Vida eterna, prazer eterno

sábado, 29 de abril de 2017

O que será este impulso, a vontade inconsciente que todo ser vivo tem de sobreviver? E no ser humano, uma vontade de sobreviver eternamente?

No caso de nós humanos, pressupõem-se que esta sobrevivência seja de modo positivo, ou seja, que traga ao indivíduo uma situação prazerosa por longo tempo - o máximo possível.

Mas, e quando não é assim? Não há casos em que indivíduos, dotados de todas as suas faculdades, não têm mais vontade de viver, por causa de profundo desconforto provocado, por exemplo, por uma doença? Há casos como esses relatados na literatura, em filmes, e muitos conhecemos situações como esta na vida real.

Assim, há situações nas quais nem todos os humanos tem vontade de viver/sobreviver - pelo menos em condições ditas terrenas - eternamente. Quando chega a dor provocada pela doença de qualquer tipo, a vontade de viver se reduz.

Poderia se admitir que a maior parte das pessoas gostaria de viver muito/eternamente, se as condições prazerosos de que gozam no momento fossem mantidas. Isto quer dizer que a maior parte das pessoas não quer simplesmente "existir" eternamente; quer, em outras palavras, eternizar sua situação de prazer.

Mesmo se no momento não vivem em circunstâncias boas, agradáveis, prazerosas, esperam que no além (no Paraíso, Plano Astral, ou outra denominação qualquer) possam "viver olhando a face de Deus" (alguém sabe exatamente o que isso significa?), "encontrar os entes queridos" (esquecem das brigas, dos ressentimentos).

O anseio, a sede pela vida eterna é principalmente a vontade de eternizar a fruição dos prazeres da vida terrena, sejam quais forem (intelectuais, sensoriais, emocionais, etc.).
Não se pensa, por exemplo, como esta situação aparentemente prazerosa - pelo menos sob a perspectiva daqui do "mundo terreno" - será por toda a eternidade.

Não é por outra razão que existem relatos, histórias e anedotas de quanto seria tedioso o Paraíso. Por isso, muitas religiões, como o hinduísmo e o budismo (principalmente em suas versões populares) e correntes de pensamento religioso, como os espíritas kardecistas, fazem da vida além-túmulo uma atividade agitada e variada, com toda sorte de peripécias. Encarnações diversas (passagens por muitas vidas), inclusive no reino animal e no reino das divindades (no caso das religiões orientais), encontro com seres de outros planetas, etc.

Enquanto isso, as religiões monoteístas (qual seria a relação entre um forte monoteísmo e a falta da metempsicose?) não têm muitas imagens e ideias sobre o além. Os relatos sobre o mundo post mortem são raros e as poucas histórias existentes são baseadas em alegorias e lendas tecidas sobre a vida de santos e pessoas admiradas como extraordinárias

Concluindo, temos que a "vontade de viver eternamente", dada por muitos como fundamento de que tal vida eterna deve existir, não é nada mais que uma vontade de fruir prazer por um longo tempo - já que não sabemos o que é eternidade.


Aqui ainda não levantamos a questão de como seria a nossa personalidade nesse mundo por vir. Se já aqui, no curto espaço de tempo da vida humana, notamos alterações em nossas personalidades - algumas para melhor e outras para pior -, o que dizer das mudanças que podem ocorrer durante uma "eternidade"? Isso sem mencionar - ou perguntar - o que realmente somos; o consciente, o inconsciente, os impulsos? 


Somos o resultado desta constante interação entre nossa constituição genética, nossa herança cultural e nossa capacidade (inata, mas nem sempre consciente) de  fazer interagir estas heranças. 

Então, admitindo de que existe qualquer tipo de sobrevivência depois da morte, o que de nós vai para o "além"?

(Imagens: Cenas da Divina Comédia - gravuras de Gustave Doré) 

Crise econômica, desemprego e meio ambiente

sábado, 22 de abril de 2017
"Governar é, primeiro que tudo, saber o que se quer, a razão por que se quer, as consequências do que se quer."  -  Rui Barbosa  -  Obras completas 

Há vinte ou trinta anos, quando o ritmo de desflorestamento na Amazônia era maior do que hoje, os desmatamentos diminuíam toda vez que a economia entrava em crise. Decrescia o consumo de produtos, minguavam os investimentos em atividades agropecuárias, fazendo com que parte da floresta fosse poupada por mais uma temporada. Nos períodos de pouca atividade econômica diminui o consumo, a produção e a consequente geração de resíduos, tanto industriais quanto domésticos. Menos insumos e matérias primas são utilizados, o que reduz a pressão sobre os recursos naturais. Quando a crise persiste e não ocorre a recuperação econômica de setores, atividades ou regiões, vem a decadência e o abandono da infraestrutura, como ocorreu por exemplo com a Fordlândia, no Pará, as cidades abandonadas de mineradores na Namíbia e as regiões rurais do estado da Virgínia, nos Estados Unidos.
Uma das consequências da crise econômica, o desemprego, também pode ser o indutor de danos ambientais, com consequência consideráveis. No Brasil ainda temos poucas análises deste tipo de situação, mas basta percorrer a web para encontrar artigos que discutem as consequências ambientais do desemprego, sob diversos aspectos. Queda na compra de produtos ambientalmente corretos (geralmente mais caros), a suspensão de políticas de taxação de produtos poluentes, ou a diminuição de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), são consequências do desemprego, discutidas na Europa e nos Estados Unidos. Um assunto que preocupa especialistas americanos, por exemplo, é que com o rareamento de postos de trabalho, pessoas são obrigadas a aceitarem empregos longe de suas casas, provocando aumento nos deslocamentos de veículos, ampliando as emissões de gases. A mesma situação certamente ocorre nas grandes metrópoles brasileiras, mas dada a pouca disponibilidade de dados e informações, este fato passa despercebido, ignorado no meio de tantos impactos ambientais maiores.
Há outros fatos, mais evidentes, que demonstram o efeito negativo da crise econômica e do desemprego sobre o meio ambiente. Recentemente o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou um decreto através do qual voltará a dar incentivos à exploração do carvão, com o objetivo de gerar mais empregos neste setor. A mineração de carvão já passava por uma crise de empregos há alguns anos, devido à automação de processos e a queda no consumo - carvão vinha sendo substituído por gás natural. A medida, criticada por ambientalistas, também pretende liberar novas áreas para exploração do carvão. Assim, para reabrir alguns milhares de postos de trabalho e beneficiar um setor em crise, o presidente Trump aumentará consideravelmente as emissões de gases de seu país.

No Brasil a crise econômica e o desemprego sempre foram usados como argumentos para diminuir o rigor na análise de projetos, sob aspecto ambiental. Assim, a construção de grandes obras de infraestrutura, de grande impacto ambiental, é justificada, segundo a propaganda oficial, por gerar empregos e desenvolvimento. Isto ocorre desde a construção da rodovia Transamazônica, na década de 1970, até as recentes hidrelétricas na Amazônia - além de outros projetos em fase de análise, como a termelétrica na cidade de Peruíbe, SP. O argumento é repetido exaustivamente pela imprensa, pelos empresários e por políticos, sendo aceito por parte da população. Os que exigem mais rigor ambiental, são considerados os inimigos do progresso. A qualidade de vida, a preservação do meio ambiente, são assim sacrificadas para objetivos imediatos; a criação de empregos. Estes postos de trabalho, todavia, geralmente são de baixa remuneração e em poucos anos provavelmente serão substituídos por máquinas que, a baixo custo, executarão o mesmo trabalho. Teremos então a pior situação possível: sem empregos e com o meio ambiente degradado.
(Imagens: pinturas de Grant Wood)

Gestão de resíduos, qual o futuro?

sábado, 15 de abril de 2017
"Este mundo é um imenso tonel de marmelada"  -  Machado de Assis  - O Dicionário

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) é o passo inicial que o Brasil precisa dar para gerir seus resíduos de forma moderna. A lei, que deveria ter entrado em vigor a partir de agosto de 2014, teve sua validade prorrogada para 2018 em diante. Se o Congresso não resolver fazer outra caridade com o chapéu alheio, as capitais e os municípios de regiões metropolitanas terão prazo até 31 de julho de 2018 para substituírem seus lixões por aterros sanitários devidamente aprovados. Os municípios de fronteira e os que tinham mais de 100 mil habitantes segundo o censo de 2010, terão prazo até julho de 2019 para prepararem seus aterros. As cidades com 50 a 100 mil habitantes, terão prazo até julho de 2020 para se prepararem. Por último, os municípios com menos de 50 mil habitantes (base 2010), que terão prazo final para construírem seus aterros até 31 de julho de 2021. Com essa regra, a maior parte dos municípios brasileiros (95%) terá prazo até 2020 - coincidindo com o último ano do mandato dos atuais prefeitos - para colocar em prática projetos de coleta seletiva, organizarem as partes envolvidas e construírem aterros sanitários.  
A lei foi aprovada durante o governo do presidente Lula, quando a economia brasileira estava em plena expansão e não faltavam recursos para projetos de infraestrutura. Agora, em meio à crise econômica e à falta de caixa para gerir a máquina pública, os municípios se veem forçados a implantar um política para a qual a maioria não está preparada. No estado de São Paulo, onde a PNRS deveria ter avançado consideravelmente, de cada quatro cidades uma tem lixão a céu aberto. A pesquisa, executada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) em 2016, pesquisou 163 municípios do estado, dos quais apenas 51,54% criaram planos de gestão integrada de resíduos. Dados da pesquisa do TCE foram publicados pela jornalista Sofia Jucon, na revista Meio Ambiente Industrial & Sustentabilidade de março/abril de 2017. Ainda segundo o estudo, apenas 11,73% dos municípios que destinam seus resíduos corretamente em aterros fazem reciclagem; 1,23% promove alguma reutilização e 2,47% se preocupam com a compostagem. Uma parte considerável dos municípios analisados ainda não fez o seu Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PGIRS), instrumento elementar para que a cidade possa atender a PNRS.
Mesmo com a melhoria da situação econômica do país, é pouco provável que a maior parte das cidades tenha recursos para adequar-se à política. As municipalidades precisarão criar "taxas de lixo", pagas por todos os usuários do sistema municipal de coleta, e instituir eficientes processos de reuso, reciclagem e compostagem, para diminuir o volume de refugo destinado ao aterro. O maior gargalo de todo o processo, segundo um especialista, está principalmente no fato de na administração pública não existir planejamento para desenvolver e implantar estes planos.

A Brasil não tem mais como prorrogar o problema da gestão dos resíduos. Na maior parte dos municípios, os aterros estão com sua capacidade quase esgotada. A aprovação de novos aterros é processo prolongado e muitas vezes as áreas municipais não comportam a construção de novos depósitos. A incineração do lixo é solução a ser analisada sob diversos aspectos; tais equipamentos são caros, têm diversos impactos ambientais e demandam grande volumes de lixo.
(Imagens: pinturas indianas)

Kropotkin (e Hume) e as leis da natureza

sábado, 8 de abril de 2017

Kropotkin (e Hume) e as leis da natureza

Texto interessante de Kropotkin (1842-1921) sobre o anarquismo. Em determinado ponto o autor diz que não existem "leis da natureza". Trata-se, segundo ele, do fato de que a suposta lei toma aspecto de causalidade: "Se tal fenômeno é produzido sob certas condições, outro fenômeno necessariamente se seguirá. Não existe uma lei colocada fora do fenômeno: todo fenômeno governa aquele que o segue, não há lei."

A questão das "leis da natureza", de certa forma já foi analisada pelo filósofo David Hume (1711-1776), que coloca em discussão até a lei de causalidade. Hume se pergunta se a repetição constante de sequências de acontecimentos pode ser vista como uma regra invariável da natureza, uma "lei", ou se é apenas uma coincidência que sempre se repete. O filósofo inglês quer com isso mostrar que nossa interpretação da natureza é uma generalização.

Fatos ocorrem na natureza, quando determinadas condições são dadas. São, em outras palavras "acontecimentos que ocorrem, invariavelmente, quando determinadas condições são dadas no início da sequência de acontecimentos que estamos analisando".

Por exemplo, se damos início a um "acontecimento observável" impulsionando uma esfera que estava em repouso sobre uma mesa. Dependendo da aceleração que dermos à esfera e do tamanho da mesa, aquela se deslocará até cair no chão, rolar e perder o impulso, parando.

Podemos analisar esta sequência de acontecimentos como sendo uma demonstração da lei da causalidade. No entanto, nestas dadas condições a causalidade ocorre de determinada maneira, que podemos chamar de lei da física (envolvendo aceleração, atrito, gravidade, etc).

A  "lei" efetivamente não está colocada fora do fenômeno; ela não existe por si só. A lei da natureza é apenas um acontecimento que destacamos do mundo físico, e que invariavelmente ocorre, quando certas condições são dadas. Algo como "Se P => S". Como disse Kropotkin "não existe lei colocada fora do fenômeno".
(Imagens: pinturas de George Bellow)

EUA retrocedem no combate às mudanças do clima

sábado, 1 de abril de 2017
"Uma coisa está clara - há indícios cada vez maiores de que o lugar de onde vieram nossos antepassados, como eles se adaptaram para lidar com o meio ambiente e onde vivemos hoje em dia, tudo se combina para ter um impacto significativo em nossa saúde."  -  Dr. Sharon Moalem e Jonathan Prince  -  A sobrevivência dos mais doentes

As mudanças climáticas são fato reconhecido pela maioria dos cientistas. O fenômeno é em grande parte causado pela emissões de gases, relacionados com as atividades econômicas. Recentemente, cientistas chegaram à conclusão de que as grandes extinções de espécies do período geológico Permiano, há 250 milhões de anos, foram causadas principalmente pelo acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera. A temperatura média da Terra aumentou em vários graus, dando origem a uma sequência de acontecimentos, que provocaram o desaparecimento de 95% de todas as espécies marinhas e de 70% dos animais terrestres.
Estes indícios, no entanto, parecem não preocupar muito o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Este, como afirmou que faria durante a campanha eleitoral, recentemente assinou uma ordem executiva, que indica uma mudança nas diversas medidas de combate ao aquecimento global, implantadas pelo antecessor de Trump, Barak Obama. Ainda na época eleitoral, o então candidato Trump havia declarado em entrevista que as mudanças climáticas seriam uma farsa, inventadas pelo governo chinês para frear o desenvolvimentos dos Estados Unidos.
Durante as reuniões do Acordo de Paris, o congresso climático mundial organizado pela ONU em 2015, os Estados Unidos haviam assumido o compromisso de cortar suas emissões de gases de efeito estufa em 26% até 2025, tendo por base os níveis de emissão do ano de 2005. Para alcançar esta redução, o governo Obama criou o Plano de Energia Limpa, que entre outras providências impunha às usinas de energia uma diminuição na emissão de gases. As usinas, cuja maior parte funcionava a carvão, entraram em uma disputa judicial com a agência ambiental federal (EPA), que se estende até hoje.
Ao longo dos últimos anos a indústria do carvão americana vinha perdendo empregos devido à automatização de seus processos. Além disso, muitas termelétricas estavam trocando o carvão pelo gás do xisto, que é menos poluente. O governo Trump, no entanto, planejando atender aos reclames do setor do carvão, vai suspender uma moratória imposta em 2016 pelo presidente Obama, e permitirá a concessão de terras federais para a implantação de novas usinas de carvão. Para beneficiar outros segmentos do setor de energia e combustíveis, Trump deverá rever medidas de redução de emissões de gás metano na exploração de petróleo e gás natural.

Por trás de todas estas ações do atual governo americano, apoiado por parte do Partido Republicano, está a intenção de recuperar empregos. O raciocínio, no entanto, segundo especialistas, é bastante simplista. Sabe-se há algum tempo que a indústria da energia renovável, principalmente a solar e a eólica, geram muito mais empregos do que a cadeia do carvão. Permanece também o fato, de que em determinada época do futuro os Estados Unidos serão definitivamente forçados a reduzir suas emissões, visando cumprir acordos internacionais.
Para atender seus eleitores, mesmo que criando empregos insustentáveis a médio prazo, os EUA podem anular anos de esforço em prol da redução das emissões de gases de efeito estufa. Segundo um cientista climático americano, as medidas adotadas por Trump "são um sinal para outros países de que talvez não devam cumprir os seus compromissos, o que significaria a falha do mundo em ficar fora da zona do perigo climático." (jornal O Globo 28/3).
(Imagens: fotografias de Eugene Atget)