Legislação ambiental na América Latina

sábado, 30 de outubro de 2010
"O possível é mais rico que o real. A natureza apresenta-nos, de fato, a imagem da criação, da imprevisível novidade. Nosso universo seguiu um caminho de bifurcações sucessivas: poderia ter seguido outros. Talvez possamos dizer o mesmo sobre a vida de cada um de nós." Ilya Prigogine - O fim das certezas

A América Latina é uma região de grandes contrastes, tanto sob o aspecto social quanto econômico. Enquanto que certas regiões do continente já atingiram um grau de organização social e desenvolvimento econômico comparável a certas partes da Europa, a maioria dos países latino-americanos ainda vive em condições precárias. Esta disparidade no grau de desenvolvimento tem uma influência na maneira como as sociedades encaram a questão da proteção ambiental. Países com mais alto grau de industrialização, desenvolvimento humano e conscientização – como o México, o Brasil, o Chile a Argentina e o Uruguai - possuem uma ordenação ambiental mais desenvolvida e específica.
Outro fator que exerce uma grande influência neste contexto é o grau de organização da sociedade civil. A maioria dos países latino-americanos viveu durante grande parte do século XX sob ditaduras que restringiram as liberdades individuais. Grandes projetos, implementados por governos ou grandes companhias nacionais ou multinacionais, não tiveram seus impactos ambientais avaliados e discutidos com os grupos sociais atingidos pelos projetos. A própria ação das ONGS (Organizações Não-Governamentais) era tolhida e encarada como ingerência externa nos interesses dos países, já que a maioria destas organizações à época era de origem estrangeira.
A questão ambiental começou a ser discutida com mais profundidade na maioria dos países latino-americanos somente a partir de meados da década de 1980. Neste período temos, por um lado, o aumento dos problemas ambientais ocasionados pela concentração populacional nas grandes metrópoles, como a questão do acesso à água, o tratamento do esgoto e a coleta do lixo. Por outro lado, acentuaram-se as conseqüências da degradação ambiental causada pelas diversas atividades econômicas, como a agricultura (monocultura voltada para a exportação) a mineração e a atividade industrial.
A biodiversidade da América Latina é uma das maiores do mundo. Segundo dados da ONG “Conservation International”, que compilou diversos dados estatísticos no ano 2000, a America Latina abriga:
- Sete dos países com maior diversidade de vertebrados no mundo;
- Doze dos países com maior diversidade de aves;
- Doze dos países no mundo com maior variedade de anfíbios;
- Cinco dos doze países no mundo com maior variedade vegetal;
- Sete dos países no mundo com mais de 70% de seu território ainda coberto por vegetação natural.
Quanto aos recursos hídricos, a bacia do rio Amazonas é a maior em todo o planeta. As bacias dos rios Paraná e Prata - localizadas entre a Bolívia, Paraguai, Brasil e Argentina - e a do rio Orenoco, localizada entre a Venezuela e a Colômbia, estão entre as mais importantes em todo o planeta. A América do Sul dispõem do maior aqüífero em todo o mundo, o Guaraní, cobrindo parte do território do Brasil, da Bolívia, Paraguai, Uruguai e da Argentina.
Todavia, em outras regiões da América Latina os recursos hídricos são mais escassos e sua falta representa um desafio ao desenvolvimento futuro destas regiões. O México e o Peru, por exemplo, estão entre os países com maiores problemas de escassez de água, já que utilizam anualmente cerca de 15% de seu estoque de recursos hídricos. Grande parte dos rios brasileiros localizados em uma faixa de até 300 km do oceano Atlântico – onde se localizam as maiores cidades brasileiras – estão poluídos por efluentes domésticos e industriais e parcialmente assoreados pelas atividades agrícolas e pecuárias.
A legislação ambiental, que até há cerca de 30 anos era praticamente inexistente na região, foi rapidamente implantada. O principal sinal desta mudança é que a questão ambiental foi incorporada às constituições da maioria dos países da região, em diversos níveis de profundidade. Nos últimos 30 anos, 14 países latino-americanos promulgaram novas constituições, todas elas contendo capítulos específicos tratando sobre a questão ambiental. O meio ambiente deixa de ser encarado como assunto somente limitado as atividades econômicas e as decisões de governos. O cidadão passa a ter assegurado seu direito em dispor de um meio ambiente saudável, assim como acontece nas sociedades mais desenvolvidas.
No aspecto legal, a maioria dos países da América Latina estabeleceu legislações ambientais específicas, tratando de assuntos como: recursos hídricos, recursos minerais, áreas marinhas, pesca e caça, recursos florestais, turismo, produtos químicos e poluição atmosférica. Criaram-se leis específicas regulamentando temas como a obrigatoriedade de execução dos EIA (Estudos de Impacto Ambiental), o correto gerenciamento e disposição final de resíduos perigosos, as leis de crimes ambientais, e normas estabelecendo padrões para emissões atmosféricas e níveis de tratamento de efluentes. Apesar disto, as leis muitas vezes não incluem sanções administrativas ou criminais. Uma exceção importante é a Lei de Crimes Ambientais do Brasil, publicada em março de 1998, que prevê pesadas sanções penais para os poluidores, podendo levar os infratores até a cumprir pena de prisão.
A maior parte dos países latino-americanos também desenvolveu estratégias nacionais e planos de proteção ambiental, geralmente contando com financiamento e assistência técnica de organismos internacionais. Durante as décadas de 1980 e 1990 muitos países da região criaram novas instituições ambientais na forma de ministérios, secretarias, agências controladoras, conselhos e comissões. Países como o México, Honduras e Nicarágua são bons exemplos de países que implementam sua política ambiental através de Ministérios. Outros, como o Chile, Equador, Guatemala e Peru optaram por conduzir a questão ambiental através de Comissões Coordenadoras.
A América Latina, encarada como um todo, já deu seus primeiros passos no estabelecimento de uma legislação ambiental. Novos fatos, na área econômica e social, estão forçando cada país a aprimorar e alterar suas leis e avançar cada vez mais em direção ao conceito de desenvolvimento sustentável. O maior problema, no atual estágio de desenvolvimento das sociedades latino-americanas não é a falta ou o pouco desenvolvimento da legislação. O que mais afeta o meio ambiente na região é a fraca implementação da legislação existente. Existem inúmeros exemplos em toda a região, como:
- Extensas áreas de floresta amazônica localizada no Peru, no Brasil e na Colômbia – apesar de estarem sob proteção legal – ainda são derrubadas por falta de controle das autoridades da região.
- No México, grande parte dos recursos hídricos esta poluída por efluentes domésticos e industriais, apesar de existir legislação que exige o tratamento destas emissões.
- Na Nicarágua, criaram-se diversas leis referentes a descarga de efluentes domésticos, industriais e agrícolas, que todavia não são respeitadas, aumentando o nível de poluição dos lagos e cursos de água.
- As emissões atmosféricas de atividades mineradoras na Bolívia e no Chile ainda causam danos ao meio ambiente, apesar de existirem leis regulamentando estas atividades.
Especialistas latino-americanos e de diversos órgãos internacionais apontam os seguintes fatores como principais impedimentos a um efetivo controle ambiental e cumprimento da legislação na região:
- Pouca coordenação entre os diversos órgãos ambientais, agências econômicas e sociais;
- Falta de recursos financeiros para implementação de programas e projetos;
- Poucos profissionais qualificados e escassez de recursos para treinamento e equipamentos de monitoramento;
- Falta de decisão política para implementação de programas e projetos;
- Pressão econômica por partes de grupos que se sentem afetados pelas ações de controle.
Por outro lado, os mesmos analistas apontam tendências que deverão contribuir para a melhoria do controle ambiental e a criação de leis mais restritivas:
- O papel cada vez mais forte desempenhado pela opinião pública sob regimes democráticos;
- A atuação dos meios de comunicação, apontando os problemas ambientais e informando a população;
- O fortalecimento dos ministérios públicos em todos os países da América Latina;
- Crescimento da importância das normas técnicas em economias cada vez mais internacionalizadas;
- Empresas multinacionais e locais voltadas para o mercado exportador estão introduzindo sistemas de gerenciamento ambiental e obtendo certificações na norma ambiental ISO 14001;
- Diversos países da região já criaram leis de proteção ao consumidor e com isto também órgãos de proteção ao consumidor;
- O aumento do numero de ONGs, com grande atuação na área ambiental e social;
- A “industria ambiental” apresenta um rápido crescimento, abrindo novas oportunidades de trabalho e ampliando a oferta de cursos especializados.
Quanto às normas ambientais da série ISO 14001, é cada vez maior o número de empresas – principalmente nas economias mais industrializadas da região – implementando sistemas de gerenciamento ambiental, para em seguida obterem a certificação. O Brasil é o país na América Latina com o maior número de certificações na norma ISO 14001, devendo alcançar cerca de 3.000 certificações até o final de 2009. A Argentina dispõem de cerca de 800 empresas certificadas, o México cerca de 600 e o Chile aproximadamente 500. Quanto as certificações em outras regiões da América Latina, estas ainda são em número reduzido.
As empresas que estão obtendo a certificação ambiental são empresas com seguinte perfil:
- Empresas de grande porte, nacionais ou multinacionais;
- A grande maioria destas empresas exporta parte de sua produção para a Europa, EUA ou Japão.
- A maior parte das empresas certificadas na norma ISO 14001 já obtiveram a certificação na série 9000.
- Algumas empresas certificadas já estão solicitando a seus fornecedores que implementem um sistema de gerenciamento ambiental , para que no futuro também possam solicitar a certificação ambiental.
Em suma, está sendo criada uma estrutura que permitirá o desenvolvimento deste mercado nos próximos anos.
Cabe acrescentar que o desenvolvimento sustentável da América Latina não depende somente da criação de leis ambientais mais elaboradas e restritivas. É importante que, sejam criados mecanismos locais e internacionais, que possibilitem à América Latina atingir melhores padrões de educação, emprego, moradia e saúde para seus habitantes.
(imagens: Almeida Junior)

Mozart e as boas lembranças da vida

sábado, 23 de outubro de 2010
Um dia, numa taverna, pedi a um velho notícias dos que partiram. E ele me respondeu: "Não voltarão. Eis tudo o que sei. Bebe vinho".  -   Omar Khàyyàm  - Rubàiyàt

A música de Mozart é inspiradora. Psicólogos e neurologistas já realizaram vários testes e chegaram à conclusão de que as harmonias criadas pelo austríaco acalmam os ânimos e aumentam a criatividade, se ouvidas por longos períodos. Até animais, segundo outras experiências, perdem parte de sua agressividade inata ao escutarem prolongadamente a música de Mozart. Seja pelo efeito fisiológico ou pelo prazer estético, vale a pena apreciar as sinfonias, concertos e minuetos, criadas por este gênio.
Pois bem, estava eu ouvindo as “Salzburger Sinfonien” um dia destes, quando por acaso me lembrei de um texto lido há algum tempo, não me lembro em que lugar. A história era quase o enredo de um filme, com imagens construídas cuidadosamente pelo autor. O texto descrevia em muitos detalhes instantes nas vidas de diversos tipos de pessoas, apresentadas em uma sequência de quadros. Nestes, os personagens retratados se recordavam dos momentos mais felizes de suas vidas.
Na primeira cena aparece uma mãe, talvez já avó; recordava-se de quando seus filhos eram pequenos ainda, dormindo no berço. Hoje a realidade dela talvez fosse outra – o texto nada deixa entrever – mas a recordação traz à mulher instantes de grande alegria. Outra cena, e aparece um operário cansado de um dia de trabalho, viajando em um ônibus e lembrando com satisfação o quanto seu esforço sempre pôde contribuir para a sobrevivência e união de sua família. Mais à frente na narrativa aparece um homem, não mais tão jovem, lembrando-se do sol iluminando o rosto e o sorriso da primeira namorada. O personagem seguinte é um político no final de uma carreira que por vezes fora tortuosa; recordava o idealismo de seus primeiros anos na militância política.
Na narrativa do texto, até aqueles que pareciam não ter boas lembranças, conseguiam recordar-se de algo que os tocava. O preso lembrou-se com saudades de uma vez, quando ainda era jovem e havia tirado uma boa nota na escola, sendo elogiado pela professora. O velho músico, sem parentes, abandonado na enfermaria de um hospital qualquer, recordava com alegria de quando era jovem e viajava pelo mundo.
O autor do texto descrevia uma sequência de imagens e situações que diziam respeito especificamente a cada pessoa retratada e que nela despertava lembranças agradáveis, até felizes. A idéia por trás da narrativa era contar uma estória – um filme, no entanto, seria mais indicado para transmitir a beleza das imagens – mostrando que qualquer ser humano guarda em sua memória experiências que, mesmo depois de muitos anos, podem tocar seus sentimentos. Uma narração com forte influência dos escritores russos, como Dostoievski e Tolstoi, que em suas descrições descem ao fundo do coração humano. Com suas lembranças, ao recordarem os momentos felizes, os personagens se alegram novamente, mesmo não tendo mais motivos para isso naquele instante de suas vidas.
As idéias que me vinham à memória sobre o texto que havia lido eram interessantes, até tocantes, e me levaram a pensar um pouco no dilema humano da dor e da alegria – se bem que o contrário da dor é a ausência dela.
Considerei o fato de que se estas situações se repetissem sempre na vida de seus protagonistas, elas perderiam toda a beleza e emoção. Se a mãe, por exemplo, pudesse passar toda a vida vendo seus filhos dormir no berço, sem qualquer tipo de ameaça, longe da dor e da morte, a imagem não teria mais nada de emocionante, tornar-se-ia banal e enfadonha. Se o operário soubesse que sempre poderia sustentar sua família, que não seria afetado por crises econômicas e pelo cansaço da vida, ele também não sentiria nenhuma satisfação com seu esforço – que, aliás, também não seria mais um esforço. O homem, por sua vez, valoriza tanto a primeira namorada, por saber que as seguintes não foram iguais à primeira (pelo menos assim pensa); todos os relacionamentos foram diferentes, mas nenhum tão emocionante quanto o da primeira vez. Se tudo sempre fosse igual, não haveria emoção na lembrança.
Há emoções que além de serem agradavelmente marcantes, são únicas ou raras. Poucas vezes se repetem durante a vida – pelo menos não tão frequentemente quanto as emoções e sensações desagradáveis. Determinada situação é positivamente emocionante porque pode acabar, deixar de existir; seja pela doença, pelo conflito entre as pessoas, pela crise econômica, pela morte, pela mudança das condições de vida. Talvez seja por isso que muitos dizem que a vida no além, nos céus das religiões, deve ser muito monótona. Sempre tão boa que esquecemos a tristeza e passamos a não valorizar a alegria. Será que a felicidade eterna é tediosa? Os budistas, talvez antevendo este tédio na eternidade, eliminaram o ego na vida do além. Não há mais personalidade que se alegra ou se enfada.
Não podemos nos desligar de nossos antepassados na longa cadeia da vida. Apesar de não conseguirmos nos comunicar com outras espécies, sabemos que a existência de todos os animais é uma constante luta pela sobrevivência e pela perpetuação da vida. São poucas as espécies que tem longos períodos de tranqüilidade e bem estar – talvez, uma ou outra tartaruga terrestre, daquelas encontradas por Darwin nas ilhas Galápagos. Ninguém pode afirmar ou desmentir isso, mas acho que os outros seres além dos humanos também devem prezar bastante os momentos de bem estar, caso os tenham na memória. Este impulso também deve ter passado aos humanos – afinal, somos animais como os outros. Valorizamos os bons momentos porque são poucos.
Com certeza é por isto que nossa espécie inventou e tanto gosta de música, a música de Mozart especialmente. Já escrevia Allan Watts, de que o que possibilita a música é a variação da intensidade dos tons e as pausas entre eles. Se não existissem, a música seria uma sequência infindável de sons, incompreensíveis, desagradáveis e monótonos. Assim talvez também a nossa vida, sem os poucos momentos felizes dos quais nos podemos lembrar. Caso não ocorressem, nossa existência seria “uma história contada por um louco, cheia de som e fúria, e sem qualquer sentido", como escreveu Shakespeare.
(imagens: pinturas e tapeçaria medievais)

Comércio internacional e a questão ambiental

quinta-feira, 14 de outubro de 2010
 "Logo que, numa inovação, nos mostram alguma coisa de antigo, ficamos sossegados".   Friedrich Nietzsche 

Introdução
O objetivo deste trabalho é apresentar e comentar a relação entre o comércio exterior e a proteção ao meio ambiente, apontando a razão de posicionamentos antagônicos sobre o tema e levantando seus aspectos positivos e negativos.
Justificativa
Historicamente o comércio internacional sempre foi assim: países industrializados exportam tecnologia cara para os países em desenvolvimento. Estes, por sua vez, exportam commodities primárias, produtos agrícolas, minérios, alguns manufaturados e poucos produtos industrializados – geralmente fabricados em processos de alto risco ambiental ou de uso intensivo de energia.
Esta situação, no entanto, está gradualmente mudando. Países em desenvolvimento querem se tornar, cada vez mais, industrialmente avançados, chegando a exportar o excedente de sua indústria. Ao mesmo tempo, a agricultura dos países industrializados é cada vez mais subsidiada, representando uma concorrência desleal para os produtos dos países em desenvolvimento.
Nesta situação de concorrência, onde todos querem obter as maiores vantagens possíveis sem deixar de parecerem justos, deflagra-se uma constante guerra comercial entre as nações e seus blocos. Um dos instrumentos utilizados pelos países ricos para impedir a entrada de produtos são as barreiras não-alfandegárias, entre as quais se incluem as ambientais.
Sob a ótica ambiental, todavia, estas barreiras e pressões exercidas pelos países industrializados representam um impulso ao desenvolvimento de práticas ambientais mais corretas, nas empresas e instituições públicas dos países em desenvolvimento.
Desenvolvimento
O comércio internacional teve um grande crescimento durante os últimos 50 anos, particularmente a partir da década de 1990, quando se abriram novos mercados depois da queda do Muro de Berlim e do desenvolvimento das telecomunicações, que se tornaram mais rápidas. O aumento da demanda permitiu que cada vez mais os países em desenvolvimento – grandes fornecedores de commodities em geral – participassem do comércio internacional. “A economia mundial não está mais monopolizada pelos países desenvolvidos. Sem a África, Ásia e a América Latina ou a Europa do leste, não pode haver globalização. Já que o crescimento econômico em economias em desenvolvimento e em transição é maior do que em economias em países desenvolvidos. É provável que dentro das próximas duas décadas o mapa econômico global mude mais do que nos últimos 20 anos. Empresas no Brasil, China, Índia e Polônia, continuam a reunir energia e se tornarão gradualmente grandes atores nos mercados internacionais. Isto significará uma mudança fundamental na paisagem corporativa mundial”. (UNCTAD, 2001, pg. 17).
Os países em desenvolvimento sempre foram exportadores de commodities e importadores de tecnologias. Por isso, estiveram sempre em desvantagem no comércio internacional. As cotações das matérias primas e dos produtos agrícolas sempre estiveram abaixo dos preços das tecnologias desenvolvidas nos países industrializados. “O papel do progresso tecnológico é chave para compreender o porquê do desenvolvimento desequilibrado entre centro e periferia, pois sua disseminação e, consequentemente, a distribuição dos ganhos e produtividade não era uniforme entre os países. Prebisch baseava seus argumentos em evidências empíricas que revelavam uma desigualdade muito grande entre os produtores e exportadores de bens manufaturados e os produtores e exportadores de commodities primárias, manifestada nas diferenças de elasticidade de demanda desses dois tipos de bens e na tendência à deterioração dos termos de troca das commodities primárias.” (Ministério do Meio Ambiente, 2002, pg. 42).
Situação semelhante viveram os países produtores de petróleo. De 1911 a 1969, ano de criação da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), os países produtores eram simples joguetes nas mãos das “Sete Irmãs”, as sete grandes companhias petrolíferas que exploravam e revendiam todo petróleo extraído. Todavia, quando resolveram juntar-se em uma associação e ditar os preços do petróleo, a situação mudou radicalmente: da noite para o dia estes países obtiveram recursos suficientes para investirem em infra-estrutura e serviços, de modo a atenderem as necessidades de seus cidadãos. Esta decisão dos países produtores de petróleo repercutiu negativamente em todo o capitalismo industrial; haviam-se acabado os tempos de petróleo barato e em grande quantidade.
Muitos países em desenvolvimento já alcançaram certo grau de industrialização como o Brasil, México, Indonésia, Filipinas, Argentina, entre outros, estão entre as nações onde desde a década de 1950 e 1960 as indústrias multinacionais estabeleceram suas bases. No Brasil, tivemos entre os anos 1950 e 1960 a fase da indústria de máquinas, indústria metalúrgica e automobilística; a fase da indústria química, eletro-eletrônica e de bens de consumo, nos anos 1970 e 1980. As empresas aqui estabelecidas atendiam a todo tipo de legislação vigente no país, sem, no entanto, manterem os mesmos padrões de qualidade de produto, de processo ou de preocupação com o meio ambiente e o consumidor, que praticavam em seus países de origem.
Outro aspecto desta fase do capitalismo é a migração de determinados tipos de processos de produção para os países periféricos. Linhas de fabricação de produtos altamente tóxicos e contaminantes foram deslocadas dos países ricos para a periferia pobre que precisava, a todo custo, acelerar seu processo de industrialização. Estas iniciativas acabaram causando desastres ambientais em muitos países em desenvolvimento, cujas legislações e normas técnicas ainda não estavam preparadas para controlar e monitorar tal tipo de atividade. Exemplo disto são os diversos casos de contaminação de solo espalhados pela cidade de São Paulo – e devidamente levantados pelos órgãos de controle ambiental –, causados por indústrias, principalmente químicas. Outro exemplo trágico deste tipo de transferência de indústria, foi o acidente que ocorrido em Bhopal, na Índia, em 1984, quando uma nuvem tóxica de isocianato de metila se espalhou pela cidade, matando milhares de pessoas.
No longo prazo, o objetivo dos países em desenvolvimento é aumentar seu grau de industrialização, a fim de poderem atender principalmente seu mercado interno, deixando de ser dependentes das importações de tecnologias dos países ricos. Por outro lado, países com desenvolvimento equivalente ao do Brasil, já atingiram certo nível de desenvolvimento tecnológico e podem suprir grande parte da demanda de seus mercados internos. Para estes países, no entanto, permanece a situação de que a maior parte do saldo da balança comercial ainda é devida às exportações de produtos agrícolas, minérios, alguns produtos manufaturados e poucos produtos industrializados. Resta a estes países, portanto, “dar o grande salto à frente”, desenvolvendo a própria tecnologia, a fim de se tornarem também exportadores de produtos industrializados, a exemplo do que aconteceu com os países europeus no final do século XIX, com os Estados Unidos no início do século XX, com os Tigres Asiáticos nos anos 1970 e 1980 e com a China a partir dos anos 1990. Para iniciar este processo de modernização são necessários recursos para pesquisa e desenvolvimento, bem como melhoria da estrutura industrial existente. Todavia, convém lembrar que todos estes países só conseguiram desenvolver uma indústria potente através de impedimentos tarifários.
Esta posição, no entanto, vai contra a estratégia dos países ricos, que querem assegurar sua posição de fornecedores de produtos industrializados e de know-how tecnológico, em troca de commodities a preços baixos. Além disso, os países desenvolvidos também produzem alguns itens agrícolas, altamente subsidiados, porque suas agriculturas não conseguem competir com as dos países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, estes países não podem abrir mão de quase toda sua produção agrícola, já que isto causaria problemas sociais, como migrações do campo para a cidade e colocaria a segurança alimentar destas sociedades nas mãos de outros países. Outro aspecto é que o fato de também produzirem commodities agrícolas, dá a estes países poder de barganha nos fóruns internacionais, frente aos países em desenvolvimento.
O resultado deste impasse é que os países em desenvolvimento criaram, ao longo do tempo, tarifas para protegerem suas crescentes indústrias. (Prática comum no século XIX e início do XX entre os países hoje classificados como desenvolvidos). Nos anos 1960, 1970 e até o final dos anos 1980, a maioria das economias dos países em desenvolvimento eram fechadas, com proibições de importação ou altos impostos (tarifas) de importação, visando impedir a entrada de produtos estrangeiros, disponíveis a preços mais baixos, apesar dos custos de logística. Ao final dos anos 1980 ocorre a Queda do Muro de Berlim. A circulação de capitais de investimento torna-se mais rápida, abrem-se novos mercados e aumenta o número de potenciais consumidores nos ex-países socialistas. Ao mesmo tempo, através de políticas capitaneadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), os países de mercados fechados, como o Brasil, a China e a Índia são convencidos a abrirem suas economias, em troca de promessas de investimentos em infra-estrutura e industrialização. No caso do Brasil, os investimentos na indústria e em infra-estrutura – acompanhados pela privatização de parte das empresas do setor público – foram realizados e deram um novo impulso à economia, junto com o Plano Real, o plano de saneamento da economia implantado pelo governo (1994).
Em final dos anos 1990 a economia mundial entra em um processo de crescimento constante, impulsionado em parte pela boa forma da economia americana e recuperação da economia japonesa. A China torna-se a grande beneficiária das mudanças econômicas, seguida pela Índia, o país mais populoso do mundo. A um crescimento médio de 13% ao ano, desde meados da década de 1990, a China passa a ser o maior consumidor mundial de vários produtos agrícolas e pecuários (soja, carne, café, entre outros) e de minério de ferro. A Índia, apesar de crescer em ritmo mais lento (cerca de 7% ao ano), também se torna grande importador de produtos agrícolas e outras matérias primas. Este processo faz com que aumente rapidamente o preço dos produtos agrícolas, provocando uma inflação mundial dos preços (aumento médio de 38% entre 2005 e 2008).
Os países desenvolvidos, impulsores e apoiadores de todo um processo mundial de flexibilização das economias, não podem mais utilizar barreiras tarifárias para dificultar o acesso a seus mercados. Aumentam então as barreiras não-tarifárias, para impedir a entrada de produtos que, eventualmente, possam representar perigo de competição com a produção local. Neste contexto, a questão ambiental entra como uma componente a mais, um argumento adicional, que os países desenvolvidos por vezes podem utilizar para impedir a entrada de produtos dos países em desenvolvimento. “Estudos realizados pela UNCTAD demonstram que os requisitos ambientais tem se tornado cada vez mais freqüentes, rigorosos e complexos em determinado setor, dificultando o acesso a mercados. A União Européia, por exemplo, utiliza cerca de 16,7 mil barreiras não tarifárias, dentre as quais 648 são barreiras de natureza ambiental”. (Paiva Silva, s.d.)
Apoiados em uma opinião mundial cada vez mais consciente em questões ambientais – principalmente em seus próprios países – as nações industrializadas utilizam-se do argumento ambiental para impor limites às exportações de países em desenvolvimento. Trata-se, em muitos casos, de uma barreira comercial disfarçada de preocupação com o meio ambiente. “Os países desenvolvidos tem criado, segundo a UNCTAD, diversos regulamentos ambientais, em setores nos quais os países em desenvolvimento tem se tornado particularmente competitivos, como produtos provenientes da pesca e do setor de base florestal, como produtos têxteis e alguns bens de consumo”. (Paiva Silva, s.d.)
Os conflitos comerciais motivados por questões ambientais acabam criando até Painéis Especiais no GATT/OMC (General Agreement on Tariff and Trade - Acordo Geral de Tarifas e Comércio / Organização Mundial do Comércio). Em um estudo do Ministério do Meio Ambiente do Brasil são tomados cinco casos ilustrativos:
1. Painel do Amianto, entre o Canadá e a França, onde indiretamente o Brasil se envolveu como terceira parte. A proibição de importação estabelecida pela França foi julgada improcedente.
2. Painel de Gasolina, dos Estados Unidos contra o Brasil e a Venezuela, no qual os Estados Unidos, baseados em uma resolução da EPA (Agência Ambiental dos Estados Unidos), queriam impor barreiras às gasolinas brasileiras e venezuelanas, exportadas para aquele país. A decisão do tribunal foi que o motivo alegado pelos EUA era contra o sistema multilateral de comércio.
3. Painel Atum-Golfinho, entre os Estado Unidos e o México. A alegação americana era que a pesca do atum no México não estava utilizando as redes que evitam prender golfinhos. Novamente, neste caso, alegou-se não-conformidade, de acordo com as regras do sistema multilateral de comércio.
4. Painel Camarão-Tartaruga, entre Índia, Malásia, Paquistão e Tailândia contra os Estados Unidos. Alegavam os EUA que o instrumento de pesca do camarão nestes países deveria ser o mesmo que nos EUA. O processo foi considerado não-conforme.
5. Painel Carne- Hormônio entre o Canadá e USA versus a União Européia foi julgado da mesma maneira.
Em outras palavras, as questões ambientais têm gerado Acordos Multilaterais Ambientais (MEA – Multilateral Environmental Agreements), dos quais existem cerca de 200 e destes mais de 20 incorporam medidas comerciais. Os principais dentre eles são:
a) A Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção;
b) Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio;
c) Convenção de Basiléia sobre Controle dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito;
d) Acordo Internacional sobre Madeiras Tropicais;
e) Convenção de Roterdã sobre o Procedimento de Consentimento Prévio Informado para o Comércio Internacional de Determinadas Substâncias Químicas e Pesticidas Perigosos;
f) Protocolo de Cartagena sobre Biosegurança
g) Protocolo de Kyoto.
As barreiras não-tarifárias impostas aos produtos dos países em desenvolvimento, principalmente, também tem uma influência positiva na questão ambiental destes mesmos países. A maioria das nações da América Latina criou leis ambientais e órgãos de controle a partir do início da década de 1990, coincidentemente no mesmo período em que suas economias sofriam um processo de abertura. As normas de qualidade de produto ou serviços da série ISO 9000 tornaram-se populares a nível mundial no final dos anos 1980 e as normas ambientais ISO 14000 a partir da segunda metade da década seguinte. No caso do Brasil, o processo aconteceu um pouco mais cedo, mas não foi diferente. O próprio mercado adotou outros padrões de qualidade ambiental, quando grandes empresas foram forçadas por suas matrizes a introduzirem um procedimento ambiental mais rígido, implantando sistemas de gestão ambiental e participando de acordos setoriais internacionais (como o Responsible Care da indústria química). No início da década de 1990, por exemplo, a indústria de papel e celulose do Brasil sofreu grandes pressões dos consumidores na Europa. O grande problema era que para produzir o papel as indústrias estavam poluindo os rios, ao descarregarem seus efluentes e utilizarem grandes volumes de água no processo de produção. Em menos de dois anos, a maioria dos grandes exportadores de papel instalou estações de tratamento de efluentes e sistemas de reciclagem de água.
Uma diferença importante entre os defensores do meio ambiente e os defensores do livre-comércio, reside no fato de que para os ambientalistas, as normas ambientais usadas nos acordos comerciais deveriam ser as mais elevadas, o que permitiria um processo generalizado de melhoria das condições ambientais, ao passo que para livre-cambistas, tais normas deveriam ser mais baixas, de tal maneira que não comprometessem a liberalização comercial com restrições “indevidas”, associadas ao meio ambiente. Assim, os ambientalistas compartilham uma visão maximalista e os livre-cambistas uma visão minimalista no que se refere ao nível de rigor das normas ambientais.” (Ruppenthal e outros, 2002, s. pg.)
Conclusão
Se o ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Sérgio Amaral disse em 2001: “O comércio é a guerra do século XXI” e o general-filósofo alemão Carl von Clausewitz no século XIX, que “a guerra é uma simples continuação da política por outros meios”, podemos concluir que o comércio internacional, ligado à política internacional, tem muitos componentes de uma guerra entre as nações.
Neste contexto nunca cessará a competição por mercados, por vantagens, pelo lucro. As nações sozinhas, ou em blocos, estarão sempre competindo com seus concorrentes. É por isso que a questão da proteção ambiental, apesar de ser um tema global, capaz de afetar todas as nações, ainda continua sendo subterfúgio para restringir o comércio ou, por outro lado, oportunidade para auferir lucros exorbitantes, se ocorrer o dumping.
Com o pretexto de proteger o meio ambiente e espécies em extinção, tem se protegido às vezes setores da economia e premiado sua ineficiência. Outras vezes, tais ações ajudaram efetivamente a forçar setores da economia a introduzirem medidas de proteção ambiental e órgãos do governo a instituir leis e controles.
A questão do comércio e do meio ambiente está tomando proporções inimaginadas. Todos os grandes problemas da atualidade estão relacionados com a questão ambiental:
a) A questão da produção e comércio dos produtos agrícolas – a crise de alimentos;
b) A questão do aquecimento global e suas influências no mundo – a crise do clima;
c) A questão da energia e sua geração – a crise de energia;
d) A questão da produção eficiente e do consumo – consumo sustentável.
Será possível basear o comércio na cooperação entre os países, para fazer face aos grandes problemas ambientais?
Referências bibliográficas
AMARAL, Sérgio Silva, Meio Ambiente na Agenda Internacional – Comércio e Financiamento, disponível em < www. scielo.br/scielo.php?pid=s0103-40141995000100015&script=sci_arttext> acesso em 18/05/08
CASTRO, Diego; CASTILHO, Selene; BURNQUIST, Heloísa. O comércio e meio ambiente – as diversas faces desse binômio. Disponível em: . Acesso em: 24 abr. 2007
MARTÍNEZ, Osvaldo. O livre comércio: raposa livre entre galinhas livres. Cuba Socialista. Havana, maio 2005. Disponível em: . Acesso em: 06 dez. 2005.
Ministério do Meio Ambiente do Brasil, Comércio & Meio Ambiente – Uma Agenda Positiva para o Desenvolvimento Sustentável, Ministério do Meio Ambiente: 2002, Brasília, 310 pgs.
SILVA DE PAIVA, Henry Iure, Interação entre comércio internacional e meio ambiente, disponível em acesso em 18/05/08
RUPPENTHAL, Janis e outros, As interfaces entre o meio ambiente e o comércio internacional, disponível em acessado em 18/05/08
UNCTAD, International marketing and the trading system, International Trade Centre UNCTAD/WTO: Geneva, 2002, 215 pgs.
(imagens: Tarsila do Amaral)

Breve histórico do desenvolvimento das atividades econômicas e da destruição ambiental

sábado, 9 de outubro de 2010
"As origens da ciência não estão na investigação racional, mas na fé, na magia e no logro. A ciência moderna triunfou sobre seus adversários não através de sua racionalidade superior, mas porque seus fundadores no final da Idade Média e inícios da Idade Moderna eram mais hábeis do que eles no uso da retórica e nas artes da política." John Gray - Cachorros de palha

Alguns autores sustentam que a vida do homem sobre a Terra deixou de ser sustentável a partir do momento em que iniciou a atividade agrícola, entre 10.000 e 5.000 anos antes de nossa Era. Escrevem Mozayer e Roudart em História das Agriculturas no Mundo:
“Nessa mesma época, após algum tempo, essas plantas e esses animais especialmente escolhidos e explorados foram domesticados e, dessa forma, essas sociedades de predadores se transformaram por si mesmas, paulatinamente, em sociedades de cultivadores. Desde então, estas sociedades introduziram e desenvolveram espécies domesticadas na maior parte dos ecossistemas do planeta, transformando-os então, por seu trabalho, em ecossistemas cultivados, artificializados, cada vez mais distintos dos ecossistemas naturais originais.” (Mazoyer e Roudart, 2009, p. 70).
Junto com a invenção da agricultura, no final do período Neolítico (Idade da Pedra Polida), começam a aparecer as primeiras vilas, quase sempre estabelecidas à beira de lagos ou rios, onde exista abundância de peixes e de caça. Alguns dos lugares onde primeiro se fixaram aldeias neolíticas foram as margens do rio Yangtsé (China), do Mar Negro (Rússia), do rio Indo (Índia/Paquistão), do rio Nilo (Egito) e dos rios Tigris/Eufrates (Iraque/Síria). Além destes, existem vários outros lugares menos estudados, onde os humanos começaram a agrupar-se para viver em sociedade. Nas aldeias e cidades agrícolas as relações sociais tornam-se mais complexas, exigindo o desenvolvimento de uma cultura mais elaborada, seja nos costumes, na moral ou na religião. A oferta de plantas e animais domesticados pela própria comunidade ou pelas aldeias vizinhas, dá acesso a novas fontes de alimento – mais proteínas e vitaminas – aumentando as possibilidades de sobrevivência, principalmente na infância. Através da prática, estes agricultores do neolítico vão descobrindo e desenvolvendo os primeiros conceitos mentais abstratos, seja na mensuração e divisão de terras a serem cultivadas, ou na construção de canais para aproveitar as cheias periódicas dos rios.
Através da constante observação, durante as gerações, os agricultores descobrem a relação entre a posição de certas estrelas e planetas, a mudança das estações ou a ocorrência de um ano seco ou chuvoso. Algumas pessoas daquelas sociedades começam a perceber que a natureza funciona por ciclos, que podem ser previstos e calculados.
O excedente da produção agrícola é negociado e trocado por produtos manufaturados em outras regiões. Há objetos de uso diário que não são mais fabricados pelo próprio usuário; começam a aparecer as primeiras profissões, fruto da divisão do trabalho. Estes profissionais, através de anos e gerações de prática profissional, passam a desenvolver ferramentas e utensílios especializados, promovendo desta forma o desenvolvimento tecnológico. O arado, a roda, a carroça puxada por bois, a fundição de metais, o uso do vidro, a tecelagem; foram tecnologias desenvolvidas entre a Pré-História e a Antiguidade em cidades, cidades-Estado, reinos e impérios, cuja base econômica foi a agricultura e o comércio.
Os impactos ambientais do período da Pré-História até o fim da Antiguidade (século V) ainda são reduzidos, segundo as fontes de que dispomos. Existem indícios de que houve grandes desflorestamentos no Líbano e nas costas da Grécia, para construção de frotas marítimas fenícias, gregas e romanas. A região do Tigris e Eufrates, originalmente dominada por pântanos, transformou-se em deserto, devido à lenta evaporação da água e à salinidade do solo, acentuadas pela constante irrigação. Outro motivo de não termos informações de grandes impactos ambientais provocados pelo homem na Antiguidade, é que provavelmente nada foi registrado e os fatos se perderam na memória dos povos.
No entanto, arqueólogos encontraram muitos dados sobre a história do homem e das culturas que este criou, literalmente no lixo das antigas civilizações. Com a pesquisa de ruínas de cidades e de documentos escritos, foi possível escrever uma história da gestão dos resíduos urbanos. O mais antigo aterro sanitário até hoje descoberto, está localizado na ilha de Creta, no Mar Mediterrâneo, construído pela antiga cultura micênica, ligada ao palácio de Cnossos, em cerca de 3.000 AC. Nesta primitiva construção o lixo era colocado em grandes covas, acondicionado em sucessivas camadas, cobertas por terra.
A invenção (ou descoberta) da fundição de metais representou uma nova fase no desenvolvimento tecnológico e, consequentemente, na geração de resíduos. A técnica, descoberta em torno de 3.000 AC, também propiciou, pela primeira vez, a reciclagem de objetos (refundição e transformação em outro produto) e o reuso de restos de fundição.
O autor americano Jared Diamond, por exemplo, faz referência à exploração excessiva dos recursos naturais, na Ilha de Páscoa. Durante mais de mil anos a sociedade viveu em relativo equilíbrio. No entanto, em determinada época de sua história (por volta do ano 1.200 ou 1.300), os pascoanos iniciaram um processo de destruição da cobertura vegetal da ilha, o que acabou precipitando a situação. Grande parte da população morreu de inanição; houve até canibalismo. Por fim, a população diminuiu bastante e entrou em equilíbrio com a pouca oferta de alimentos.
O aumento dos impactos ambientais na Europa tem início em torno do século X, quando a população começa a aumentar e extensas áreas de floresta na Inglaterra, França e Alemanha são derrubadas, para darem lugar à atividade agricultura. Pântanos são aterrados, constroem-se canais de irrigação e de drenagem, novas cidades são fundadas. Camponeses alemães avançam para o leste, já que não havia mais terra disponível para a fixação de novas famílias de agricultores – aos poucos ocorria um aumento da população. Nas cidades, a falta de cuidado com os resíduos faz com que fontes de abastecimento de água se tornassem poluídas. A qualidade da água dos pequenos rios vai gradualmente diminuindo, devido ao acúmulo de todos os tipos de resíduos em suas águas. Exemplo da falta de higiene e ignorância quanto às conseqüências da falta de saneamento, é que era comum nas cidades medievais, que os resíduos sanitários fossem jogados pelas janelas das casas para a rua. Ao longo de toda a Idade Média, diversas cidades européias criaram leis, visando melhorar a gestão dos resíduos e determinando locais específicos para sua disposição.
Devido às péssimas condições de saneamento, uma parcela considerável da população morria ainda na infância. Os centros urbanos, cheios de lixo e excrementos, estavam infestados de ratos, o que ajudou no alastramento da epidemia de peste bubônica, chamada Peste Negra, entre 1346 e 1353. Este flagelo foi um dos maiores incidentes ocorrido na história da Europa, matando cerca de um terço da população e cujas causas foram ambientais: a falta de saneamento nas cidades.
As condições de saneamento das cidades européias começam a melhorar lentamente a partir do século XVI, quando as aglomerações maiores passam a instituir coleta regular de lixo, melhorando relativamente as condições de saúde. A disponibilidade de alimentos também aumenta, com a introdução de tubérculos e legumes – como a batata, o tomate e o milho – na culinária européia, vindos do Novo Mundo. A batata se adaptou tão bem aos climas e solos da Europa, que serviu como base para alimentação das camadas pobres, permitindo o aumento da população em diversas regiões. No plano social, ocorre um movimento de migração do campo para as cidades, já que no ambiente urbano existiam melhores oportunidades de trabalho, longe das péssimas condições nas quais viviam os servos de gleba. No ambiente urbano, o camponês se transformará em artesão e trabalhará para uma oficina, quase uma fábrica artesanal, controlada por um comerciante, que vendará a produção de seus contratados.
Asociedades de todo o mundo mantiveram um nível de desenvolvimento tecnológico e de geração de riquezas mais ou menos igual em todo o mundo, até o final do século XVIII. Na maioria das sociedades desenvolvidas da época, seja na Europa, Novo Mundo ou na Ásia, já existiam máquinas rudimentares, que aproveitavam a força de trabalho dos animais, de escravos, do vento ou da água; muitas delas conhecidas desde a Antiguidade. Todavia, a falta de energia – força suficiente para acionar equipamentos maiores e mais complexos – limitava o aumento da produção de bens e produtos.
A grande mudança ocorreu no final do século XVIII, quando proprietários de tecelagens inglesas introduziram a mecanização em seus processos, usando a força gerada pelo vapor. Nos anos sequentes, a descoberta tecnológica seria aplicada a vários outros segmentos industriais (mineração, transportes, construção, produção de bens de consumo, entre outros), tendo como combustível o carvão em pedra, bastante abundante na Inglaterra. Teria início o que mais tarde os historiadores convencionaram chamar de capitalismo industrial. Nessa primeira fase da Revolução Industrial, ocorrida aproximadamente no período 1820-1870, a industrialização – novidade surgida em Manchester, na Inglaterra – se espalharia por várias regiões da Europa, e gradativamente ampliaria o leque de produtos fabricados, de acordo com a demanda dos mercados e as características de cada região. As atividades econômicas, antes limitadas à força manual ou de animais, seriam gradualmente mecanizadas, já que o principal combustível do desenvolvimento, o carvão mineral, também era abundante na maior parte da Europa continental. Sob o ponto de vista ambiental, o impacto da utilização generalizada do carvão foi um desastre; sujeira, poluição atmosférica na forma de uma espessa fumaça, eram comuns nas grandes regiões industriais como Manchester, Liverpool, Londres (Inglaterra) e a Renânia, na Alemanha. A tuberculose, bronquite, asma e outras doenças respiratórias eram comuns, matando a maioria das pessoas das classes baixas em torno dos trinta e cinco anos.
A partir de 1850 surge a indústria química moderna, cujos produtos inicialmente são destinados à indústria têxtil (corantes), fabricação de tinta e adubos químicos para a agricultura. Havia ainda um grande desconhecimento com relação aos perigos representados por estes processos industriais – que envolviam produtos tóxicos, altas temperaturas e pressões – o que provocou um grande de acidentes, vazamentos e, eventualmente mortes de operários. Um dos principais insumos destes processos industriais, a água, era livremente coletada em rios e lagos e posteriormente devolvida, sem qualquer tipo de tratamento.
A agricultura, igualmente, depois de se utilizar de adubos naturais durante vários séculos (representando a primeira revolução agrícola), tinha agora a sua disposição os primeiros produtos sintéticos, fabricados por processos industriais. Com relação à agricultura e à conservação do solo durante este período, escreve Foster:
“A segunda revolução agrícola, ao contrário, ocorreu em um período mais breve – 1830-1880 – e se caracterizou pelo crescimento de uma indústria de fertilizantes e pelo desenvolvimento da química de solos, associada particularmente pelo trabalho de Justus von Liebig.” (Foster, 2005, p. 210).
Sob o aspecto social, a industrialização tem um efeito nefasto sobre as sobre a vida das classes pobres. Milhões de camponeses, muitas vezes expulsos de suas terras, dirigem-se às cidades, onde encontrarão jornadas de trabalho estafantes, com duração de até 12 horas, que incluíam também as crianças, e péssimas condições de sobrevivência. Descrevendo o modo de vida dos trabalhadores de Manchester em seu estudo “A condição da classe trabalhadora na Inglaterra”, Friedrich Engels relata entre outras coisas que as casas dos trabalhadores eram mal ventiladas, o que não permitia a circulação das substâncias tóxicas e do gás carbônico, gerado pela combustão e pela respiração. Como não havia sistemas de tratamento de esgoto, os dejetos humanos e animais se acumulavam e entravam em decomposição nos apartamentos, pátios e ruas, poluindo o ar e a água. Ainda segundo Engels, havia um alto índice de mortalidade por doenças infecciosas, como a tuberculose e o tifo (provocado pelo piolho), resultante da superpopulação e das baixas condições de higiene. É importante lembrar que até meados do século XIX a maioria das cidades não dispunha de sistemas de coleta e tratamento de esgoto. Londres, uma das mais progressistas metrópoles do mundo à época, só iniciou a construção de estações de tratamento de esgoto por volta de 1860. Os grandes prejudicados com isso eram os pobres, que se amontoavam em bairros operários, enquanto os proprietários, no relato de Engels
“residiam em chácaras ajardinadas, mais afastadas, em Chorlton e Ardwick, ou nas elevadas elevações de Cheetham Hill, Broughton e Pendleton, numa atmosfera pura salubra e campestre, em casa boa e confortável, servida por conduções que se dirigiam ao centro da cidade a cada meia hora ou quarto de hora” (Engels apud Foster, 2005, p.158).
Hunt e Sherman, escrevendo sobre este período da história do capitalismo industrial relatam:
“Não resta dúvida de que, ao longo da Revolução Industrial, o padrão de vida dos pobres sofreu, em termos relativos, um declínio considerável. (...) A máquina transformou-se no foco central do processo produtivo invertendo a situação que prevalecia anteriormente: deixou de ser o apêndice do homem para submetê-lo à sua fria, implacável e despótica dominação.” (Hunt e Sherman, 2005, p. 72 e 73).
Por ser a potencia militar e econômica da época, possuindo o maior índice de industrialização e de produção de bens, a Inglaterra forçou outras nações a liberarem seus mercados para os produtos ingleses. Esta providência atingiu diretamente o Brasil, forçando D. João VI a assinar um Ato, em 28 de janeiro de 1808, liberando vários portos à entrada de produtos ingleses. Mais tarde em 1830 os ingleses proibiram definitivamente o transporte de escravos aos navios brasileiros. A Inglaterra passou a exerceu forte pressão, para que em toda a bacia do Atlântico o tráfico de escravos fosse abolido. Tal iniciativa não foi, evidentemente, por motivos humanistas, mas se deve ao fato de que os escravos representavam uma força de trabalho barata, que de certo modo ainda poderia concorrer com as indústrias britânicas.
A segunda fase da Revolução Industrial vai de 1870 a 1913, caracterizando-se pela difusão dos avanços tecnológicos para vários países fora da Europa (principalmente as colônias das potências européias e os países com os quais tem fortes relações comerciais), pelo desenvolvimento nas comunicações e transportes, e pelo liberalismo econômico, através do livre comércio. Fato significativo nesta fase é a gradual mudança da matriz energética do carvão mineral para o petróleo e seus derivados, apoiado na invenção do motor a combustão interna. Ainda neste período, devido à pressão dos trabalhadores organizados, contanto com a ajuda dos movimentos anarquistas, socialistas e comunistas, os empresários europeus foram forçados a oferecer melhores condições de trabalho aos operários fabris. Países altamente industrializados como a Inglaterra, a França e a Alemanha – onde o movimento operário era numeroso e organizado – criaram as primeiras legislações trabalhistas, oferecendo alguns benefícios à classe trabalhadora.
A terceira fase da Revolução Industrial (1913-1950) foi a mais trágica; tendo sido marcada por dois conflitos mundiais. Economicamente o período se caracterizou pela Crise da Bolsa de 1929, levando toda a economia mundial a uma recessão, da qual só se recuperaria completamente depois da Segunda Guerra (1939-1945). Outra característica econômica do período foi a crescente supremacia da economia americana, o que fez com que se disseminasse por todo o mundo (principalmente depois de 1945) o capitalismo com inovações tipicamente americanas, pejorativamente chamado de American way of living (o modo de viver americano), caracterizado em alguns aspectos por:
- a instituição da linha de produção em série, inicialmente na indústria automobilística, passando depois a ser usada em uma grande gama de setores industriais. Grande impulsionador da linha de produção em série foi o esforço de guerra americano, quando a indústria precisava fabricar grande quantidade de produtos para suprir as tropas americanas espalhadas pelo mundo e ajudar as economias dos países aliados;
- a grande oferta de bens de consumo, conseqüência da disseminação do uso da linha de produção em série. Grande quantidade de bens de consumo, relativamente caros e de difícil acesso para a maior parte da população, tornou-se mais barata. Junto com a profusa oferta de bens de consumo vieram os supermercados e, nos anos 60 os malls ou shopping centers; centros de compras reunindo grande quantidade de lojas oferecendo as mais variadas mercadorias;
- Bens móveis como geladeiras, fogões, máquinas de lavar roupas, tornaram-se parte da vida do dia a dia de grande parte da população. O que antes era restrito a uma elite econômica, tornava-se acessível a uma parcela maior da população;
- O automóvel tornou-se o principal meio de transporte em todo o mundo. Relativamente acessível na sociedade americana, passou a ser cobiçado por grande parte da classe média mundial, como símbolo de riqueza e liberdade. Economias inteiras de países em desenvolvimento passaram a organizar seus sistemas de transporte em função do automóvel, em detrimento de políticas de transporte público;
- Surge a propaganda, como maneira de aumentar as vendas de produtos. Veiculada através das diversas mídias, a propaganda tinha como tarefa principal manter as linhas de produção em série funcionando e trazendo cada vez mais lucros.
Passado o conflito mundial (1945), diversas regiões do globo, notadamente os Estados Unidos, a Europa e o Japão (estes dois últimos com recursos do Plano Marshall) apresentam um crescimento sem precedentes em suas atividades econômicas. A atividade industrial cresce exponencialmente e com ela o fluxo mundial de matérias primas, fontes energéticas (principalmente petróleo) e produtos acabados. O capitalismo industrial se espalha por todo o mundo, criando novos mercados fornecedores de matérias primas e consumidores de produtos. Alguns aspectos desta grande expansão do capitalismo industrial no pós Guerra, foram:
- Surgimento do bloco econômico capitalista, liderado pelos Estados Unidos e seus aliados, e do bloco comunista, formado pela União Soviética e seus países satélite. No meio destes dois blocos, estavam os países do Terceiro Mundo; mais de 90 nações em diferentes graus de desenvolvimento, entre os quais o Brasil, constituídos em grande parte por ditaduras, simpáticas aos americanos ou soviéticos;
- Ajuda financeira e técnica (fornecida por instituições como o americano USAID, o Banco Mundial, o FMI, e outros que foram aparecendo ao longo das décadas de 1960, 1970 e 1980), para que países estratégicos do Terceiro Mundo pudessem se desenvolver política e economicamente. Os financiamentos tinham razões político-estratégicas, como no caso da Coréia do Sul, do Paquistão, do Iraque e da Pérsia (atual Irã), países aliados e bases militares americanas. A ajuda financeira também podia ter motivos político-econômicos, tentando promover o desenvolvimento, a fim de fazer frente ao avanço comunista, como na maior parte dos países da América Latina (caso isso não resolvesse o problemas, valia o estratagema da boa e velha intervenção militar – direta ou indireta);
- Expansão das empresas multinacionais dos diversos setores – automobilístico, metalúrgico, químico, construção, eletroeletrônico, bens de consumo, serviços – se estabelecendo em países que ofereciam uma razoável infraestrutura, mão de obra barata e mercado consumidor crescente. Com o estabelecimento destas indústrias, surgiram diversas cadeias de produção, criando condições para que também se desenvolvesse uma indústria nacional;
- Estas mudanças econômicas criaram diversas mudanças culturais e sociais, ampliando o tamanho da classe média e provocando o deslocamento de milhões de pessoas do campo para a cidade, à procura de melhores condições de vida. No campo, a expansão da Revolução Verde, baseada no latifúndio de monocultura, na mecanização e no uso da química, também ajudou a reduzir os postos de trabalho, acentuando o processo de migração para os centros urbanos. Com relação aos pontos acima comentados, escreve Ladislau Dowbor:
“As economias dominantes continuam a ter grande necessidade de matérias-primas e consideram do seu interesse – e do interesse de suas empresas instaladas no Brasil – manter a estrutura agrária existente: com o desenvolvimento da indústria exigindo a reprodução da orientação da produção agrícola, o que tem implicações diretas sobre a reprodução das relações de produção no campo, como separa as contradições e como poderá o camponês lutar contra os “senhores feudais” sem lutar contra a burguesia industrial que os mantêm? E como poderá lutar contra os dois, sem lutar contra o imperialismo?” (Dowbor 2009, p. 30).
Este o quadro geral. Constatamos que ao longo dos anos 50, 60, 70 e 80 do século XX o capitalismo se expandiu e modernizou, expandindo-se por toda a Terra, chegando a todas as culturas e sociedade. No final do segundo milênio não era mais possível ficar fora da influência deste sistema econômico.
Depois do avanço das várias tecnologias, a partir dos anos 70 tem um rápido desenvolvimento a tecnologia eletrônica e seus sucedâneos; a informática e as telecomunicações baseadas em satélites e redes de computadores, a internet. Fruto da Corrida Espacial e da Guerra Fria, estas tecnologias terão uma grande influência na expansão maior ainda do capitalismo, tornando o fluxo de capitais, informações e produtos ainda mais rápidos, movimentando volumes de mercadorias e valores financeiros nunca imaginados. No final dos anos 80, ocorre a simbólica Queda do Muro de Berlim; em 1991 a União Soviética deixa de existir. Desaparece o socialismo e seus ideais (somente ideais) e expande-se mais ainda o capitalismo, aliado à abertura de novos mercados consumidores e fornecedores (os antigos países socialistas) e à expansão do liberalismo. Escreve Zygmunt Bauman sobre esta fase:
“Esta nova e desconfortável percepção das “coisas fugindo ao controle” é que foi articulada (com pouco benefício para a clareza intelectual) num conceito atualmente na moda: o de globalização.” (Bauman, 1999, p. 66-67).
A expansão acelerada do capitalismo a todos os rincões da terra acabou acelerando o aparecimento de uma crise maior, que se manifestou em 2008. Antes disso, o sistema já vinha apresentando diversos problemas, como:
- Exploração da mão de obra em países pobres. Muitas empresas nem se estabelecem em um país; apenas escolhem fornecedores e impõem preços que permitem pouquíssima margem de lucro, importando o produto acabado para suas matrizes;
- Desemprego em massa. A automação das linhas de produção em série e a substituição de muitas profissões, acabam criando uma multidão de desempregados e achatando os salários daqueles que ainda tem empregos;
- Endividamento de grandes contingentes da população, incentivados pela propaganda dos fabricantes e dos bancos, visando aumentar o consumo;
- Crise financeira nos Estados Unidos que acabou dando origem à crise do capitalismo em 2008, a maior depois da de 1929;
No momento, o capitalismo passa por uma grande crise. Conceitos válidos até recentemente, como “estado mínimo”; “autoregulação dos mercados”; “desregulamentação da economia”; “flexibilização do trabalho”, entre outros, estão bastante desacreditados. Aliada à crise econômica, o mundo enfrenta uma crise ambiental, que terá cada vez mais profundas influências na economia.
Com relação aos impactos ambientais provocados pelas atividades econômicas, sempre existiu a percepção de que as atividades industriais, quando não controladas, ocasionavam destruição dos ecossistemas. Nos primórdios da industrialização, como descrito no texto acima, as populações das regiões industrializadas – principalmente os pobres e operários – já haviam sentido no próprio corpo os efeitos da falta de saneamento, da falta de gestão dos resíduos, da poluição atmosférica e das substâncias tóxicas. Já no início do século XX ocorrem grandes acidentes por causa da poluição, que matam centenas de pessoas em diversos lugares do mundo. A falta de conhecimento, porém, faz com que tais eventos sejam considerados fatos isolados, acidentes.
No início da década de 1960, novos começam a mudar este panorama. Em 1962 a bióloga norte-americana Rachel Carson publica o livro Primavera Silenciosa, que analisa o efeito dos inseticidas, especificamente o DDT no meio ambiente. A obra tem grande impacto sobre a sociedade americana e em alguns países da Europa, dando início às discussões sobre o efeito das substâncias químicas sobre a saúde humana e as outras espécies. Pouco anos depois, em 1968, é criado o Clube de Roma, formado por cientistas, empresários e políticos, dedicados a estudar a degradação da natureza provocada pelas diversas atividades humanas. As previsões feitas pelo Clube de Roma, baseadas em estudos da época, não acabaram se concretizando. Todavia, parte do material produzido e das questões levantadas serviu como alerta para muitos governos e instituições, chamando a atenção sobre os rumos que a economia mundial estava tomando. No aspecto social, surgem nos Estados Unidos e na Europa diversos movimentos sociais, com diferentes orientações ideológicas, questionando o sistema econômico e a organização social vigente. Alguns anos depois, muitos remanescentes destes grupos vieram a constituir as primeiras ONG's (Organizações Não-Governamentais) atuando no setor ambiental, como a Greenpeace e a Worldwatch Institute, a WWF entre outras.
A década das grandes mudanças no setor ambiental mundial foi a de 1970. A situação, tanto na Europa, quanto nos Estados Unidos era insustentável. Rios poluídos por efluentes domésticos e industriais, aterros fora de controle e solos contaminados por hidrocarbonetos e outros produtos químicos poluentes. Por outro lado a pressão exercida pelas ONGs, opinião pública e por partidos verdes, forçou a criação de uma legislação ambiental mais rígida, órgãos de controle ambiental e a realização de grandes obras de saneamento e descontaminação. No âmbito internacional, durante os anos 1980 e início dos anos 1990 realizaram-se diversas conferências internacionais (Comissão Brundtland e a Eco 92 no Rio de Janeiro, por exemplo). Estas iriam estabelecer as bases para a regulamentação de atividades econômicas que envolvessem vários países e que tivessem grande impacto ambiental (como o transporte marítimo de produtos perigosos, a proteção às espécies ameaçadas, questão das emissões, a proteção das florestas, entre outras). No Brasil, as primeiras leis especificamente ambientais foram criadas na década de 1980, estabelecendo marcos que balizaram todo o desenvolvimento posterior do setor. Foi também em 1988 que a nova Constituição dedicou todo um capítulo à questão ambiental, garantindo a todo cidadão acesso a um meio ambiente limpo e saudável.
Se os países desenvolvidos conseguiram em parte reduzir o impacto de suas atividades ambientais, o mesmo não ocorre com os países em desenvolvimento e muito menos nas nações pobres. Por isso em qualquer análise é preciso criar uma linha divisória entre a prática ambiental dos países industrializados e aquela praticada nos outros. Com legislações bastante tolerantes ou não efetivamente aplicadas, as nações em desenvolvimento ainda permitem práticas econômicas bastante danosas ao ambiente. Há casos em que uma atividade industrial proibida, ou de custo ambiental muito alto, é deslocada da matriz, localizada na Europa ou Estados Unidos, para a filial estabelecida em algum país periférico, já que ali ela é tolerada por gerar imposto e empregos. Gilberto Dupas escreve que
“A ciência moderna não produziu o conhecimento necessário para lidar com a atual crise ambiental. Além de serem insignificantes os recursos investidos em pesquisas no impacto social e ambiental, os seus efeitos negativos recaem principalmente sobre os países pobres, enquanto estas pesquisas enfocam principalmente as preocupações dos países ricos. Assim, o caminho pelo qual a ciência está sendo conduzida não se encaixa facilmente com neutralidade; ele serve bem aos valores do capital e do mercado, mas não aos da sustentabilidade.” (Dupas, 2008, p.10).
Assim, os problemas ambientais dos países pobres e desenvolvimento continuam sendo aqueles que assolaram os países no começo do capitalismo, entre os quais:
- Falta de saneamento e má gestão dos resíduos;
- Problemas de poluição atmosférica, principalmente nas grandes cidades, devido ao grande volume de veículos e por vezes a baixa qualidade do combustível (como no caso do diesel brasileiro);
- Aumento das áreas contaminadas, sem que se dê início ao processo de recuperação, muitas vezes porque os autores não são identificados ou são empresas falidas;
- Grandes problemas de perda de água potável, devido a vazamentos na tubulação;
- Milhões de pessoas vivendo em área de risco, sujeitas a desabamentos, enchentes ou contaminadas por produtos químicos;
- Grandes áreas com agricultura do tipo monocultura, utilizando grandes quantidades de agrotóxicos prejudiciais às colheitas e provocando contaminação do solo, de lençóis freáticos e de cursos de água;
- Grandes desflorestamentos, para plantação de produtos agrícolas de exportação (soja no Brasil, óleo de palma na Indonésia) ou criação de gado, cuja carne também é destinada à exportação;
- Falta de legislações específicas com referência a produtos cujo uso industrial, na agricultura ou para consumo já está proibido nos países desenvolvidos;
- Morosidade no processo de aprovação ambiental de projetos de diversos tipos;
- Morosidade da justiça no julgamento de processos ambientais.
Estes só alguns dos problemas que ainda enfrentamos com relação à questão ambiental, principalmente nos países em desenvolvimento e pobres. É claro que este tipo de situação não pode levar um país ao desenvolvimento. O economista indiano Amartya Sen, segundo Cechin, descreve o desenvolvimento como um processo de ampliação das liberdades humanas, ou seja, de expansão das escolhas que as pessoas têm para terem vidas plenas e criativas. O crescimento econômico é um simples meio desse processo. Os benefícios do crescimento devem servir à ampliação de no mínimo quatro capacidades humanas mais elementares: ter vida longa e saudável, ser instruído, ter acesso aos recursos necessários a um nível de vida digno e ser capaz de participar da vida na comunidade.
Ao mesmo tempo em que ocorre a destruição do meio ambiente da maneira acima descrita, temos ainda o fato que talvez seja a causa de toda a destruição ambiental: o consumo insustentável. Este é assim chamado por que não pode se sustentar, não pode se manter indefinidamente. A maneira como consomem os países ricos demanda uma grande quantidade de matérias primas, insumos, energia; todos direta ou indiretamente extraídos de fontes naturais – renováveis ou não. E a tendência – a estratégia de muitas empresas globalizadas – é que este tipo de consumo se estenda a todos os demais países. A própria lógica do capitalismo pressupõe que sejam fabricadas grande quantidade de produtos, consumidos em profusão, para manter ou aumentar o lucro das empresas. Estas, fabricantes de bens de consumo, ganham na quantidade de produtos vendidos, já a concorrência não permite grandes margens de ganho em cima do preço unitário. No entanto, através da propaganda e outros artifícios, esperam os fabricantes aumentar cada vez mais o número de consumidores, o que significa maiores vendas, aumento da produção; mas também aumento do consumo de matérias primas, de recursos naturais, de água e energia, de geração de resíduos. Gilberto Dupas comenta com relação a isto:
“Nos últimos vinte anos o capitalismo global gerou duas tensões fundamentais, que agora convergem para um mesmo impasse estrutural. De um lado, a estagnação de níveis de miséria e pobreza – e o agravamento na concentração de renda – de muitos dos grandes países da periferia mundial que haviam sido deixados ao livre-arbítrio dos mercados e de sua lógica global, trazendo a imperiosa necessidade de retomada de seu crescimento. De outro, uma crise ambiental sem precedentes, provocada pelo próprio modelo econômico “sucateador” de produtos e “esbanjador”de energia, agora agravada pela bem-sucedida opção da China e Índia por se associarem àquela própria lógica, crescendo a taxas elevadas.” (Dupas, 2008, p.21).
Considerando estes aspectos, o sistema está colocado perante o seguinte dilema:
1) Ou aumenta democraticamente o consumo mundial, oferecendo a todos o mesmo padrão de vida do qual atualmente dispõem os países ricos. Esta providência evidentemente deveria incluir serviços públicos, além de produtos de consumo. Para isso é necessário que os países pobres possam aumentar a capacidade de compra de suas populações, gerando empregos mais bem-remunerados e em maior quantidade;
2) Aumenta (ou se mantêm) o consumo nas sociedades ricas e aos pobres sobrará o papel de fornecedores de matérias primas, como sempre foram, e de consumidores das sobras, até por não terem recursos para consumir;
3) Ambas as hipóteses acima não são factíveis. A primeira nos levará a uma rápida exaustão dos recursos. Algumas gerações, e depois disso teremos que viver com os restos de uma civilização, em meio ao caos. A segunda hipótese nos daria um pouco mais de sobrevida, mas se aprofundaria o abismo entre ricos e pobres, com todas as suas conseqüências.
Resta ainda a hipótese de alterarmos gradativamente as relações econômicas, o sistema de produção e o consumo. Em um outro artigo descrevemos nossa maneira de ver estes aspectos.
Bibliografia:
Baumann, Zygmunt. Globalização – as conseqüências humanas. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro: 1999, 145 p.
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(imagens: Pieter Brueghel, o velho)