Ética e a "Ética a Nicômaco": algumas considerações

sábado, 25 de outubro de 2014
"Quero dizer que o que observamos, na realidade, é sempre uma combinação de circunstâncias contextuais com um elemento de causalidade, que não tem como ser previsto."  -  John Casti  -  O colapso de tudo

Os atos morais são aqueles passíveis de aprovação ou desaprovação, de acordo com as normas aceitas. A este conjunto de atos e das normas chama-se moral. A ética, por outro lado, é o estudo dos atos e fatos morais. A liberdade ética é a capacidade de autodeterminação do ser humano, sem a qual a moral não pode existir. Usando de sua liberdade, o homem aspira a ser feliz e para isso se dirigem todos os seus atos.
A ética investiga racionalmente os atos morais; é uma ciência porque investiga sistematicamente e de uma maneira racional os atos humanos. Os princípios universais nos quais a ética se baseia são, todavia, sujeitos as condições sociais de cada grupo humano. A moral é relativa no sentido de se adaptar cada vez mais às condições socioculturais, e não no sentido de ter valor relativo. O pensamento usado na análise ética é o do tipo sintético, que parte de um caso ou casos particulares e então os generaliza (dentro de uma determinada sociedade, uma lei moral é geralmente válida de uma maneira universal). O objeto de estudo da ética são os atos humanos, baseado no que há neles de bom ou mal, com o objetivo de dar aos homens critérios de valores, para que eles possam julgar e balizar suas atitudes.
A moral se estabelece em sociedade, para orientar e estabelecer a correção dos atos humanos, em relação aos outros membros da sociedade. A criação de uma sociedade de classes acaba propiciando o aparecimento da moral dos dominadores e a dos dominados; uma direcionada a manter o status quo, e a outra com um posicionamento crítico (o posicionamento dos dominados).
A ética de Sócrates era baseada no autoconhecimento (conhece-te a ti mesmo). Segundo o pensador ateniense, ninguém é mau porque quer, mas porque é ignorante da verdade. A ética só pode ser desenvolvida através da convivência social – daí a íntima relação da ética e da política. A ética fundamenta-se em três princípios: liberdade, virtude e bem. Para Aristóteles a virtude é ao mesmo tempo liberdade e bem. Protágoras de Abdera, por sua vez, advogava um relativismo que influía na própria ética, já que “o homem é a medida de todas as coisas”. Em suas atividades filosóficas Sócrates se colocava contra este ceticismo ético defendido pelos sofistas.
Quando os homens se agrupam para viver em sociedade, criam governos que, segundo Platão, permite o aparecimento de homens que não são éticos, nem sábios. Estes tipos de governos são: a timocracia, representada pelos donos de terras na antiga Grécia, a forma tradicional de governo. Depois desta fase original aparecem, segundo Platão, a oligarquia, que é o governo dos ricos, sem participação dos pobres; a democracia, onde reina o gosto de cada um, ocasionando a anarquia; e a tirania, onde o tirano torna-se vítima dos seus próprios apetites. No entanto, o Estado ideal, apresentado por Platão na obra A República, é formado por reis-filósofos que dirigem o governo com sabedoria.
Aristóteles, discípulo de Platão, constrói sua filosofia baseada na experiência; todas as idéias são resultantes da experiência. Por isso mesmo, para Aristóteles, a ética não é intuída pelo espírito, mas desenvolvida através da prática social. Desta maneira, para ser feliz, justo e sábio, o homem deve manter-se longe dos excessos e encontrar a prudência, baseado em ações práticas. A ética, para Aristóteles, consiste em procurar a felicidade, organizando sua vida para trilhar o caminho da virtude. A Ética a Nicômaco é uma das obras fundamentais nesta área, tendo balizado toda a ética ocidental, junto com o pensamento judaico-cristão. Com sua obra filosófica, Aristóteles influencia toda a sociedade ocidental, desde a Idade Média.
Na história do pensamento, a ética apresentou principalmente três modelos de conduta: a felicidade ou o prazer, o dever ou a obrigação e a perfeição. A vida em sociedade força o indivíduo a guiar suas ações livres por alguma regra e a moralidade consiste em viver de acordo com estas regras. Desta forma, a ordem moral é o conjunto de relações de utilidade; quem age de acordo com elas age bem, quem as desrespeita age mal. Adicionalmente, de acordo com o fim será a utilidade.

A maior parte dos pensadores aceita que a ação moral só pode ser executada por um ser livre dotado de inteligência. Este pressuposto, no entanto, é colocado em dúvida por filósofos como Spinoza, Hume, Hegel, Nietzsche, entre outros, e vem sendo bastante discutido pela moderna neurologia e psicologia. Mas é regra aceita que a conduta humana só tem significado se existe liberdade. Adolfo Sanches, em sua obra “Ética”, escreve, entre outras coisas, que o conceito de consciência está relacionado ao da obrigatoriedade; a consciência é o juiz dos nossos atos morais. Apesar de livre, a consciência é determinada por fatores históricos e sociais e desenvolve-se através da prática social. Mas, apesar dos diversos determinismos aos quais somos sujeitos, gozamos todos de liberdade suficiente para exercermos nossos atos morais – pelo menos precisamos aceitar este fato para que nossa sociedade continue razoavelmente funcionando.
O principal filósofo a estudar a ética na Idade Média foi São Tomás de Aquino, que fez um trabalho de harmonização do cristianismo e do aristotelismo. Nesse trabalho, Aquino omitiu certos aspectos do pensamento de Aristóteles e adaptar outros aos princípios cristãos. A moral de Tomás de Aquino é essencialista: a moralidade de uma ação é determinada por seu objeto e pela sua intenção. Além disso, Tomás de Aquino também afirmou que assim como existem diversos grupos humanos, existe uma diversidade de leis. A importância de Tomás de Aquino na síntese filosófica e moral da Idade Média são enormes.
Os problemas do campo da ética são caracterizados por sua generalidade, diferentemente dos problemas morais, que aqueles com os quais nos deparamos no dia-a-dia. O valor da ética está em suas explicações e não em suas prescrições.       
Em sua Ética a Nicômaco, no capítulo X, Aristóteles analisa se o prazer é bom ou mau. Afirma que existem várias opiniões e inicia a análise da questão. Apresenta inicialmente a opinião de Eudoxo, que dizia que o que é mais desejado é o maior de todos os bens. Aquilo que é bom para todas as coisas e a que todas elas tendem, é o bem por excelência. Platão, segundo o texto, diz que o prazer não é um bem e que a vida agradável é mais desejável quando acompanhada de sabedoria.
Mais à frente, Aristóteles conclui que, baseado no raciocínio de alguns pensadores, o prazer também tem graduações e não pode ser o preenchimento de alguma carência, já que isto seria somente a supressão de sofrimento. Então, fazendo referência ao prazer de aprender, o prazer dos sentidos e de sensações, afirma que estes não envolvem sofrimento. Conclui seu raciocínio, afirmando que “meu prazer é o bem, nem todo prazer é desejável, e que alguns prazeres são efetivamente desejáveis por si mesmos, distinguindo-se eles dos outros em espécie ou quanto às suas fontes. Acerca das opiniões correntes sobre o prazer e o sofrimento, basta o que dissemos.” (Aristóteles, 2002, pg.221).   
Continuando sua análise do prazer, Aristóteles se pergunta o porquê de ninguém sentir prazer continuamente, já que isto seria impossível para o ser humano, como atividade constante. Quanto à questão de escolher, escolher a vida, tendo em vista o prazer, ou o prazer tendo em vista a vida, a questão fica, por enquanto, sem análise, já que os dois permanecem ligados, visto que sem atividade não há prazer. Mais à frente o texto afirma que algumas atividades têm efeitos contrários, sendo que prazer e certas atividades podem estar em lados opostos. Além disso, como existem atividades diferentes, há diferentes tipos de prazer; uns superiores e outros inferiores.
Depois de falar das virtudes, as formas de amizade e as várias espécies de prazer, Aristóteles passa a discutir a natureza da felicidade, já que ela é o fim da natureza humana. Aristóteles inicia sua argumentação afirmando que à felicidade nada falta; ela é auto-suficiente. As atividades desejáveis não visam mais nada do que a si mesmas, e as ações virtuosas são desta natureza. Já que muitos encontram o bem-estar em algum passatempo, Aristóteles inicia a discussão deste tema e conclui que a felicidade não está no divertimento. Todavia, não nega que o divertimento é necessário para o relaxamento, após muito trabalho. Em seguida, Aristóteles discute sobre a superioridade das atividades sérias sobre as risíveis. Conclui que a felicidade não está em passatempos, mas sim nas atividades virtuosas. Ao final da argumentação, conclui que “a sabedoria filosófica é reconhecidamente a mais agradável das atividades virtuosas”. (Aristóteles, 2002, pg. 229).
Ainda sobre a contemplação filosófica, Aristóteles afirma que esta atividade será a felicidade completa do homem. Em outro ponto diz que não devemos nos ocupar com coisas humanas e mortais, já que nós próprios o somos. Devemos sim, assim que possível, ocupar-nos com assuntos imortais, “esforçando-nos para viver de acordo com o que há de melhor em nós.” (Aristóteles, 2002, pg.230).
Comparando a vida dos deuses, Aristóteles afirma que a atividade perfeita é uma vida contemplativa equivalente aquela dos deuses, que vivem em bem-aventurança. O homem é feliz enquanto consegue imitar os deuses nesta atividade na contemplação; a contemplação e o cultivo da razão, aliadas a uma vida virtuosa, são exatamente as qualidades do filósofo, o mais feliz dos homens e querido dos deuses.Discutindo sobre como os homens adquirem vontade, Aristóteles conclui que a virtude é em grande parte motivada por uma predisposição dada pelos deuses, aliada ao cultivo de virtudes através da convivência social. “É indispensável que o caráter tenha alguma afinidade com a virtude, amando o que é nobre e detestando o que é vil.” (Aristóteles, 2002, pg.235). Aristóteles afirma que os homens que se empenham em tornar outros melhores, devem ser capazes de legislar. As leis e as constituições, segundo o Estagirita, podem tornar as pessoas melhores.
Bibliografia:
Aristóteles. Ética a Nicômano. Editora Martin Claret: São Paulo, 2002, 240 pgs.
(Imagens:pinturas do budismo chinês)

Floresta amazônica: ocupação, preservação e pesquisa

sábado, 18 de outubro de 2014
"O homem tornou-se um ser supersticioso ou religioso pelo simples fato de que ele era um ser mais inteligente que os outros."  -  Jean-Marie Guyau  -  A irreligião do futuro

A floresta amazônica é um dos recursos naturais mais importantes de que dispõe o planeta. Os serviços ambientais prestados pelo imenso bioma incluem itens como: geração de chuvas para outras regiões do planeta, equilíbrio do clima local e global, manutenção de recursos hídricos, além de abrigar uma extensa variedade de ecossistemas. A ciência ainda não conseguiu avaliar o quanto e como a imensa floresta influencia o ciclo de vida na Terra.
Dados geológicos revelam que a complexa cobertura vegetal na região é bastante antiga, existindo há pelo menos 55 milhões de anos; sendo anterior ao aparecimento da cordilheira dos Andes. Durante as eras glaciais nos últimos dois milhões de anos, as baixas temperaturas médias globais fizeram com que a floresta encolhesse, sendo substituída por grandes extensões de savanas. Quando as geleiras no hemisfério norte recuavam, o clima na região amazônica também voltava a ficar mais quente e úmido, ocorrendo novamente a expansão da floresta tropical.
A Amazônia passou a ser efetivamente ocupada a partir dos anos 1970 quando o governo militar, com medo de uma invasão estrangeira, resolveu colonizar a região construindo a rodovia Transamazônica e distribuindo lotes de terras para milhares de migrantes pobres. A falta de apoio técnico e financiamento para os agricultores, aliada à péssima infraestrutura de transportes – impossibilitando o escoamento de colheitas e o deslocamento de equipamentos – fez com que a maioria dos colonos abandonasse a região depois de alguns anos.
Se a agricultura familiar não pode prosperar na região, as grandes fazendas e grupos econômicos – nacionais e internacionais – passaram a tomar extensões de terra cada vez maiores. Esta ocupação, muitas vezes realizada de forma violenta e fraudulenta, estava associada a grandes desmatamentos, já que à época o governo federal e os governos locais ofereciam incentivos para a derrubada da floresta. A partir dos anos 1980 a expansão da agricultura e pecuária na região, acelerou ainda mais o processo de degradação do bioma.
Nos últimos quinze anos cresceu visivelmente o interesse, tanto no Brasil quanto no exterior, em preservar a floresta. Estudos científicos, relacionando a supressão das grandes florestas tropicais de todo o planeta às mudanças climáticas e ao aumento da temperatura média, chamaram a atenção da comunidade internacional para a região. Interessava agora preservar a floresta, para que esta pudesse continuar a fornecer seus importantes serviços ambientais.
À época, o governo Lula implantou medidas de controle e cooperação com ONGs atuantes na região, conseguindo reduzir drasticamente os índices de desmatamento. O governo atual manteve esta política, estabelecendo acordos de cooperação com instituições internacionais. Entre agosto de 2012 e julho de 2013 o desmatamento foi de 5.891 km², a segunda menor taxa de desflorestamento nos últimos 25 anos. Com essa redução o país poderá receber até 2,5 bilhões de dólares em pagamentos por redução de emissões de gases.     
Técnicos do Brasil e da Alemanha estão construindo uma torre para monitoramento da atmosfera da Amazônia. A estrutura terá 330 metros de altura, disporá de mais de 30 instrumentos científicos e durante 20 anos colherá dados sobre como a floresta influencia o clima global e é influenciada por este.  
(Imagens: fotografias de Russel Lee)

Brasil não dispõe de banheiros públicos

sábado, 11 de outubro de 2014
"Chamaremos de discurso um conjunto de enunciados, na medida em que se apoiem na mesma formação discursiva; ele não forma uma unidade retórica ou formal, indefinidamente repetível e cujo aparecimento ou utilização poderíamos assinalar (e explicar, se for o caso) na história; é constituído de um número limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência."  -  Michel Foucault  -  A arqueologia do saber

A falta de coleta e tratamento de esgoto é um grande problema ambiental no Brasil, refletindo pouca atenção à higiene e saúde pública. Assim, não é de estranhar que ainda existam 3,5 milhões de casas que não dispõem de um banheiro, segundo o Censo do IBGE de 2010. A falta de sanitários públicos nas cidades também é um problema em todo o país, onde grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro improvisam soluções com banheiros químicos móveis pouco higiênicos.
A falta de banheiros públicos nos centros urbanos também tem explicações históricas. Até os anos 1960 a maior parte da população vivia em áreas rurais, as cidades eram menos populosas e de menor tamanho. Na maior parte das aglomerações urbanas então existentes, seus habitantes não tinham necessidade de longos deslocamentos por grandes distâncias. Era possível resolver as pendências pessoais em torno dos quarteirões que cercavam a praça da matriz, já que era por ali que se situavam os cartórios, bancos, consultórios médicos, as mercearias, etc. Se o transeunte precisasse “aliviar suas necessidades”, havia sempre um bosque, uma beira de rio ou local ermo, à curta distância. Quem estava em viagem pela cidade, tinha um hotel, hospedaria ou pensão como local de permanência.
Nos últimos 50 ou 60 anos a população brasileira cresceu exponencialmente, inchando os centros urbanos. No entanto, nenhuma cidade brasileira, pequena ou grande, resolveu um problema básico de seus habitantes ou visitantes: onde fazer as necessidades fisiológicas, quando fora de casa? Os poucos banheiros disponíveis em aeroportos, shopping centers, rodoviárias, estações de metrô, ônibus ou trem, estão em locais afastados, geralmente longe de onde circula a maior parte da população. Isto sem falar das condições de higiene destes banheiros, muito ruins.
Nas estradas brasileiras a situação não é diferente. O país possui uma malha rodoviária de aproximadamente 1,3 milhão de quilômetros, dos quais apenas 140 mil estão pavimentados. Destes, 14 mil quilômetros foram transferidos a 51 empresas privadas, que operam estas rodovias em regime de concessão. Nesta modalidade, as concessionárias são responsáveis pela manutenção e conservação das estradas e se remuneram através da cobrança de uma taxa, o pedágio. As autovias privadas são melhores do que aquelas sob responsabilidade dos governos municipais, estaduais e federal, dispondo de boa infraestrutura, sinalização, telefones de emergência e equipes de apoio. No entanto, um importante item que mesmo as estradas sob administração privada não dispõem são os banheiros públicos. Não fosse algum restaurante, lanchonete ou posto de gasolina no percurso, o usuário teria que aliviar suas necessidades à beira da estrada, como de fato muitas vezes acontece. Recentemente vimos em uma importante estrada em São Paulo, de altíssimo fluxo de veículos, alguns banheiros químicos, colocados lá para atender às “demandas urgentes”. Instalações de alvenaria, limpas, higiênicas, principalmente para mulheres e crianças, não existem nas estradas brasileiras.
O poder público tem como obrigação zelar pela higiene e pelo bem estar da população – pelo menos é o que acontece em países civilizados e modernos. A exemplo do que ocorre nestes lugares, já é hora de nossos prefeitos e do Ministério dos Transportes pensarem em soluções para este problema tão humano.   
(Imagens: fotografias de Otto Umbehr)

O PAC e o saneamento

sábado, 4 de outubro de 2014
"A conexão de dopamina e crença foi estabelecida por experimentos que Peter Brugger e sua colega Christine Mohr conduziram na Universidade de Bristol, na Inglaterra. Explorando a neuroquímica da superstição, do pensamento mágico e da crença na paranormalidade, Brugger e Mohr descobriram que pessoas com altos níveis de dopamina têm maior probabilidade de encontrar sentido nas coincidências e descobrir significados e padrões onde eles não existem."  -  Michael Shermer  -  Cérebro e crença 

Chegamos ao final de mais um governo e o país ainda não dispõe de uma infraestrutura razoavelmente eficiente, apesar da sucessão de planos para melhorá-la. Em 2007, ainda no governo Lula, foi lançada uma iniciativa que deveria recuperar e ampliar a infraestrutura brasileira. O Plano de Aceleração do Crescimento, PAC 1, como foi chamado, previa a execução de um total de 1.646 projetos ao custo de R$ 503,9 bilhões. Incluía a construção de hidrelétricas, estradas, ferrovias, aeroportos, portos, sistemas de saneamento, casas populares, sistemas de transporte urbano. No governo Dilma, foi criado o PAC 2, que previa investimentos totais de R$ 955 bilhões, incorporando projetos do PAC 1, que ainda não haviam sido terminados. Segundo declarações do próprio governo, todas as obras relevantes deveriam estar concluídas até o final de 2014. Acaba agora o prazo estabelecido e somente as obras consideradas mais relevantes estão prontas, a um custo bem superior aquele inicialmente calculado. 
As importantes obras de saneamento previstas no PAC estão em grande parte a cargo do Ministério das Cidades. Este chegou a criar em 2012 o Plano Nacional de Saneamento que prevê investimentos em tratamento de água e esgoto, drenagem e gestão de resíduos no valor de R$ 420 bilhões até 2030. Segundo o site do PAC (http://www.pac.gov.br/noticia/5a7e2fc8), entre 2011 e 2013 o país investiu mais de R$ 30 bilhões em saneamento. Com outros recursos adicionais, os repasses do PAC para o setor, segundo o governo, deverão totalizar R$ 37,8 bilhões até o final de 2014.
O Instituto Trata Brasil (http://www.tratabrasil.org.br/saneamento-no-brasil) é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse público (OSCIP), formada por empresas com interesse no saneamento e na preservação dos recursos hídricos. A considerar os dados desta instituição, a situação do saneamento básico no Brasil está longe de mostrar avanços. Segundo a organização, 82,7% da população brasileira são atendidos com água tratada, ou seja, mais de 17% dos brasileiros – cerca de 34 milhões de pessoas – ainda não pode consumir água potável. Em relação à coleta e ao tratamento de esgoto a situação ainda é pior: somente 43,8% da população têm acesso à coleta dos resíduos e apenas 38,7% dos esgotos gerados são tratados. Isto quer dizer que mais de 113 milhões de pessoas não dispõem de coleta de esgoto e que cerca de 18 mil toneladas de esgoto doméstico (equivalente a 900 caminhões pipa) são despejadas em rios, lagos e no oceano a cada dia. Ainda segundo o Instituto Trata Brasil, seriam necessários R$ 303 bilhões para universalizar os serviços de tratamento de água e esgoto em 20 anos, o que representaria um investimento médio de R$ 15,15 bilhões ao ano.
Apesar do atraso das obras do PAC e do ritmo mais lento que o plano deverá assumir à medida que se desacelera a economia, é importante que o país continue mantendo altos investimentos em saneamento. O tratamento da água e do esgoto doméstico implica em menores taxas de afastamento de trabalhadores por motivos de doença, redução do número de internações e mortes de crianças, menos rios e lagos poluídos, melhor aproveitamento escolar e maiores receitas em turismo. O grau de desenvolvimento econômico e social do país já não permitem mais esta situação de atraso no saneamento e nas condições higiênicas, apesar de sete milhões de brasileiros ainda não terem acesso a banheiros. 
(Imagens: fotografias de Léonard Misonne)