Breve histórico do desenvolvimento das atividades econômicas e da destruição ambiental

sábado, 9 de outubro de 2010
"As origens da ciência não estão na investigação racional, mas na fé, na magia e no logro. A ciência moderna triunfou sobre seus adversários não através de sua racionalidade superior, mas porque seus fundadores no final da Idade Média e inícios da Idade Moderna eram mais hábeis do que eles no uso da retórica e nas artes da política." John Gray - Cachorros de palha

Alguns autores sustentam que a vida do homem sobre a Terra deixou de ser sustentável a partir do momento em que iniciou a atividade agrícola, entre 10.000 e 5.000 anos antes de nossa Era. Escrevem Mozayer e Roudart em História das Agriculturas no Mundo:
“Nessa mesma época, após algum tempo, essas plantas e esses animais especialmente escolhidos e explorados foram domesticados e, dessa forma, essas sociedades de predadores se transformaram por si mesmas, paulatinamente, em sociedades de cultivadores. Desde então, estas sociedades introduziram e desenvolveram espécies domesticadas na maior parte dos ecossistemas do planeta, transformando-os então, por seu trabalho, em ecossistemas cultivados, artificializados, cada vez mais distintos dos ecossistemas naturais originais.” (Mazoyer e Roudart, 2009, p. 70).
Junto com a invenção da agricultura, no final do período Neolítico (Idade da Pedra Polida), começam a aparecer as primeiras vilas, quase sempre estabelecidas à beira de lagos ou rios, onde exista abundância de peixes e de caça. Alguns dos lugares onde primeiro se fixaram aldeias neolíticas foram as margens do rio Yangtsé (China), do Mar Negro (Rússia), do rio Indo (Índia/Paquistão), do rio Nilo (Egito) e dos rios Tigris/Eufrates (Iraque/Síria). Além destes, existem vários outros lugares menos estudados, onde os humanos começaram a agrupar-se para viver em sociedade. Nas aldeias e cidades agrícolas as relações sociais tornam-se mais complexas, exigindo o desenvolvimento de uma cultura mais elaborada, seja nos costumes, na moral ou na religião. A oferta de plantas e animais domesticados pela própria comunidade ou pelas aldeias vizinhas, dá acesso a novas fontes de alimento – mais proteínas e vitaminas – aumentando as possibilidades de sobrevivência, principalmente na infância. Através da prática, estes agricultores do neolítico vão descobrindo e desenvolvendo os primeiros conceitos mentais abstratos, seja na mensuração e divisão de terras a serem cultivadas, ou na construção de canais para aproveitar as cheias periódicas dos rios.
Através da constante observação, durante as gerações, os agricultores descobrem a relação entre a posição de certas estrelas e planetas, a mudança das estações ou a ocorrência de um ano seco ou chuvoso. Algumas pessoas daquelas sociedades começam a perceber que a natureza funciona por ciclos, que podem ser previstos e calculados.
O excedente da produção agrícola é negociado e trocado por produtos manufaturados em outras regiões. Há objetos de uso diário que não são mais fabricados pelo próprio usuário; começam a aparecer as primeiras profissões, fruto da divisão do trabalho. Estes profissionais, através de anos e gerações de prática profissional, passam a desenvolver ferramentas e utensílios especializados, promovendo desta forma o desenvolvimento tecnológico. O arado, a roda, a carroça puxada por bois, a fundição de metais, o uso do vidro, a tecelagem; foram tecnologias desenvolvidas entre a Pré-História e a Antiguidade em cidades, cidades-Estado, reinos e impérios, cuja base econômica foi a agricultura e o comércio.
Os impactos ambientais do período da Pré-História até o fim da Antiguidade (século V) ainda são reduzidos, segundo as fontes de que dispomos. Existem indícios de que houve grandes desflorestamentos no Líbano e nas costas da Grécia, para construção de frotas marítimas fenícias, gregas e romanas. A região do Tigris e Eufrates, originalmente dominada por pântanos, transformou-se em deserto, devido à lenta evaporação da água e à salinidade do solo, acentuadas pela constante irrigação. Outro motivo de não termos informações de grandes impactos ambientais provocados pelo homem na Antiguidade, é que provavelmente nada foi registrado e os fatos se perderam na memória dos povos.
No entanto, arqueólogos encontraram muitos dados sobre a história do homem e das culturas que este criou, literalmente no lixo das antigas civilizações. Com a pesquisa de ruínas de cidades e de documentos escritos, foi possível escrever uma história da gestão dos resíduos urbanos. O mais antigo aterro sanitário até hoje descoberto, está localizado na ilha de Creta, no Mar Mediterrâneo, construído pela antiga cultura micênica, ligada ao palácio de Cnossos, em cerca de 3.000 AC. Nesta primitiva construção o lixo era colocado em grandes covas, acondicionado em sucessivas camadas, cobertas por terra.
A invenção (ou descoberta) da fundição de metais representou uma nova fase no desenvolvimento tecnológico e, consequentemente, na geração de resíduos. A técnica, descoberta em torno de 3.000 AC, também propiciou, pela primeira vez, a reciclagem de objetos (refundição e transformação em outro produto) e o reuso de restos de fundição.
O autor americano Jared Diamond, por exemplo, faz referência à exploração excessiva dos recursos naturais, na Ilha de Páscoa. Durante mais de mil anos a sociedade viveu em relativo equilíbrio. No entanto, em determinada época de sua história (por volta do ano 1.200 ou 1.300), os pascoanos iniciaram um processo de destruição da cobertura vegetal da ilha, o que acabou precipitando a situação. Grande parte da população morreu de inanição; houve até canibalismo. Por fim, a população diminuiu bastante e entrou em equilíbrio com a pouca oferta de alimentos.
O aumento dos impactos ambientais na Europa tem início em torno do século X, quando a população começa a aumentar e extensas áreas de floresta na Inglaterra, França e Alemanha são derrubadas, para darem lugar à atividade agricultura. Pântanos são aterrados, constroem-se canais de irrigação e de drenagem, novas cidades são fundadas. Camponeses alemães avançam para o leste, já que não havia mais terra disponível para a fixação de novas famílias de agricultores – aos poucos ocorria um aumento da população. Nas cidades, a falta de cuidado com os resíduos faz com que fontes de abastecimento de água se tornassem poluídas. A qualidade da água dos pequenos rios vai gradualmente diminuindo, devido ao acúmulo de todos os tipos de resíduos em suas águas. Exemplo da falta de higiene e ignorância quanto às conseqüências da falta de saneamento, é que era comum nas cidades medievais, que os resíduos sanitários fossem jogados pelas janelas das casas para a rua. Ao longo de toda a Idade Média, diversas cidades européias criaram leis, visando melhorar a gestão dos resíduos e determinando locais específicos para sua disposição.
Devido às péssimas condições de saneamento, uma parcela considerável da população morria ainda na infância. Os centros urbanos, cheios de lixo e excrementos, estavam infestados de ratos, o que ajudou no alastramento da epidemia de peste bubônica, chamada Peste Negra, entre 1346 e 1353. Este flagelo foi um dos maiores incidentes ocorrido na história da Europa, matando cerca de um terço da população e cujas causas foram ambientais: a falta de saneamento nas cidades.
As condições de saneamento das cidades européias começam a melhorar lentamente a partir do século XVI, quando as aglomerações maiores passam a instituir coleta regular de lixo, melhorando relativamente as condições de saúde. A disponibilidade de alimentos também aumenta, com a introdução de tubérculos e legumes – como a batata, o tomate e o milho – na culinária européia, vindos do Novo Mundo. A batata se adaptou tão bem aos climas e solos da Europa, que serviu como base para alimentação das camadas pobres, permitindo o aumento da população em diversas regiões. No plano social, ocorre um movimento de migração do campo para as cidades, já que no ambiente urbano existiam melhores oportunidades de trabalho, longe das péssimas condições nas quais viviam os servos de gleba. No ambiente urbano, o camponês se transformará em artesão e trabalhará para uma oficina, quase uma fábrica artesanal, controlada por um comerciante, que vendará a produção de seus contratados.
Asociedades de todo o mundo mantiveram um nível de desenvolvimento tecnológico e de geração de riquezas mais ou menos igual em todo o mundo, até o final do século XVIII. Na maioria das sociedades desenvolvidas da época, seja na Europa, Novo Mundo ou na Ásia, já existiam máquinas rudimentares, que aproveitavam a força de trabalho dos animais, de escravos, do vento ou da água; muitas delas conhecidas desde a Antiguidade. Todavia, a falta de energia – força suficiente para acionar equipamentos maiores e mais complexos – limitava o aumento da produção de bens e produtos.
A grande mudança ocorreu no final do século XVIII, quando proprietários de tecelagens inglesas introduziram a mecanização em seus processos, usando a força gerada pelo vapor. Nos anos sequentes, a descoberta tecnológica seria aplicada a vários outros segmentos industriais (mineração, transportes, construção, produção de bens de consumo, entre outros), tendo como combustível o carvão em pedra, bastante abundante na Inglaterra. Teria início o que mais tarde os historiadores convencionaram chamar de capitalismo industrial. Nessa primeira fase da Revolução Industrial, ocorrida aproximadamente no período 1820-1870, a industrialização – novidade surgida em Manchester, na Inglaterra – se espalharia por várias regiões da Europa, e gradativamente ampliaria o leque de produtos fabricados, de acordo com a demanda dos mercados e as características de cada região. As atividades econômicas, antes limitadas à força manual ou de animais, seriam gradualmente mecanizadas, já que o principal combustível do desenvolvimento, o carvão mineral, também era abundante na maior parte da Europa continental. Sob o ponto de vista ambiental, o impacto da utilização generalizada do carvão foi um desastre; sujeira, poluição atmosférica na forma de uma espessa fumaça, eram comuns nas grandes regiões industriais como Manchester, Liverpool, Londres (Inglaterra) e a Renânia, na Alemanha. A tuberculose, bronquite, asma e outras doenças respiratórias eram comuns, matando a maioria das pessoas das classes baixas em torno dos trinta e cinco anos.
A partir de 1850 surge a indústria química moderna, cujos produtos inicialmente são destinados à indústria têxtil (corantes), fabricação de tinta e adubos químicos para a agricultura. Havia ainda um grande desconhecimento com relação aos perigos representados por estes processos industriais – que envolviam produtos tóxicos, altas temperaturas e pressões – o que provocou um grande de acidentes, vazamentos e, eventualmente mortes de operários. Um dos principais insumos destes processos industriais, a água, era livremente coletada em rios e lagos e posteriormente devolvida, sem qualquer tipo de tratamento.
A agricultura, igualmente, depois de se utilizar de adubos naturais durante vários séculos (representando a primeira revolução agrícola), tinha agora a sua disposição os primeiros produtos sintéticos, fabricados por processos industriais. Com relação à agricultura e à conservação do solo durante este período, escreve Foster:
“A segunda revolução agrícola, ao contrário, ocorreu em um período mais breve – 1830-1880 – e se caracterizou pelo crescimento de uma indústria de fertilizantes e pelo desenvolvimento da química de solos, associada particularmente pelo trabalho de Justus von Liebig.” (Foster, 2005, p. 210).
Sob o aspecto social, a industrialização tem um efeito nefasto sobre as sobre a vida das classes pobres. Milhões de camponeses, muitas vezes expulsos de suas terras, dirigem-se às cidades, onde encontrarão jornadas de trabalho estafantes, com duração de até 12 horas, que incluíam também as crianças, e péssimas condições de sobrevivência. Descrevendo o modo de vida dos trabalhadores de Manchester em seu estudo “A condição da classe trabalhadora na Inglaterra”, Friedrich Engels relata entre outras coisas que as casas dos trabalhadores eram mal ventiladas, o que não permitia a circulação das substâncias tóxicas e do gás carbônico, gerado pela combustão e pela respiração. Como não havia sistemas de tratamento de esgoto, os dejetos humanos e animais se acumulavam e entravam em decomposição nos apartamentos, pátios e ruas, poluindo o ar e a água. Ainda segundo Engels, havia um alto índice de mortalidade por doenças infecciosas, como a tuberculose e o tifo (provocado pelo piolho), resultante da superpopulação e das baixas condições de higiene. É importante lembrar que até meados do século XIX a maioria das cidades não dispunha de sistemas de coleta e tratamento de esgoto. Londres, uma das mais progressistas metrópoles do mundo à época, só iniciou a construção de estações de tratamento de esgoto por volta de 1860. Os grandes prejudicados com isso eram os pobres, que se amontoavam em bairros operários, enquanto os proprietários, no relato de Engels
“residiam em chácaras ajardinadas, mais afastadas, em Chorlton e Ardwick, ou nas elevadas elevações de Cheetham Hill, Broughton e Pendleton, numa atmosfera pura salubra e campestre, em casa boa e confortável, servida por conduções que se dirigiam ao centro da cidade a cada meia hora ou quarto de hora” (Engels apud Foster, 2005, p.158).
Hunt e Sherman, escrevendo sobre este período da história do capitalismo industrial relatam:
“Não resta dúvida de que, ao longo da Revolução Industrial, o padrão de vida dos pobres sofreu, em termos relativos, um declínio considerável. (...) A máquina transformou-se no foco central do processo produtivo invertendo a situação que prevalecia anteriormente: deixou de ser o apêndice do homem para submetê-lo à sua fria, implacável e despótica dominação.” (Hunt e Sherman, 2005, p. 72 e 73).
Por ser a potencia militar e econômica da época, possuindo o maior índice de industrialização e de produção de bens, a Inglaterra forçou outras nações a liberarem seus mercados para os produtos ingleses. Esta providência atingiu diretamente o Brasil, forçando D. João VI a assinar um Ato, em 28 de janeiro de 1808, liberando vários portos à entrada de produtos ingleses. Mais tarde em 1830 os ingleses proibiram definitivamente o transporte de escravos aos navios brasileiros. A Inglaterra passou a exerceu forte pressão, para que em toda a bacia do Atlântico o tráfico de escravos fosse abolido. Tal iniciativa não foi, evidentemente, por motivos humanistas, mas se deve ao fato de que os escravos representavam uma força de trabalho barata, que de certo modo ainda poderia concorrer com as indústrias britânicas.
A segunda fase da Revolução Industrial vai de 1870 a 1913, caracterizando-se pela difusão dos avanços tecnológicos para vários países fora da Europa (principalmente as colônias das potências européias e os países com os quais tem fortes relações comerciais), pelo desenvolvimento nas comunicações e transportes, e pelo liberalismo econômico, através do livre comércio. Fato significativo nesta fase é a gradual mudança da matriz energética do carvão mineral para o petróleo e seus derivados, apoiado na invenção do motor a combustão interna. Ainda neste período, devido à pressão dos trabalhadores organizados, contanto com a ajuda dos movimentos anarquistas, socialistas e comunistas, os empresários europeus foram forçados a oferecer melhores condições de trabalho aos operários fabris. Países altamente industrializados como a Inglaterra, a França e a Alemanha – onde o movimento operário era numeroso e organizado – criaram as primeiras legislações trabalhistas, oferecendo alguns benefícios à classe trabalhadora.
A terceira fase da Revolução Industrial (1913-1950) foi a mais trágica; tendo sido marcada por dois conflitos mundiais. Economicamente o período se caracterizou pela Crise da Bolsa de 1929, levando toda a economia mundial a uma recessão, da qual só se recuperaria completamente depois da Segunda Guerra (1939-1945). Outra característica econômica do período foi a crescente supremacia da economia americana, o que fez com que se disseminasse por todo o mundo (principalmente depois de 1945) o capitalismo com inovações tipicamente americanas, pejorativamente chamado de American way of living (o modo de viver americano), caracterizado em alguns aspectos por:
- a instituição da linha de produção em série, inicialmente na indústria automobilística, passando depois a ser usada em uma grande gama de setores industriais. Grande impulsionador da linha de produção em série foi o esforço de guerra americano, quando a indústria precisava fabricar grande quantidade de produtos para suprir as tropas americanas espalhadas pelo mundo e ajudar as economias dos países aliados;
- a grande oferta de bens de consumo, conseqüência da disseminação do uso da linha de produção em série. Grande quantidade de bens de consumo, relativamente caros e de difícil acesso para a maior parte da população, tornou-se mais barata. Junto com a profusa oferta de bens de consumo vieram os supermercados e, nos anos 60 os malls ou shopping centers; centros de compras reunindo grande quantidade de lojas oferecendo as mais variadas mercadorias;
- Bens móveis como geladeiras, fogões, máquinas de lavar roupas, tornaram-se parte da vida do dia a dia de grande parte da população. O que antes era restrito a uma elite econômica, tornava-se acessível a uma parcela maior da população;
- O automóvel tornou-se o principal meio de transporte em todo o mundo. Relativamente acessível na sociedade americana, passou a ser cobiçado por grande parte da classe média mundial, como símbolo de riqueza e liberdade. Economias inteiras de países em desenvolvimento passaram a organizar seus sistemas de transporte em função do automóvel, em detrimento de políticas de transporte público;
- Surge a propaganda, como maneira de aumentar as vendas de produtos. Veiculada através das diversas mídias, a propaganda tinha como tarefa principal manter as linhas de produção em série funcionando e trazendo cada vez mais lucros.
Passado o conflito mundial (1945), diversas regiões do globo, notadamente os Estados Unidos, a Europa e o Japão (estes dois últimos com recursos do Plano Marshall) apresentam um crescimento sem precedentes em suas atividades econômicas. A atividade industrial cresce exponencialmente e com ela o fluxo mundial de matérias primas, fontes energéticas (principalmente petróleo) e produtos acabados. O capitalismo industrial se espalha por todo o mundo, criando novos mercados fornecedores de matérias primas e consumidores de produtos. Alguns aspectos desta grande expansão do capitalismo industrial no pós Guerra, foram:
- Surgimento do bloco econômico capitalista, liderado pelos Estados Unidos e seus aliados, e do bloco comunista, formado pela União Soviética e seus países satélite. No meio destes dois blocos, estavam os países do Terceiro Mundo; mais de 90 nações em diferentes graus de desenvolvimento, entre os quais o Brasil, constituídos em grande parte por ditaduras, simpáticas aos americanos ou soviéticos;
- Ajuda financeira e técnica (fornecida por instituições como o americano USAID, o Banco Mundial, o FMI, e outros que foram aparecendo ao longo das décadas de 1960, 1970 e 1980), para que países estratégicos do Terceiro Mundo pudessem se desenvolver política e economicamente. Os financiamentos tinham razões político-estratégicas, como no caso da Coréia do Sul, do Paquistão, do Iraque e da Pérsia (atual Irã), países aliados e bases militares americanas. A ajuda financeira também podia ter motivos político-econômicos, tentando promover o desenvolvimento, a fim de fazer frente ao avanço comunista, como na maior parte dos países da América Latina (caso isso não resolvesse o problemas, valia o estratagema da boa e velha intervenção militar – direta ou indireta);
- Expansão das empresas multinacionais dos diversos setores – automobilístico, metalúrgico, químico, construção, eletroeletrônico, bens de consumo, serviços – se estabelecendo em países que ofereciam uma razoável infraestrutura, mão de obra barata e mercado consumidor crescente. Com o estabelecimento destas indústrias, surgiram diversas cadeias de produção, criando condições para que também se desenvolvesse uma indústria nacional;
- Estas mudanças econômicas criaram diversas mudanças culturais e sociais, ampliando o tamanho da classe média e provocando o deslocamento de milhões de pessoas do campo para a cidade, à procura de melhores condições de vida. No campo, a expansão da Revolução Verde, baseada no latifúndio de monocultura, na mecanização e no uso da química, também ajudou a reduzir os postos de trabalho, acentuando o processo de migração para os centros urbanos. Com relação aos pontos acima comentados, escreve Ladislau Dowbor:
“As economias dominantes continuam a ter grande necessidade de matérias-primas e consideram do seu interesse – e do interesse de suas empresas instaladas no Brasil – manter a estrutura agrária existente: com o desenvolvimento da indústria exigindo a reprodução da orientação da produção agrícola, o que tem implicações diretas sobre a reprodução das relações de produção no campo, como separa as contradições e como poderá o camponês lutar contra os “senhores feudais” sem lutar contra a burguesia industrial que os mantêm? E como poderá lutar contra os dois, sem lutar contra o imperialismo?” (Dowbor 2009, p. 30).
Este o quadro geral. Constatamos que ao longo dos anos 50, 60, 70 e 80 do século XX o capitalismo se expandiu e modernizou, expandindo-se por toda a Terra, chegando a todas as culturas e sociedade. No final do segundo milênio não era mais possível ficar fora da influência deste sistema econômico.
Depois do avanço das várias tecnologias, a partir dos anos 70 tem um rápido desenvolvimento a tecnologia eletrônica e seus sucedâneos; a informática e as telecomunicações baseadas em satélites e redes de computadores, a internet. Fruto da Corrida Espacial e da Guerra Fria, estas tecnologias terão uma grande influência na expansão maior ainda do capitalismo, tornando o fluxo de capitais, informações e produtos ainda mais rápidos, movimentando volumes de mercadorias e valores financeiros nunca imaginados. No final dos anos 80, ocorre a simbólica Queda do Muro de Berlim; em 1991 a União Soviética deixa de existir. Desaparece o socialismo e seus ideais (somente ideais) e expande-se mais ainda o capitalismo, aliado à abertura de novos mercados consumidores e fornecedores (os antigos países socialistas) e à expansão do liberalismo. Escreve Zygmunt Bauman sobre esta fase:
“Esta nova e desconfortável percepção das “coisas fugindo ao controle” é que foi articulada (com pouco benefício para a clareza intelectual) num conceito atualmente na moda: o de globalização.” (Bauman, 1999, p. 66-67).
A expansão acelerada do capitalismo a todos os rincões da terra acabou acelerando o aparecimento de uma crise maior, que se manifestou em 2008. Antes disso, o sistema já vinha apresentando diversos problemas, como:
- Exploração da mão de obra em países pobres. Muitas empresas nem se estabelecem em um país; apenas escolhem fornecedores e impõem preços que permitem pouquíssima margem de lucro, importando o produto acabado para suas matrizes;
- Desemprego em massa. A automação das linhas de produção em série e a substituição de muitas profissões, acabam criando uma multidão de desempregados e achatando os salários daqueles que ainda tem empregos;
- Endividamento de grandes contingentes da população, incentivados pela propaganda dos fabricantes e dos bancos, visando aumentar o consumo;
- Crise financeira nos Estados Unidos que acabou dando origem à crise do capitalismo em 2008, a maior depois da de 1929;
No momento, o capitalismo passa por uma grande crise. Conceitos válidos até recentemente, como “estado mínimo”; “autoregulação dos mercados”; “desregulamentação da economia”; “flexibilização do trabalho”, entre outros, estão bastante desacreditados. Aliada à crise econômica, o mundo enfrenta uma crise ambiental, que terá cada vez mais profundas influências na economia.
Com relação aos impactos ambientais provocados pelas atividades econômicas, sempre existiu a percepção de que as atividades industriais, quando não controladas, ocasionavam destruição dos ecossistemas. Nos primórdios da industrialização, como descrito no texto acima, as populações das regiões industrializadas – principalmente os pobres e operários – já haviam sentido no próprio corpo os efeitos da falta de saneamento, da falta de gestão dos resíduos, da poluição atmosférica e das substâncias tóxicas. Já no início do século XX ocorrem grandes acidentes por causa da poluição, que matam centenas de pessoas em diversos lugares do mundo. A falta de conhecimento, porém, faz com que tais eventos sejam considerados fatos isolados, acidentes.
No início da década de 1960, novos começam a mudar este panorama. Em 1962 a bióloga norte-americana Rachel Carson publica o livro Primavera Silenciosa, que analisa o efeito dos inseticidas, especificamente o DDT no meio ambiente. A obra tem grande impacto sobre a sociedade americana e em alguns países da Europa, dando início às discussões sobre o efeito das substâncias químicas sobre a saúde humana e as outras espécies. Pouco anos depois, em 1968, é criado o Clube de Roma, formado por cientistas, empresários e políticos, dedicados a estudar a degradação da natureza provocada pelas diversas atividades humanas. As previsões feitas pelo Clube de Roma, baseadas em estudos da época, não acabaram se concretizando. Todavia, parte do material produzido e das questões levantadas serviu como alerta para muitos governos e instituições, chamando a atenção sobre os rumos que a economia mundial estava tomando. No aspecto social, surgem nos Estados Unidos e na Europa diversos movimentos sociais, com diferentes orientações ideológicas, questionando o sistema econômico e a organização social vigente. Alguns anos depois, muitos remanescentes destes grupos vieram a constituir as primeiras ONG's (Organizações Não-Governamentais) atuando no setor ambiental, como a Greenpeace e a Worldwatch Institute, a WWF entre outras.
A década das grandes mudanças no setor ambiental mundial foi a de 1970. A situação, tanto na Europa, quanto nos Estados Unidos era insustentável. Rios poluídos por efluentes domésticos e industriais, aterros fora de controle e solos contaminados por hidrocarbonetos e outros produtos químicos poluentes. Por outro lado a pressão exercida pelas ONGs, opinião pública e por partidos verdes, forçou a criação de uma legislação ambiental mais rígida, órgãos de controle ambiental e a realização de grandes obras de saneamento e descontaminação. No âmbito internacional, durante os anos 1980 e início dos anos 1990 realizaram-se diversas conferências internacionais (Comissão Brundtland e a Eco 92 no Rio de Janeiro, por exemplo). Estas iriam estabelecer as bases para a regulamentação de atividades econômicas que envolvessem vários países e que tivessem grande impacto ambiental (como o transporte marítimo de produtos perigosos, a proteção às espécies ameaçadas, questão das emissões, a proteção das florestas, entre outras). No Brasil, as primeiras leis especificamente ambientais foram criadas na década de 1980, estabelecendo marcos que balizaram todo o desenvolvimento posterior do setor. Foi também em 1988 que a nova Constituição dedicou todo um capítulo à questão ambiental, garantindo a todo cidadão acesso a um meio ambiente limpo e saudável.
Se os países desenvolvidos conseguiram em parte reduzir o impacto de suas atividades ambientais, o mesmo não ocorre com os países em desenvolvimento e muito menos nas nações pobres. Por isso em qualquer análise é preciso criar uma linha divisória entre a prática ambiental dos países industrializados e aquela praticada nos outros. Com legislações bastante tolerantes ou não efetivamente aplicadas, as nações em desenvolvimento ainda permitem práticas econômicas bastante danosas ao ambiente. Há casos em que uma atividade industrial proibida, ou de custo ambiental muito alto, é deslocada da matriz, localizada na Europa ou Estados Unidos, para a filial estabelecida em algum país periférico, já que ali ela é tolerada por gerar imposto e empregos. Gilberto Dupas escreve que
“A ciência moderna não produziu o conhecimento necessário para lidar com a atual crise ambiental. Além de serem insignificantes os recursos investidos em pesquisas no impacto social e ambiental, os seus efeitos negativos recaem principalmente sobre os países pobres, enquanto estas pesquisas enfocam principalmente as preocupações dos países ricos. Assim, o caminho pelo qual a ciência está sendo conduzida não se encaixa facilmente com neutralidade; ele serve bem aos valores do capital e do mercado, mas não aos da sustentabilidade.” (Dupas, 2008, p.10).
Assim, os problemas ambientais dos países pobres e desenvolvimento continuam sendo aqueles que assolaram os países no começo do capitalismo, entre os quais:
- Falta de saneamento e má gestão dos resíduos;
- Problemas de poluição atmosférica, principalmente nas grandes cidades, devido ao grande volume de veículos e por vezes a baixa qualidade do combustível (como no caso do diesel brasileiro);
- Aumento das áreas contaminadas, sem que se dê início ao processo de recuperação, muitas vezes porque os autores não são identificados ou são empresas falidas;
- Grandes problemas de perda de água potável, devido a vazamentos na tubulação;
- Milhões de pessoas vivendo em área de risco, sujeitas a desabamentos, enchentes ou contaminadas por produtos químicos;
- Grandes áreas com agricultura do tipo monocultura, utilizando grandes quantidades de agrotóxicos prejudiciais às colheitas e provocando contaminação do solo, de lençóis freáticos e de cursos de água;
- Grandes desflorestamentos, para plantação de produtos agrícolas de exportação (soja no Brasil, óleo de palma na Indonésia) ou criação de gado, cuja carne também é destinada à exportação;
- Falta de legislações específicas com referência a produtos cujo uso industrial, na agricultura ou para consumo já está proibido nos países desenvolvidos;
- Morosidade no processo de aprovação ambiental de projetos de diversos tipos;
- Morosidade da justiça no julgamento de processos ambientais.
Estes só alguns dos problemas que ainda enfrentamos com relação à questão ambiental, principalmente nos países em desenvolvimento e pobres. É claro que este tipo de situação não pode levar um país ao desenvolvimento. O economista indiano Amartya Sen, segundo Cechin, descreve o desenvolvimento como um processo de ampliação das liberdades humanas, ou seja, de expansão das escolhas que as pessoas têm para terem vidas plenas e criativas. O crescimento econômico é um simples meio desse processo. Os benefícios do crescimento devem servir à ampliação de no mínimo quatro capacidades humanas mais elementares: ter vida longa e saudável, ser instruído, ter acesso aos recursos necessários a um nível de vida digno e ser capaz de participar da vida na comunidade.
Ao mesmo tempo em que ocorre a destruição do meio ambiente da maneira acima descrita, temos ainda o fato que talvez seja a causa de toda a destruição ambiental: o consumo insustentável. Este é assim chamado por que não pode se sustentar, não pode se manter indefinidamente. A maneira como consomem os países ricos demanda uma grande quantidade de matérias primas, insumos, energia; todos direta ou indiretamente extraídos de fontes naturais – renováveis ou não. E a tendência – a estratégia de muitas empresas globalizadas – é que este tipo de consumo se estenda a todos os demais países. A própria lógica do capitalismo pressupõe que sejam fabricadas grande quantidade de produtos, consumidos em profusão, para manter ou aumentar o lucro das empresas. Estas, fabricantes de bens de consumo, ganham na quantidade de produtos vendidos, já a concorrência não permite grandes margens de ganho em cima do preço unitário. No entanto, através da propaganda e outros artifícios, esperam os fabricantes aumentar cada vez mais o número de consumidores, o que significa maiores vendas, aumento da produção; mas também aumento do consumo de matérias primas, de recursos naturais, de água e energia, de geração de resíduos. Gilberto Dupas comenta com relação a isto:
“Nos últimos vinte anos o capitalismo global gerou duas tensões fundamentais, que agora convergem para um mesmo impasse estrutural. De um lado, a estagnação de níveis de miséria e pobreza – e o agravamento na concentração de renda – de muitos dos grandes países da periferia mundial que haviam sido deixados ao livre-arbítrio dos mercados e de sua lógica global, trazendo a imperiosa necessidade de retomada de seu crescimento. De outro, uma crise ambiental sem precedentes, provocada pelo próprio modelo econômico “sucateador” de produtos e “esbanjador”de energia, agora agravada pela bem-sucedida opção da China e Índia por se associarem àquela própria lógica, crescendo a taxas elevadas.” (Dupas, 2008, p.21).
Considerando estes aspectos, o sistema está colocado perante o seguinte dilema:
1) Ou aumenta democraticamente o consumo mundial, oferecendo a todos o mesmo padrão de vida do qual atualmente dispõem os países ricos. Esta providência evidentemente deveria incluir serviços públicos, além de produtos de consumo. Para isso é necessário que os países pobres possam aumentar a capacidade de compra de suas populações, gerando empregos mais bem-remunerados e em maior quantidade;
2) Aumenta (ou se mantêm) o consumo nas sociedades ricas e aos pobres sobrará o papel de fornecedores de matérias primas, como sempre foram, e de consumidores das sobras, até por não terem recursos para consumir;
3) Ambas as hipóteses acima não são factíveis. A primeira nos levará a uma rápida exaustão dos recursos. Algumas gerações, e depois disso teremos que viver com os restos de uma civilização, em meio ao caos. A segunda hipótese nos daria um pouco mais de sobrevida, mas se aprofundaria o abismo entre ricos e pobres, com todas as suas conseqüências.
Resta ainda a hipótese de alterarmos gradativamente as relações econômicas, o sistema de produção e o consumo. Em um outro artigo descrevemos nossa maneira de ver estes aspectos.
Bibliografia:
Baumann, Zygmunt. Globalização – as conseqüências humanas. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro: 1999, 145 p.
Dowbor, Ladislau. A formação do capitalismo no Brasil – 2ª ed. Editora Brasiliense. São Paulo: 2009, 226 p.
Dupas, Gilberto. Meio Ambiente e Crescimento Econômico. Editora Unesp. São Paulo: 2008, 298 p.
Foster, John Bellamy. A ecologia de Marx: materialismo e natureza. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: 2005, 418 p.
Hunt, E., K.; Sherman, Howard, J. História do Pensamento Econômico. Editora Vozes. Petrópolis: 2005, 218 p.
Jessua, Claude. Capitalismo. L&PM Editores. Porto Alegre: 2009, 117 p.
Mazoyer, Marcel; Roudart, Laurence. História das agriculturas no mundo. Editora Unesp. São Paulo: 2008, 567 p.
Ruschel, Rogério R.; Rose, Ricardo, E. A caminho do desenvolvimento sustentado – a memória dos primeiros 5 anos do prêmio von Martius. Câmara Brasil-Alemanha. São Paulo: 2005, 235 p.
(imagens: Pieter Brueghel, o velho)

1 comments:

Kethely disse...

Sensacional! Revisei tudo o que estudei nesse texto

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