"Os pré-requisitos lógicos do trabalho científico" - Resenha crítica

sábado, 25 de janeiro de 2020
"A experiência não nos ensina as essências das coisas".   -   Baruch Espinosa 

O trabalho científico é uma dissertação que demonstra uma tese através de argumentos baseados em conclusões sobre fatos. As conclusões são estabelecidas por raciocínios lógicos, que podem ser dedutivos ou indutivos. 

Desta forma, o trabalho ou monografia científica é a demonstração de uma tese proposta para solucionar um problema, sempre bem definido. 


1) Demonstração 

A demonstração de uma tese pode ser feita de maneira direta, quando se objetiva provar diretamente a tese. A demonstração indireta prova a falsidade do argumento, que se opõe à tese que se quer demonstrar. Demonstração é o processo sequencial de operações lógicas através das quais se alcança gradualmente a conclusão final almejada. 

A argumentação baseia-se na apresentação de evidências racionais e factuais, visando a demonstração de uma tese. 

O trabalho científico, do ponto de vista de seus aspectos lógicos, pode ser esquematizado da seguinte forma: 


2) Raciocínio 

Raciocínio é um encadeamento de pensamentos, formados por juízos e conceitos, dos quais o texto é a forma linguística 


2.1) Formação dos conceitos 

O conceito é a imagem mental que se faz de um objeto e é representado pela palavra. O conceito tem dois aspectos: a compreensão, que é o conjunto de propriedades características ao objeto pensado, e a extensão, formada pelo conjunto de seres ou objetos que realizam determinada compreensão. Aspecto importante na compreensão dos conceitos é a sua definição mais exata possível. Grande parte do aprendizado de uma ciência consiste no conhecimento e uso correto de suas definições. 


2.2) A formação dos juízos 

Juízo e proposição é um enunciado sobre um sujeito e é material para o desenvolvimento de uma argumentação lógica. 




2.3) A elaboração dos raciocínios 

O raciocínio é a obtenção de um novo conhecimento, a partir de uma argumentação lógica, baseada em juízos e em proposições. Parte-se do antecedente (premissas iniciais) para alcançar o consequente, a conclusão. O raciocínio é dividido em duas grandes formas: o dedutivo, que parte de premissas gerais, para chegar às particulares e o indutivo, que partindo de premissas ou fatos particulares chega a afirmações gerais ou universais. 


3) Processos lógicos de estudo 

Outros processos no trabalho científico são o analítico e o sintético. A análise é a decomposição de um objeto, ideia ou texto em suas partes; dividir, separar, isolar. A síntese é um processo lógico de recomposição do objeto decomposto pela análise; implica unidade, junção, agrupamento. No processo científico a análise e a síntese se completam, sendo dois movimentos de uma mesma ação de compreensão. 


Conclusão 

Somente a constante utilização de metodologias de trabalho científico permitem aprimoramento e cada vez maior desenvolvimento intelectual do aluno ou do pesquisador, capacitando-o a avançar nos estudos e nas pesquisas. 


(Imagens: pinturas de Lesser Ury)

Questão ambiental no Brasil: algumas lições

sábado, 18 de janeiro de 2020
"Este é o melhor motivo para estudar história: não para poder predizer o futuro, e sim para se libertar do passado e imaginar destinos alternativos. É óbvio que não seria uma liberdade total - não há como evitar sermos moldados pelo passado -, mas alguma liberdade é melhor do que nenhuma."   -   Yuval Noah Harari   -   Homo Deus - Uma breve história do amanhã


Através de minhas atividade profissionais venho acompanhando o setor de meio ambiente há muitos anos. Iniciei minha carreira na área em 1992, ano da ECO 92, realizada no Rio de Janeiro durante o governo Collor. Agora, depois de observar a atuação de vários governos, pude tirar algumas lições do que foi o desenrolar da questão ambiental no país ao longo desses anos.

Quando falo em questão ambiental, refiro-me aos diversos aspectos de como a sociedade brasileira vem se relacionando com o assunto. Por exemplo, como os altos e baixos da economia têm influenciado a maneira de como fabricantes e comerciantes, governos, órgãos públicos e consumidores têm se comportado em relação ao meio ambiente e sua preservação? De que forma estes mesmos agentes atuaram com referência à legislação ambiental, à modernização da tecnologia de prevenção da poluição, em relação às ONGs, aos movimentos ambientalistas e clientes exigentes quanto às práticas ambientalmente corretas? O quanto a sociedade brasileira levou em conta os estudos e relatórios publicados por cientistas, reportando sobre a degradação dos recursos naturais e da necessidade de se implantar novas práticas em áreas como a mineração, a agropecuária, a agricultura, a gestão dos resíduos urbanos e resíduos perigosos, o saneamento e o manejo das florestas e outras áreas de proteção?

Em termos gerais, levando-se em consideração o que mencionamos acima, pode-se dizer que de uma maneira geral, tanto os governos quanto a sociedade civil sempre foram entusiastas no que se refere à preservação do meio ambiente – pelo menos em teoria. Empresários anunciavam planos de modernização de suas fábricas, para economizar insumos e reduzir o impacto ambiental de suas atividades. Administrações federais apresentavam recursos para implantação de planos de saneamento e infraestrutura. Prefeituras elaboravam projetos de gestão de resíduos, enquanto empresas privadas comunicavam futura criação de iniciativas de reciclagem de materiais.

Na prática, no entanto, as boas intenções derrapavam na falta de recursos financeiros, conhecimentos técnicos, organização e dificuldades no atendimento da legislação. Ou seja, parte do que estava planejado não era concretizado a tempo. Mesmo assim, aos trancos e barrancos, o país avançava. Parte das grandes diretrizes ambientais, como a redução do desmatamento, a manutenção e o aumento das áreas de preservação, a implantação de energias renováveis, o aumento da participação dos biocombustíveis na matriz energética, a criação de uma política nacional de resíduos e outras iniciativas menores, estavam sendo implantadas. 

Por essa determinação, o Brasil sempre foi um dos principais articuladores e interlocutores dos grandes fóruns ambientais mundiais. Desde 1992 tínhamos um importante papel, por dispormos de um grande estoque de riquezas naturais; biodiversidade, recursos hídricos, solos férteis, extensa faixa litorânea, diferentes biomas. E, mais importante, o Brasil transmitia a imagem de que, apesar das dificuldades, o país – sociedade civil e governo – estavam empenhados em atingir suas metas socioambientais e contribuir com o mundo em ações de preservação e redução de emissões.  

O atual governo, no entanto, através das ações de seu ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, transmite uma imagem completamente diferente do país – como mostrou em sua recente participação na COP 25, realizada em dezembro na Espanha. No ministério promoveu corte de recursos (que já eram escassos) em diversas áreas, exonerou funcionários, nomeou profissionais não ligados ao setor, limitou e promoveu descontos em multas ambientais – para supostamente combater o que chama de “indústria da multa”. Por seu posicionamento de confronto, o país perdeu os recursos do Fundo Amazônia, que já captou mais de 3 bilhões de reais e financiava ações de preservação na região.

Um dos principais resultados imediatos destas ações ministeriais, foi o aumento do desmatamento da Amazônia em 30%, entre 2018 e 2019. Isto sem falar na demora no combate ao derramamento de óleo em cerca de 900 praias nordestinas, acidente cujo causador ainda permanece desconhecido. Tais fatos prejudicam a imagem internacional do Brasil, fazendo com que perca seu lugar entre os grandes protagonistas mundiais na área ambiental. Tornamo-nos um “anão” na questão ambiental mundial. A má reputação na área da sustentabilidade poderá comprometer outros setores da economia, como o agronegócio e a pecuária, o turismo e os programas de cooperação internacional de pesquisa em biodiversidade, mudanças climáticas e energias renováveis.
  

(Imagens: pinturas de Panayotis Tetsis)

Gerenciamento de resíduos urbanos: onde estamos?

sábado, 11 de janeiro de 2020
"Por isso é que, na formação de professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática."   -   Paulo Freire   -   Pedagogia da autonomia

A correta gestão dos resíduos urbanos sempre foi um dos maiores desafios das aglomerações urbanas. A primeira cidade europeia a construir uma aterro sanitário planejado foi Atenas, na antiga Grécia, aproximadamente em 500 AEC. Nas cidades medievais da Europa, não era incomum que se jogasse o lixo e os resíduos sanitários pelas janelas das casas para a rua. A inadequada disposição dos detritos poluía o lençol freático que abastecia as fontes públicas das cidades, provocando frequentes epidemias de febre tifoide e outras doenças ligadas à água contaminada. Apenas gradualmente, ao longo dos séculos, se impõe a ideia de dispor os rejeitos urbanos longe do centro urbano, em local relativamente isolado e sob controle.

Modernamente, o gerenciamento do lixo urbano passou a ser tratado de modo científico primeiramente na Inglaterra, onde em 1842 Edwin Chadwick publicou seu estudo “Relatório a Respeito da Pesquisa sobre a Condição Sanitária da População Trabalhadora na Grã Bretanha” (Report of an Inquiry into the Sanitary Condition of the Labouring Population of Great Britain), provando o vínculo entre o surgimento de doenças e as condições de saneamento das cidades. Em 1848, o governo inglês estabelece com a “Lei de Saúde Pública” (Public Health Act) os marcos iniciais para uma legislação de gerenciamento de resíduos públicos. Da Inglaterra estes conceitos e práticas foram se estendendo a outros países, alguns dos quais – como a França e a Alemanha – também já tinham obtido avanços nesta área.      

No Brasil a questão surge no período colonial, quando a disposição do lixo das poucas cidades mais importantes já era um tema que despertava atenção. Em seu texto “Por uma história do lixo”, publicado na Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente (InterfacEHS, 2006), a historiadora Dra. Rosana Miziara escreve que uma das primeiras referências à limpeza pública na cidade de São Paulo é uma comunicação da Câmara Municipal de 1623, escrita por ocasião das festas religiosas, convidando os donos de casas a “limpar e carpir testadas”. Em 1625, antes da Procissão de Passos, a Câmara Municipal determinava que cada morador mandasse “seu escravo com sua enxada carpir o adro da igreja e a praça da vila”. Numa cidade pequena e pobre como a São Paulo do século XVII, a administração municipal não dispunha de recursos próprios para zelar pela limpeza pública.


Atualmente, o Brasil continua enredado com a solução do problema da gestão do lixo. Em 2018 o país gerou 79 milhões de toneladas de resíduos urbanos, dos quais 92% (72,7 milhões de t) foram coletados. Deste total coletado, cerca de 40,5% recebem destinação irregular, em aterros controlados (23%) e lixões (17,5%). Isto significa que parte considerável das prefeituras – cerca de 3 mil em um universo de 5.565 – ainda não dispõe de aterros sanitários regulamentados.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), criada em 2010, previa que até 2014 todos os município brasileiros eliminassem os lixões. Face à incapacidade das prefeituras em atenderem a legislação, o prazo foi prorrogado para 2020. Em decisão recente o Congresso estendeu o limite para 2024. Com estas deliberações, a Câmara passa a mensagem de que se novamente a lei não for cumprida, haverá outras prorrogações no futuro. Até quando o país vai esperar?

(Imagens: pinturas de Rick Griffin)

Longo caminho da recuperação

sábado, 4 de janeiro de 2020
"Tanto no referendo da UE quanto na eleição dos Estados Unidos, fornecedores das Forças Armadas usaram tecnologias de inteligência militar para influenciar eleições democráticas em seus próprios países."   -   James Bridle   -   A nova idade das trevas 


Euforia nos noticiários da TV, nos programas de notícias das rádios e nos artigos jornalísticos. Depois de muita expectativa por parte do governo e do setor empresarial, as compras de final de ano parecem ter atingido o maior volume de vendas desde 2010. Gráficos, tabelas e dirigentes de instituições, comentado com entusiasmo a boa nova: o crescimento da economia finalmente voltou! Será? Outros setores do comércio reportaram que as vendas em grande parte foram iguais às de 2018 e em alguns estabelecimentos até abaixo disso.

Todos lembram que também se esperava a recuperação da atividade econômica depois da votação do teto de gastos do orçamento federal, e nada ocorreu. Depois da votação da reforma da lei trabalhista, muito certamente, o crescimento voltaria, dizia-se. Mas nada aconteceu. Aí, falou-se que depois da eleição de Jair Bolsonaro o mercado reagiria positivamente. Também não. Sim, mas após a posse, tudo voltaria a andar – só que não. Passou quase um ano, durante o qual a economia continuava a avançar a passos de tartaruga - cansada. Agora, no final do ano, havia uma nervosa - quase histérica - espera pelos resultados das vendas do Black Friday e do Natal.

Os resultados foram até além do esperado, dizem os muito otimistas. Com a liberação de parte do FGTS e do PIS-PASEP, a baixa dos juros e a contratação temporária de trabalhadores no comércio por ocasião das festas de final de ano, houve uma injeção de ânimo e de recursos na economia brasileira. Parece ter aumentado o consumo. Com isso, segundo muitos economistas, finalmente deu-se o primeiro passo na gradual recuperação da atividade econômica. Mas as próximas semanas nos dirão se a) houve efetivamente um aumento do consumo e b) se esta tendência se manterá a partir de março de 2020.


Nos últimos seis anos, milhões de trabalhadores perderam o emprego – ainda são cerca de 12,5 milhões de desempregados – e outros 39 milhões atuam na informalidade. A mão-de-obra subutilizada ainda perfaz 27 milhões de pessoas e os subocupados são 7 milhões. Os que desistiram de procurar emprego totalizam 4,6 milhões de pessoas. Comparando, a soma de todas estas categorias perfaz um total de 83,1 milhões de cidadãos, enquanto que a população ocupada no país é de 94,1 milhões.

Ainda não se sabe se este restabelecimento da economia será sustentável. O brasileiro já está acostumado às recuperações de curto fôlego, chamadas de “voos de galinha”. O aumento das vendas - se efetivamente ocorreu -, por enquanto, significa apenas isso: aumento das vendas, principalmente devido ao aumento dos estímulos, como mencionado anteriormente. Somente a partir do início de 2020 é que será possível saber se a aceleração da atividade econômica é estável, ou se foi apenas sazonal, devido ao pequeno crescimento da atividade econômica que sempre ocorre a cada final e início de ano.

(Imagens: fotografias de Milton Guran)