aproximadamente 1,3 milhão de quilômetros, dos quais apenas 140 mil estão pavimentados. Destes, 14 mil quilômetros foram transferidos a 51 empresas privadas, que operam estas rodovias em regime de concessão. Nesta modalidade, as concessionárias são responsáveis pela manutenção e conservação das estradas e se remuneram através da cobrança de uma taxa, o pedágio. As autovias privadas são melhores do que aquelas sob responsabilidade dos governos municipais, estaduais e federal, dispondo de boa infraestrutura, sinalização, telefones de emergência e equipes de apoio. No entanto, um importante item que mesmo as estradas sob administração privada não dispõem são os banheiros públicos. Não fosse algum restaurante, lanchonete ou posto de gasolina no percurso, o usuário teria que aliviar suas necessidades à beira da estrada, como de fato muitas vezes acontece. Recentemente vimos em uma importante estrada em São Paulo, de altíssimo fluxo de veículos, alguns banheiros químicos, colocados lá para atender às “demandas urgentes”. Instalações de alvenaria, limpas, higiênicas, principalmente para mulheres e crianças, não existem nas estradas brasileiras.
O poder público tem como obrigação zelar pela higiene e pelo bem estar da população – pelo menos é o que acontece em países civilizados e modernos. A exemplo do que ocorre nestes lugares, já é hora de nossos prefeitos e do Ministério dos Transportes pensarem em soluções para este problema tão humano.   
(Imagens: fotografias de Otto Umbehr)

O PAC e o saneamento

sábado, 4 de outubro de 2014
"A conexão de dopamina e crença foi estabelecida por experimentos que Peter Brugger e sua colega Christine Mohr conduziram na Universidade de Bristol, na Inglaterra. Explorando a neuroquímica da superstição, do pensamento mágico e da crença na paranormalidade, Brugger e Mohr descobriram que pessoas com altos níveis de dopamina têm maior probabilidade de encontrar sentido nas coincidências e descobrir significados e padrões onde eles não existem."  -  Michael Shermer  -  Cérebro e crença 

Chegamos ao final de mais um governo e o país ainda não dispõe de uma infraestrutura razoavelmente eficiente, apesar da sucessão de planos para melhorá-la. Em 2007, ainda no governo Lula, foi lançada uma iniciativa que deveria recuperar e ampliar a infraestrutura brasileira. O Plano de Aceleração do Crescimento, PAC 1, como foi chamado, previa a execução de um total de 1.646 projetos ao custo de R$ 503,9 bilhões. Incluía a construção de hidrelétricas, estradas, ferrovias, aeroportos, portos, sistemas de saneamento, casas populares, sistemas de transporte urbano. No governo Dilma, foi criado o PAC 2, que previa investimentos totais de R$ 955 bilhões, incorporando projetos do PAC 1, que ainda não haviam sido terminados. Segundo declarações do próprio governo, todas as obras relevantes deveriam estar concluídas até o final de 2014. Acaba agora o prazo estabelecido e somente as obras consideradas mais relevantes estão prontas, a um custo bem superior aquele inicialmente calculado. 
As importantes obras de saneamento previstas no PAC estão em grande parte a cargo do Ministério das Cidades. Este chegou a criar em 2012 o Plano Nacional de Saneamento que prevê investimentos em tratamento de água e esgoto, drenagem e gestão de resíduos no valor de R$ 420 bilhões até 2030. Segundo o site do PAC (http://www.pac.gov.br/noticia/5a7e2fc8), entre 2011 e 2013 o país investiu mais de R$ 30 bilhões em saneamento. Com outros recursos adicionais, os repasses do PAC para o setor, segundo o governo, deverão totalizar R$ 37,8 bilhões até o final de 2014.
O Instituto Trata Brasil (http://www.tratabrasil.org.br/saneamento-no-brasil) é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse público (OSCIP), formada por empresas com interesse no saneamento e na preservação dos recursos hídricos. A considerar os dados desta instituição, a situação do saneamento básico no Brasil está longe de mostrar avanços. Segundo a organização, 82,7% da população brasileira são atendidos com água tratada, ou seja, mais de 17% dos brasileiros – cerca de 34 milhões de pessoas – ainda não pode consumir água potável. Em relação à coleta e ao tratamento de esgoto a situação ainda é pior: somente 43,8% da população têm acesso à coleta dos resíduos e apenas 38,7% dos esgotos gerados são tratados. Isto quer dizer que mais de 113 milhões de pessoas não dispõem de coleta de esgoto e que cerca de 18 mil toneladas de esgoto doméstico (equivalente a 900 caminhões pipa) são despejadas em rios, lagos e no oceano a cada dia. Ainda segundo o Instituto Trata Brasil, seriam necessários R$ 303 bilhões para universalizar os serviços de tratamento de água e esgoto em 20 anos, o que representaria um investimento médio de R$ 15,15 bilhões ao ano.
Apesar do atraso das obras do PAC e do ritmo mais lento que o plano deverá assumir à medida que se desacelera a economia, é importante que o país continue mantendo altos investimentos em saneamento. O tratamento da água e do esgoto doméstico implica em menores taxas de afastamento de trabalhadores por motivos de doença, redução do número de internações e mortes de crianças, menos rios e lagos poluídos, melhor aproveitamento escolar e maiores receitas em turismo. O grau de desenvolvimento econômico e social do país já não permitem mais esta situação de atraso no saneamento e nas condições higiênicas, apesar de sete milhões de brasileiros ainda não terem acesso a banheiros. 
(Imagens: fotografias de Léonard Misonne)

Construção sustentável no Brasil

sábado, 27 de setembro de 2014
 
"Spinoza poderia ter mencionado a admonição fundamentalmente judaica do rabi Tarphon, em Pirke Abot. 'Não se exige que completemos o trabalho, mas não estamos livres para desistir dele.'"  -  Harold Bloom  -  Abaixo as verdades sagradas  

No Brasil, mais de 50% das construções de residências são realizadas pelos proprietários, sem acompanhamento técnico de especialistas. A fiscalização das obras, na maioria das prefeituras, ocorre de maneira incipiente e superficial. Além do aspecto da segurança das estruturas das construções, existe a perda de material, como restos de areia, cimento, cal, tijolos, etc.; materiais que muitas vezes se transformam em entulho descarregado em áreas públicas ou terrenos baldios.
O problema da perda de material no setor de construção também afeta a maior parte das obras realizadas com supervisão técnica. Empreiteiros e construtores de pequeno e médio porte, em sua maioria, ainda não utilizam técnicas de reuso e reciclagem de materiais, além de muitas vezes não disporem corretamente o entulho de obra. Especialistas calculam que 25% dos insumos utilizados pelo setor são perdidos, o que faz com que o metro quadrado construído no Brasil seja relativamente elevado, em comparação com outros mercados equivalentes.
O tema do uso mais eficiente dos recursos no setor da construção não é novo e já faz parte das preocupações das principais instituições ligadas à construção, há pelos menos quinze anos. Grandes empreiteiras, principalmente aquelas atuantes nos grandes centros urbanos, já incorporaram as diretrizes do uso eficiente dos recursos, oferecendo treinamento aos seus funcionários e implantando sistemas de gestão de canteiros de obras, visando controlar, separar e reutilizar materiais e insumos.
Um grande avanço no setor da construção civil foi a criação da Norma de Desempenho de Edificações nº 15.575, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), lançada em abril de 2013. A diretriz estabelece padrões para resistência e durabilidade de estruturas, pisos, coberturas, vedações e sistemas hidrossanitários para construções, proporcionando mais garantias ao comprador do imóvel e exigindo que a construtora utilize materiais, equipamentos e mão de obra de melhor qualidade. A norma representa um importante passo do setor da construção civil em direção à melhor gestão das obras, tornando-as mais eficientes e sustentáveis, reduzindo a perda de materiais. 

Outro fato positivo no setor da construção civil é introdução da certificação de construções – os selos verdes – de acordo com normas internacionais de qualidade ambiental. Para receber este selo, as edificações devem atender aspectos como: ter obra realizada de maneira ambientalmente correta (reuso, reciclagem e correta destinação dos materiais, ausência de substâncias tóxicas, uso eficiente de água e energia, entre outros); ter edifícios equipados com sistemas de economia de água e eletricidade, materiais de alta durabilidade; adotar princípios de urbanismo sustentável (calçadas vivas, prioridade para deslocamento de pedestres, arborização, etc.). O Brasil já tem mais de 900 projetos registrados aguardando certificação e somente em um selo, o LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), já existem 181 edificações credenciadas.
O setor da construção tem forte impacto no uso de recursos naturais, incluindo água e eletricidade. Outro aspecto, é que depois de prontos, os edifícios funcionarão por várias décadas. Por isso é importante que, tanto na fase de construção quanto na de uso, seu impacto ambiental seja reduzido ao mínimo possível.
(Imagens: fotografias de Ricardo E. Rose)

País aumentará investimentos em termelétricas

sábado, 20 de setembro de 2014
"Todos os procrastinadores adiam as coisas que precisam fazer. A procrastinação estruturada é a arte de fazer este traço negativo trabalhar por você. A ideia central é que a procrastinação não significa que você não vai fazer absolutamente nada. Procrastinadores raramente não fazem absolutamente nada; eles fazem coisas marginalmente úteis, como jardinagem, apontar lápis ou criar um diagrama de como vão organizar seus arquivos quando se decidirem a iniciar"  -  John Perry  -  A arte da procrastinação

O que muitos cientistas das áreas da climatologia e do meio ambiente já vinham prevendo há mais de uma década, parece se tornar cada vez mais real. Fenômenos como o das mudanças climáticas, associados à sazonalidade do El Niño (variação da temperatura do oceano Pacífico que influi no volume das chuvas no Brasil), pesarão cada vez mais sobre setores da economia brasileira, como a agricultura e a geração de energia elétrica. As duas atividades dependem essencialmente das chuvas; sobre as quais temos pouca influência, e que devido ao clima poderão se tornar menos freqüentes.
A água, através das hidrelétricas, sempre foi a principal matriz de energia elétrica no Brasil, desde quando, nos anos 1950, se começaram a construir as primeiras barragens. Estas eram instaladas em vales profundos, onde o represamento da água formava um largo e profundo lago, com estoque de líquido suficiente para acionar os geradores mesmo em épocas de pouca chuva. A dificuldade em encontrar novos rios caudalosos em vales profundos, levou o governo a construir hidrelétricas com reservatórios pouco profundos e de grande área, provocando inundação de vastos territórios e desalojando milhares de pessoas. Nos últimos anos, para contornar o problema, a solução encontrada foi a hidrelétrica a fio d’água; assim chamada porque não tem reservatório, sendo suprida por um rio ou canal. A desvantagem deste tipo de usina é que não dispõe de uma reserva d’água que permita a geração de eletricidade em períodos de pouca ou nenhuma chuva. Com pouca precipitação, a geração de energia é reduzida ou até interrompida.
Do lado do consumo da eletricidade haverá, segundo a Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), um aumento médio anual de 5% nos próximos dez anos. Do lado da geração, existe cada vez menos espaço para a construção de grandes hidrelétricas, já que isto implicaria destruir áreas de proteção ambiental, desalojar populações locais e ocupar reservas indígenas. Um dos últimos megaprojetos planejados pelo governo é o de São Luiz de Tapajós, que deverá gerar oito mil megawatts (MW). A solução alternativa, segundo orientação do governo, é aumentar os investimentos em termelétricas movidas a gás e carvão. Com isso, nas previsões do Ministério das Minas e Energia (MME), a matriz hidrelétrica que hoje supre 69% da demanda de eletricidade, deverá cair até 2023 para 61%. Neste mesmo período, a geração eólica crescerá de 4% para 12% e as termelétricas continuarão suprindo 15% da demanda – que, todavia, será maior. Para tanto, o governo prevê aumentar a geração termelétrica dos atuais 1,5 mil (MW) para 7,5 mil MW.
A falta de locações adequadas para novos projetos e a previsão de sazonal redução do volume de chuvas, são dois fatores que tenderão a limitar os investimentos em hidrelétricas. Apesar destes novos aspectos no quadro da geração de eletricidade no país, ainda não existe um consenso sobre o rumo a ser dado ao setor no futuro. Os programas dos atuais presidenciáveis, incluindo a candidata à reeleição, são pouco específicos com relação às matrizes a serem priorizadas. Sinaliza-se uma tendência de aumento da geração eólica nas previsões do próprio governo, mas permanece uma incógnita quanto à política energética futura em relação a outras energias renováveis, como a solar fotovoltaica e a energia de biomassa. Além disso, são poucas as ações concretas do governo com relação à eficiência energética, lembrando que “a energia mais barata é aquela que não precisa ser gerada”. Enquanto países mais industrializados priorizam cada vez mais a eficiência dos processos - a economia de energia - o Brasil continua no passado, pensando somente em termos de geração para atender uma demanda cada vez mais alta. 
(Imagens: pinturas rupestres de Lascaux)