Perguntando é que se aprende (XVIII)

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

"Black Friday", "vale-tudo" e "Lei de Gerson"
[...] tenho a fé abundante. Cheguei a acreditar até em banqueiros.
(Oswald de Andrade, 1943)

A promoção de vendas chamada de "Black Friday" é a data mais importante do comércio americano, sendo realizada toda primeira sexta-feira, logo após o feriado do Dia de Ação de Graças. Nesta data, todo o grande comércio dos Estados Unidos oferece altos descontos, fazendo com que se formem grandes filas de consumidores nas portas das lojas antes destas abrirem.

No Brasil, nos últimos anos, nossas redes varejistas também decidiram promover a data. Mas, como sempre acontece quando importamos alguma ideia ou costume, a este sempre se agregam características locais. Esta uma especificidade do imaginário cultural brasileiro, principalmente quando envolve transações: uma parte envolvida precisa sair-se melhor no negócio, tendo algum tipo de vantagem, que geralmente fere o princípio de equidade.

São provavelmente resquícios do desenvolvimento histórico-cultural brasileiro; do período em que o país era pilhado e explorado, quando valia apenas a vontade do mais poderoso e os injustiçados não tinham a quem recorrer. Há vários autores que dizem que ainda não nos livramos completamente deste tipo de mentalidade.

Pois bem. Decidiram fazer o "Black Friday" em Pindorama. E não poderia ter sido de outra forma: reclamações de consumidores, sobre a diferença entre os descontos anunciados e aqueles realmente oferecidos na hora da compra. O PROCON, segundo a imprensa, imediatamente notificou redes de grandes varejistas, exigindo esclarecimentos sobre a estranha promoção. Estão na lista empresas como: Extra, Ponto Frio, Submarino, Walmart, Fast Shop, Americanas.com e Saraiva.

O caso é tão grave, que o próprio organizador do evento, o site Busca Descontos, teve que eliminar 500 anúncios, comprovadamente por falsificação de preços. O fundador da empresa e dono da marca "Black Friday" no Brasil, Pedro Eugênio, afirma que o fato é "lamentável" e que a maquiagem de descontos por parte dos grandes varejistas "é um tiro no pé", já que com isto estas empresas estragam sua imagem junto ao consumidor.

A malandragem das empresas já ganhou apelido no Twitter e no Facebook, sendo chamada de "Black Fraude". O Procon afirma que os preços oferecidos durante o "Black Friday" já haviam sido oferecidos algumas semanas antes, em ofertas anteriores. "Os preços subiram para voltar a cair. Ou seja: praticou-se um falso desconto", afirma Carlos Coscarelli, chefe de gabinete do Procon-SP. Consultadas pela imprensa, as empresas autoras da suspeita promoção evidentemente negaram os fatos, com diversos tipos de desculpas - apesar do grande movimento em suas lojas e do bom lucro que tiveram.

Cabe perguntar quais outras providências o Procon tomará com relação a este fato, além de notificar os infratores e, eventualmente, tentar aplicar-lhes uma multa - contra a qual recorrerão com seus batalhões de advogados. Até quando ainda continuaremos o país do "vale-tudo" e onde a "Lei de Gerson" (cujo enunciado é: "tem que levar vantagem em tudo, certo?") é utilizada por muitos, sem que o Estado interfira efetivamente?

Considerações oportunas (XXVII)

terça-feira, 27 de novembro de 2012

O trânsito de São Paulo e a nova administração
(Jornal O Estado de São Paulo, 26 de novembro de 2012)
Trânsito de SP já causa perdas de R$ 50 bi por ano
Estudo da FGV aponta que os prejuízos com congestionamentos têm praticamente dobrado a cada 4 anos na capital paulista
Escreve Oswald de Andrade:
"[...] na falta de Paris esta porcaria de São Paulo é que me atrai."
(Imagens: George Gorsz)

Classe (abaixo da) média

domingo, 25 de novembro de 2012

"O comércio é um extraordinário sistema auto-sustentável de criação de laços (compra, venda, parcerias, contratos, empregos, etc.), mas são laços móveis, mais livres que os laços fixos e territorializados criados pelas sociedades hierárquicas tradicionais. O "capitalismo", assim como a morte e a sexualidade para a evolução biológica, é talvez a artimanha da evolução cultural para mobilizar as pessoas, acelerar as circulações, ampliar e flexibilizar o porte dos laços sociais e difundir inovações,"  -  Pierre Lévy  -  A conexão planetária - o mercado, o ciberespaço a consciência


Apesar da propaganda do governo, o Brasil não é um país de classe média – e ainda está longe disso. Segundo relatório divulgado recentemente pelo Banco Mundial (BIRD), a maior parte da população brasileira ainda se encontra economicamente em uma zona cinzenta, sendo classificada como “vulnerável”, por ainda correr alto risco de retroceder socialmente. Pelos critérios adotados pelo banco, 28% dos brasileiros são pobres, ganhando menos de quatro dólares (R$ 8,00) por dia. O grupo dos “vulneráveis” situa-se na faixa com rendimentos entre quatro e dez dólares por dia (entre oito e 20 reais), representando 38% da população. 32% são de classe média, com renda diária entre dez (R$ 20,00) e 50 dólares (R$ 100,00). Quem ganha acima destes valores faz parte da classe alta – somente 2% da população do país.
Ao longo dos últimos quinze anos houve efetivamente uma melhora da renda dos mais pobres – fruto da estabilidade econômica, de projetos de renda mínima e do aumento da oferta de empregos. Com isso, cerca de 30 milhões de pessoas puderam ter acesso ao consumo de produtos e bens básicos; do queijo e iogurte ao televisor e telefone celular. O crescimento da economia fez com que os níveis mais baixos antiga da classe média também aumentassem seu consumo, adquirindo o primeiro carro novo e o primeiro imóvel para a família.
Enquanto no Brasil melhorava a condição econômica das classes mais baixas (apesar de ainda estarmos colocados entre os dez países com a pior distribuição de renda), a economia mundial entrou em uma forte crise a partir de 2008. Considerado o pior solavanco na economia mundial desde a queda da Bolsa de Nova York em 1929, a crise em uma primeira fase afetou a economia americana, espalhando-se posteriormente por todo o mundo, derrubando as economias européias. Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha já estão enfrentando a estagnação de seus mercados, com altas taxas de desemprego. A crise ronda toda a região do Euro e já se fala em recessão na Itália, França e até na locomotiva alemã.   
Apesar de estarmos em uma situação aparentemente melhor do que estes países, ainda são grandes as diferenças entre as economias européias – mesmo sob efeito da crise – e a brasileira. Apesar de termos uma carga tributária de 35%, equivalente à da maioria dos países europeus, de longe não dispomos dos serviços (assistência médica, educação, segurança) e da infraestrutura (transporte, saneamento, energia e telecomunicações) que existem nestas nações.
Por outro lado, o custo de vida na maior parte destes países é mais baixo do que no Brasil. Em uma pesquisa realizada pela publicação Global Finance http://www.gfmag.com/), as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro figuram respectivamente na 12ª e a 13ª posição, entre as 51 cidades mais caras do mundo. Em outro estudo disponível no site Cost of Living (Custo de Vida) (http://www.numbeo.com/cost-of-living/), o custo de vida na cidade do Rio de Janeiro tem índice de 86,71. Comparativamente, algumas outras metrópoles mundiais têm os seguintes índices: Nova York - 100; Praga - 64,46; Berlim - 82,81; Beijing - 86,08; Delhi - 35,01 e Londres - 122,56.
Apesar de toda a propaganda ufanista, permanece o fato de que a renda média do brasileiro ainda é baixa; os impostos altos e pesado o custo de vida. Além disso, o acesso aos serviços públicos e à infraestrutura continua ruim.
(Imagens: fotografias de Timothy O´ Sullivan)

As comunidades caiçaras e seus ecossistemas

quinta-feira, 22 de novembro de 2012
"Daí segue que Deus não estabelece nenhuma lei para os homens a fim de recompensá-los quando obedecem a ela. Ou para dizer mais claramente, as leis de Deus não são de tal natureza que seja possível transgredi-las. Pois as regras que Deus estabeleceu na Natureza, de acordo com as quais todas as coisas devêm e duram - se quisermos chamá-las de leis - são tais que jamais podem ser transgredidas: por exemplo, que o mais fraco deve ceder ante o mais forte, que nenhuma causa pode produzir mais do que contêm em si mesma, e outras similares, que são de tal jaez que jamais mudam, jamais começam, mas tudo está ajustado e ordenado sob elas."  -  Baruch de Espinosa  -  Breve tratado de Deus, do homem e do seu bem-estar
 
As comunidades caiçaras, ainda existentes no litoral dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, são classificadas pela antropologia como uma interação da cultura indígena e daquela dos primeiros colonizadores portugueses da costa do Brasil. A cultura caiçara tem certas características – cada vez mais em processo de desaparecimento – que a distingue de outras em vários aspectos:
1) Os caiçaras são populações originais estabelecidas no litoral de São Paulo, principalmente entre o oceano e os contrafortes da Serra do Mar. Vivem, portanto, em um ecossistema onde convivem vários tipos de biomas: a vegetação de restinga, o mangue, as dunas e a floresta tropical úmida. Estes biomas, suas localizações, características de solo, microclima, fauna e flora, já são por demais conhecidos e foram estudados por diversos especialistas em várias ocasiões.
2) Quanto aos aspectos culturais, os caiçaras desenvolveram uma cultura com uma tecnologia única, utilizando-se de produtos naturais da floresta, do mangue e do mar. Da floresta, por exemplo, extraem a madeira para fazer canoas típicas, de diversos tamanhos; a maioria delas destinadas à navegação em baías com mar calmo e sem quebração, característico da parte norte do litoral de São Paulo e sul do estado do Rio de Janeiro. Da floresta também se extraia as folhas de palmeiras, para cobrir as habitações (quando as telhas ainda eram de difícil acesso). Das encostas da montanha tiravam o barro e das árvores cortavam os galhos mais finos, utilizado na construção das paredes de “pau a pique” (madeira trançada com cipós e coberta por barro) de suas casas. Igualmente da mata extraiam o palmito, que servia de alimentação e como produto de relativo valor, vendido nas cidades vizinhas.
3)  Para alimentação, no passado, quando havia pouco contato com os centros urbanos, os caiçaras faziam um “roçado” (plantação), de milho, mandioca, batata-doce e uma ou outra verdura, geralmente nos fundos das casas, em solos arenosos, mas contendo bastante húmus. As árvores frutíferas disponíveis e plantadas eram as pitangas (característica da Mata Atlântica), o abacate, o mamão, a banana, o caju, a goiaba, a jabuticaba (também característica da região). Do mar os caiçaras extraiam toda a sorte de alimentos, desde peixes, mariscos, ostras, crustáceos, até tartarugas e outras espécies atualmente sob proteção.
4)  Os caiçaras baseavam quase toda a sua alimentação e a confecção de uma série de utilidades para a vida diária, em materiais extraídos da natureza do entorno. No entanto, em suas práticas culturais não sobrecarregavam o meio ambiente. Ou seja, não faziam pesca intensiva para vender os excedentes nos mercados das regiões, por motivos práticos e culturais. Era difícil, por exemplo, manter o camarão mais de algumas horas em conserva, já que não havia sistemas de refrigeração. Além disso, o transporte deste crustáceo em grandes quantidades seria inviável, já que não havia barcos a motor de rápido deslocamento. Além disso, culturalmente, os caiçaras não tinham uma mentalidade mercantilista (no sentido técnico, não pejorativo) e não saberiam o que comprar com o excedente de dinheiro, já que suas necessidades de consumo – de acordo com sua organização cultural – estavam plenamente atendidas.
5)  Desta forma, dados estes principais fatores, a cultura caiçara tinha pouco impacto no meio ambiente onde existia. Cabe assinalar que era uma cultura “estática”, que – a não ser por fatores externos – pouco se desenvolvia tecnologicamente. E assim tinha baixo impacto nos ecossistemas nos quais habitava e dos quais se utilizava. Interessante assinalar que os caiçaras desenvolveram uma maneira de conviver muito bem com os biomas que habitava. Se considerarmos que os primeiros caiçaras se “formaram” logo no início da colonização do Brasil, constatamos que esta cultura conviveu praticamente 450 anos com o meio ambiente (até os anos 50 quando a “civilização” começou a penetrar nas regiões habitadas pelos caiçaras), sem causar grandes danos, de uma maneira relativamente sustentável.
 Seria o caso de se perguntar como a cultura caiçara conseguiu sobreviver por tanto tempo, convivendo com o meio ambiente e quando/como ocorreu a decadência de sua cultura original. As perguntas deveriam esclarecer os seguintes aspectos:
- Por que os recursos naturais não foram exauridos pela cultura caiçara?
- O isolamento físico e cultural contribuiu para manter a cultura caiçara?
- Como o “desenvolvimento”, ou seja, a chegada de veranistas, comércio, estradas, pousadas, benfeitorias, etc., influenciaram a cultura caiçara e destruíram sua convivência equilibrada com a natureza ?
- Com se deu, provavelmente, a destruição de sua cultura e a mudança de sua relação com o ecossistema?
(Imagens: fotografias de Dorothea Lange)

da série "Assim se vive no Brasil"

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Felizes, mas muito pobrinhos
(artigo de Clovis Rossi, publicado no jornal Folha de São Paulo de 18/11/2012)
CÁDIZ - Por mais que os países latino-americanos tenham se apresentado para a 22.a Cúpula Iberoamericano como os melhores alunos da classe, na comparação com os dois parceiros ibéricos, Espanha e Portugal, enfiados numa crise que parece não ter fim, o fato é que estão felizes mas são ainda muito pobrinhos.
Mesmo em recessão, "o nível de bem estar [na Europa em geral] é muito maior".
Não só é maior como é mais justamente distribuído, até porque a América Latina "é a região mais desigual do mundo", como fez questão de ressaltar Alícia Bárcena, a secretária-executiva da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina, braço da ONU).
O que mais dói, para quem acompanha cúpulas internacionais há uns 30 anos, é ouvir uma frase como essa ano após ano, cúpula após cúpula.
Dói mais ainda quando se somam duas informações:
1 - O Brasil, apesar de ser o país mais rico do subcontinente, é um dos mais desiguais.
2 - A queda da desigualdade, no Brasil, diminuiu nos últimos 10 anos apenas entre salários, não entre o rendimento do capital e do trabalho, que é a mais obscena.
Desigualdade não é o único capítulo em que a América Latina, conjunturalmente feliz, precisa progredir -e muito.
A tributação, por exemplo, "é baixa para proporcionar serviços públicos de qualidade, que atendam à demanda social", como diz Ángel Gurría, secretário-geral da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), o clubão dos países desenvolvidos, do qual o Brasil só não é parte porque não quer.
Os impostos, na região, pularam de 14% para 19% do Produto Interno Bruto, entre 1990 e 2010, em grande medida pelo que ocorreu no Brasil. Ainda assim, é uma porcentagem baixa, se comparada aos 34% da média da OCDE. Mas, atenção, aqui o Brasil não entra na foto geral: tanto ele como a Argentina arrecadam basicamente os 34% dos países ricos.
Pena que não ofereçam serviços públicos do nível dos países desenvolvidos. Só cabe uma conclusão: dinheiro existe, falta empregá-lo de maneira correta.
Pulemos para educação: 50% dos estudantes latino-americanos não alcançam os níveis mínimos de compreensão de leitura, nos testes internacionais, quando, no mundo rico, a porcentagem de fracassados é de 20%.
Passemos ao investimento em inovação e tecnologia: não supera nunca de 0,7% do PIB, quando na Coreia, por exemplo, é de 3%. "Se não corrigirmos o rumo, seremos todos empregados dos coreanos", fulmina Gurría. Poderia ter acrescentado "ou dos chineses", que investem nessa área vital tanto quanto os coreanos.
Mais um dado: a América Latina está investindo 2% de seu PIB em infraestrutura, quando precisaria de 5%, ano a ano, até 2020, pelas contas de Gurría. Nem preciso acrescentar que infraestrutura não é exatamente o forte do Brasil, por mais que se lancem PACs e Copas e Olimpíadas.
Para fechar: Alícia Bárcena lembra que a conexão de banda larga custa US$ 25 na América Latina, apenas US$ 5 na Europa e, na Coreia, US$ 0,05.
Moral da história: estamos rindo do que?
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e domingos no caderno "Mundo". É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo" e "O Que é Jornalismo". Escreve às terças, quintas e domingos na versão impressa do caderno "Mundo" e às sextas no site.

Educação na Idade Média

domingo, 18 de novembro de 2012
"Nuestros peores enemigos son aquellos que nos hablan de esperanza y nos anuncian un futuro de gozo y de luz, de trabajo y de paz, donde nuestros problemas se resolverán y nuestros deseos se colmarán."  -  Albert Caraco  -  Breviario del caos

O processo de decadência do Império Romano durou cerca de quatro séculos – do século I ao V – e foi acompanhado de uma gradual desestruturação das instituições. As cidades começaram a perder seus habitantes, que se mudavam para os campos, longe das epidemias, das invasões dos bárbaros e onde havia alimentos. Os ricos, igualmente, fugiam das cidades e se estabeleciam em suas propriedades rurais, onde – baseados no trabalho de seus escravos – sobreviviam e mantinham-se afastados das cidades.
Neste período (entre os séculos III e X), a vida urbana na Europa sofreu um grande retrocesso, o que também causou impacto sobre todas as atividades caracteristicamente urbanas como a política, o comércio e a cultura. Aos poucos, com a diminuição das atividades citadinas, os agrupamentos humanos tornaram-se cada vez mais isolados, de maneira que somente as cidades mais importantes (então bastante reduzidas de suas populações) mantinham contato regular umas com as outras.
No século IV o cristianismo já havia se tornado a religião oficial do império romano e seguia se expandindo pela Gália Transalpina (atual França), Ibéria (Espanha e Portugal) Germânia (Alemanha e Países Baixos) e Britânia (Inglaterra). O grande núcleo difusor do cristianismo naquela época era a Irlanda. Mosteiros da Irlanda mantinham relações diretas com a sede do catolicismo, Roma. Monges irlandeses como São Patrício ajudaram no século V na cristianização de regiões da Gália e da Britânia, de onde, por sua vez, saiam monges para cristianizar a Germânia (com São Bonifácio, padroeiro da Alemanha). Aos poucos se estabelece uma cadeia de mosteiros por toda a Europa Ocidental e Central, que serviria de centro irradiador do catolicismo como centros de cultivo da cultura.
Com a derrocada quase que completa de toda a atividade intelectual e cultural na Europa, os mosteiros – principalmente os beneditinos – passaram a ser a sede do conhecimento por muitos séculos. O índice de analfabetismo no início do período medieval era altíssimo, haja vista o pouco valor do saber na sociedade em geral. Os monges cristãos foram praticamente os únicos entre o século V e IX a se dedicarem ao estudo, à produção de conhecimento e à sua conservação. O saber e a cultura não tinham utilidade naquela sociedade.
Com a criação do Sacro Império Romano Germânico por Carlos Magno (coroado no ano 800) a estrutura imperial passa a ter uma demanda por funcionários com certos conhecimentos a serem empregados na administração do Estado. Antevendo esta demanda, Carlos Magno criou as escolas monacais. Estas escolas estavam estabelecidas em mosteiros, onde era oferecido o ensino básico (trivium) da época. Para alunos mais adiantados e talentosos era também ensinado o quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música). As escolas monacais foram aos poucos se separando dos mosteiros e tornaram-se autônomas.
No século XII surgem as primeiras universidades, criadas com o apoio da Igreja para transmitir o conhecimento de nível superior da época – focado principalmente na medicina, no direito e na filosofia e teologia. A criação das universidades começou em Salerno, na Itália, onde se estabeleceu a primeira faculdade de medicina. Logo depois, em Bolonha, cria-se uma faculdade de direito. No decorrer de poucas décadas, toda a Europa está repleta de universidades, congregando um grande número de estudantes. A universidade de Sorbonne em Paris, por exemplo, congregava mais estudantes no século XIII do que no século XIX.
Outra característica das universidades é que havia um grande fluxo de professores de uma universidade para outra. São Tomás de Aquino, por exemplo, ensinou em Colônia e Paris e Nápoles. Seu mestre, Alberto Magno, ensinou em Colônia, Estrasburgo, Friburgo e Paris. Este fluxo de professores permitiu uma difusão e nivelamento do conhecimento em toda a Europa, fato que trouxe várias outras consequências para a cultura ocidental.            
(Imagens: fotografias de Thomas Bak)

Um piscinão chamado São Paulo

quinta-feira, 15 de novembro de 2012
"A revolta metafísica é o movimento pelo qual um homem se insurge contra a sua condição e contra a criação. Ela é metafísica porque contesta os fins do homem e da criação. O escravo protesta contra sua condição no interior de seu estado de escravidão; o revoltado metafísico, contra sua condição na qualidade de homem. O escravo rebelde afirma que nele há algo que não aceita a maneira como o seu senhor o trata; o revoltado metafísico declara-se frustrado pela criação."  -  Albert Camus  -  O homem revoltado

No Brasil, muitas mudanças acontecem devagar ou nem mesmo ocorrem. Por uma soma de razões: incapacidade administrativa, interesses conflitantes e a imensa inércia da máquina político-administrativa. O artigo abaixo foi escrito há três anos (muito pouco tempo no Brasil) e ainda continua atual - principalmente depois das recentes chuvas que cairam em São Paulo.
Chega o verão e novamente a região metropolitana de São Paulo, entre outras regiões do País, é castigada por fortíssimas chuvas. Na primeira semana de dezembro, durante dois dias, caiu a metade de toda a chuva prevista para o mês. Como sempre, a cidade de São Paulo transformou-se em um caos, os cidadãos abandonados à própria sorte; congestionamentos, ruas e casas inundadas, transporte público paralisado, pessoas demorando quatro ou cinco horas para voltarem para casa, até mortes ocorreram. Além dos problemas crônicos da cidade, os sistemas de bombeamento de águas pluviais do sistema Tietê não funcionaram em sua totalidade.
Na imprensa o dilúvio paulista é tema para vários tipos de matérias jornalísticas. Ficamos sabendo, por exemplo, que o processo de ocupação das várzeas já estava previsto nos planos de urbanização da cidade, elaborados pela equipe do então prefeito Prestes Maia (1938-1945). Baseados nestes projetos as áreas baixas situadas às margens dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí foram urbanizadas e loteadas. Aparentemente a coisa se tornou muito rentável, tanto para as sucessivas administrações públicas quanto para imobiliárias e construtoras, já que a maior parte das várzeas foi aterrada e os rios confinados a leitos de concreto. No local das antigas baixadas vieram novos bairros, geralmente preparados para a população mais pobre. Sobre os leitos dos rios canalizados foram construídas avenidas. Resolviam-se assim vários problemas em uma tacada só: a Prefeitura arrecadava taxas e impostos, as imobiliárias e construtoras faziam negócios, a companhia de saneamento escondia o fato de que uma parcela considerável dos esgotos domésticos acabava correndo para os córregos e não era tratada. Quanto aos córregos, estes não eram necessários em uma cidade moderna, não tinham nenhuma utilidade (além de, eventualmente, carregar o esgoto e o lixo). Quantos administradores não pensavam desta maneira entre as décadas de 40 e 70?
Mas a crescente impermeabilização do solo – os jardins e quintais cimentados, as ruas, avenidas e os estacionamentos asfaltados – impede a penetração da água no solo. O único caminho para a chuva é então a galeria de águas servidas, que vai desaguar nos córregos, aqueles mesmos que foram concretados e limitados ao menor espaço possível, e que acabam desaguando nos rios Pinheiros, Tietê ou Tamanduateí. Mas, como estes rios são pouco profundos e de vazão lenta, a água fica retida nessa imensa bacia onde está situada parte da cidade de São Paulo. Com isso, a metrópole torna-se um imenso piscinão; cheio de lixo, mal-cheiroso e barrento. Este é o retrato do que fizemos à natureza – e à nossa cidade – nos últimos oitenta anos.
Iniciativas inovadoras, no entanto, já aparecem. Alguns córregos na periferia da cidade não estão mais sendo canalizados. Faz-se a limpeza do leito, afastam-se os focos de esgoto e deixa-se o córrego correr. Alguns especialistas falam até em “renaturalizar” os córregos já canalizados, ou seja, remover as tubulações e refazer o antigo leito. O próprio Prefeito ficou bastante interessado no caso de Seul, na Coréia, que recuperou um rio totalmente poluído que percorre o centro da cidade. Mas, até que se encontre uma solução para São Paulo e região ainda teremos muitas enchentes. Quem viver, verá.
(Imagens: fotografias de Ando Gilardi)

Perda da biodiversidade pode compremeter a economia

domingo, 11 de novembro de 2012
"Beaudelaire acredita que o artista não deve preocupar-se com o real, ainda mais porque o real só se revela através do verniz das aparências"  -  Jean-Baptiste Baronian  -  Baudelaire

Reuniram-se em Hyderabad, na Índia, representantes de 192 países mais a União Européia, para a 11ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, chamada de COP-11. O objetivo principal do encontro foi discutir e acordar um plano estratégico para reverter o processo de destruição de ecossistemas e a perda da biodiversidade em todo o planeta. A velocidade do desaparecimento de espécies é cada vez mais rápida, o que deverá provocar um número cada vez maior de impactos no clima, na agricultura, na pesca e no próprio fornecimento de recursos naturais para a economia mundial.
Um dos pontos principais da reunião foi estabelecer mecanismos, para que seja possível levantar recursos financeiros para colocar em prática os 20 compromissos assumidos pelos países, durante a COP-10 realizada em 2010 em Nagoya, no Japão. Naquela ocasião foi acordado que até 2020 o planeta deverá reduzir em 50% a perda de seus habitat naturais e florestas; recuperar 15% das áreas já degradadas; e colocar sob proteção 17% das zonas terrestres e 10% das regiões costeiras e marinhas. Além disso, comprometem-se todos a reduzir os impactos da atividade humana sobre áreas e recifes e corais.
A situação da biodiversidade em todo o mundo só está piorando. Os países, em sua grande maioria, pouco ou nada investem na proteção dos recursos naturais. Mesmo entre aqueles que criam novas áreas de proteção, são poucos os que destinam recursos para uma efetiva gestão - caso de muitas áreas de proteção permanente (APPs) no Brasil, sem qualquer tipo de controle. Em todo o mundo a perda da biodiversidade já é tão grande, que segundo o Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA) metade dos pântanos em todo o planeta desapareceram no século XX - 20% das áreas entre 1980 e 2011.
O Estudo "Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade" (The Economics of Ecosystems & Biodiversity), preparado em 2010 pelo PNUMA, constatou que a degradação ambiental provoca prejuízos de até 6,5 trilhões de dólares por ano para a economia mundial. A destruição de solos férteis através de queimadas ou de uma agricultura predatória; a exaustão dos recursos hídricos, pela superexploração da água ou de sua poluição por agrotóxicos; são impactos que terão um custo financeiro muito alto para serem revertidos. Como exemplo concreto, basta ver o custo da limpeza do Rio Tietê, na grande São Paulo, que já absorveu mais de três bilhões de dólares desde seu início, em 1992. Assim como precisamos recuperar o rio, teremos necessidade de recuperar o solo agricultável, a floresta que equilibra o clima e vários outros ambientes. 
Chegaremos inevitavelmente a um ponto em que quase não haverá mais ecossistemas naturais; em que as espécies terão sido em parte dizimadas. Então precisaremos desenvolver tecnologias que substituirão os serviços ambientais que eram proporcionados por estes sistemas naturais. No entanto, os custos destas tecnologias - ou até sua efetividade - ainda são desconhecidos em parte. Além disso, existe o aspecto moral: nossa espécie não tem o direito de, mesmo a título de sobrevivência, destruir grande parte das outras espécies vivas. Ainda temos tempo, se todos os países contribuírem, para evitar que os serviços ambientais se tornem cada vez mais caros. Mas já sabemos que com a crise econômica mundial poucos governos contribuirão com esse fundo de preservação da biodiversidade.
(Imagens: fotografias de Josef Breitenbach)

Como se desenrola o processo de degradação de um rio

quinta-feira, 8 de novembro de 2012
"Cuidar é administrar exclusivamente para um pedaço da cidade; governar é fazer como os bandidos, que dominam sem distinguir credo, cor ou posição social. Hoje, no Brasil, o crime, como o mais flagrante instrumento de igualdade, governa. Já o governo, que deveria tomar medidas contra ele... Bem, o governo cuida dos seus e de si (aumentando suas mordomias, salários e outros benefícios próprios do cuidar)."  -  Roberto Da Matta  -  Crônicas da vida e da morte

A poluição ambiental de um rio não é um processo repentino. Pode-se observar que o processo de degradação se dá aos poucos. Em um artigo bastante interessante a imprensa do Ceará descreve o processo de degradação e poluição dos rios Salgado e Jaguaribe; região onde periodicamente ocorrem chuvas, enchentes e, consequentemente, destruição de casas nos bairros ribeirinhos das cidades de Icó (Rio Salgado) e no município de Iguatu (Rio Jaguaribe).
A região, aparentemente preservada até há alguns anos, está sentido o impacto do aumento populacional, das atividades econômicas, da falta de controle ambiental e do baixo nível de conscientização da maior parte da população. Segundo o Diário do Nordeste (17/08/2009), as fortes chuvas que caíram no sertão cearense aumentaram o nível do Rio Salgado, destruindo áreas de agricultura e invadindo os bairros mais baixos da cidade. O motivo principal das destruições foi, segundo o jornal, a remoção da mata ciliar durante as últimas décadas. As margens do rio se transformaram em depósitos de entulho e lixo, recebendo todo tipo de resíduos. Além disso, a falta de sistemas de tratamento de esgoto faz com que no rio desaguem dezenas de toneladas de efluentes residenciais e industriais a cada dia.
Passadas as enchentes de 2008 (que são periódicas) o nível do rio caiu. Segundo depoimentos de lavadeiras (pessoas que conhecem o rio e o observam diariamente), o constante despejo de resíduos nas margens e no leito do rio, está provocando o “aterramento” (o assoreamento) do curso de água. Agricultores da região informam que durante as enchentes as embalagens de agrotóxicos ficam boiando nas águas e que empresas transformaram certas partes do rio em porto de areia.
A população mais antiga informa que no passado as águas do rio eram mais limpas e profundas, sendo que o rio era mais estreito, demonstrando um processo de assoreamento e de gradual poluição do rio. Dos 23 municípios que compõem a Bacia do Rio Salgado, dez não possuem qualquer tipo de saneamento. O jornal Diário do Nordeste informa que apesar das agressões ao rio por parte dos agricultores e moradores das cidades, as sucessivas administrações municipais nada têm feito para resolver o problema.
O tipo de poluição a que está sujeito o Rio Salgado são os efluentes domésticos (coliformes fecais), os defensivos agrícolas e os adubos artificiais (N, P, K). Além disso, segundo relatos, o curso de água também deve receber toda uma série de substâncias químicas de uso industrial e todo tipo de entulho; doméstico, de construção e industrial.
Além da importância em determinar os tipos de poluentes que o rio está recebendo, é urgente a necessidade de estabelecer um programa de saneamento e controle, investindo em tratamento do esgoto doméstico, forçando as empresas a construírem ETEs e instituir um programa de gestão de resíduos. Caso contrário, em poucos anos se repetirá na região o que já ocorreu em várias outras partes do país.
Bibliografia:
Rio Salgado em discussão:
Rio Salgado e Jaguaribe: poluição aumenta a cada dia
(Imagens: fotografias de Otávio Valle)

Estratégias de exploração dos recursos naturais

domingo, 4 de novembro de 2012
"Resta uma pegunta para a qual não tenho resposta. Perguntaram-me se acredito em Deus. Respondí com os versos do Chico: "Saudade é o revés do parto. É arrumar o quarto do filho que já morreu". Qual é a mãe que mais ama? A que arruma o quarto para o filho que vai voltar ou a que arruma o quarto para o filho que não vai voltar? Sou um construtor de altares. É o meu jeito de arrumar o quarto. Construo meus altares à beira de um abismo escuro e silencioso. Eu os construo com poesia e música. Os fogos que neles acendo aluminam o meu rosto e me aquecem. Mas o abismo permanece escuro e silencioso"  -  Rubem Alves  -  Pimentas - para provocar um incêndio não é preciso fogo

Produtividade máxima sustentável e estratégia de exploração por quota fixa e esforço fixo. Como estas técnicas de exploração procuram extrair produções máximas sustentáveis de populações naturais?
O termo “produtividade máxima sustentável” é um termo que relaciona a ecologia com a economia. Trata-se da máxima produção que se pode obter de qualquer produto natural – vegetal ou animal – sem que o ambiente onde ocorra esta produção (extração, cultura ou criação) seja prejudicado, ou seja, mantenha sua sustentabilidade. Um exemplo interessante nos é dado com o plantio de açaí nativo, feito pela Embrapa. Segundo o estudo vemos que há uma interferência no ambiente natural onde a planta é encontrada. Diz o texto: “Nas áreas destinadas para a produção de frutos, normalmente, são eliminados os estipes de açaizeiro excedentes das touceiras e, também, algumas plantas de outras espécies, com vistas à redução da concorrência por água, luz e nutrientes. Ambos os casos provocam sensíveis alterações nos fatores que afetam a produtividade dessa palmeira. No caso da exploração do palmito, são eliminadas grandes quantidades de estipes de açaizeiro em decorrência da própria atividade.” (Nogueira, 2006).
No entanto, vemos que mesmo com esta interferência, é mantida a sustentabilidade do ambiente, segundo afirma e especialista da Embrapa: “O manejo tem sido enfatizado como a forma de garantir a extração sustentada dos recursos naturais. No extrativismo da madeira, pesca e caça, por exemplo, há a preocupação de serem igualadas as taxas de extrações com a capacidade de regeneração. No entanto, a taxa de extração biológica, muitas vezes, não garante a sustentabilidade econômica.” (Nogueira, 2006 – negrito nosso). A grande dificuldade deste tipo de exploração econômica é o número de variáveis com as quais se precisa trabalhar. No caso da plantação de açaí é preciso considerar as taxas de luminosidade para as plantas, área de solo disponível, umidade, espaço, concorrência de outras espécies, etc.
O termo estratégia de exploração por quota fixa e esforço fixo refere-se à exploração econômica de um ecossistema, do qual se extrai quantias fixas de produto natural. Um exemplo típico é a fixação de cotas de pesca de peixes, caranguejos ou lagostas, durante certos períodos do ano em certas regiões. Não se sabe exatamente como anda, por exemplo, a taxa de reprodução dos caranguejos – é por isso que estes ecossistemas precisam ser constantemente monitorados. A pesca da lagosta no Nordeste, por exemplo, atinge volumes cada vez mais baixos, devido a um histórico de pesca predatória que ainda continua. Além disso, é preciso acompanhar constantemente a tecnologia empregada no processo da pesca, já que a melhoria desta tecnologia pode proporcionar a captura de maiores quantidades de pescado em menos tempo. Atinge-se uma alta produtividade que, todavia, em pouco tempo exaure os recursos naturais – neste caso as lagostas.
Estas estratégias de exploração procuram extrair quantidades máximas de populações naturais através de um constante monitoramento das condições do ecossistema que está sendo explorado. No caso do açaí, por exemplo, uma seca pode deixar certos espécimes mais fracos, comprometendo a quantidade de frutos produzidos. O mesmo pode acontecer entre os caranguejos já citados, onde mudanças de temperatura da água podem aumentar ou diminuir o nascimento de fêmeas, o que pode apontar para uma tendência de aumento ou diminuição no nascimento de novos indivíduos no futuro.
Trata-se, pois, de um tipo de exploração que requer muito cuidado e acompanhamento, com o risco de destruir espécies ou ecossistemas inteiros, dependendo da importância desta espécie explorada na cadeia alimentar do sistema em que se encontra.
Bibliografia:
Nogueira, Oscar L. Sistemas de Produção do Açaí. Embrapa, 2006. Disponível em:
Ecologia aplicada – Aula 4 . Disponível em:
(Imagem: fotografias de Geraldo de Barros)

Gestão urbana e meio ambiente

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

"Como dizia Tales, ao eliminar a terra, o caos tomaria conta de todo o cosmos; da mesma forma, também a eliminação da alimentação representaria a dissolução da casa. Com efeito, juntamente com a mesa, elimina-se também o fogo guardião do lar, o próprio lar, os vasos para misturar o vinho, o acolhimento, a hospitalidade, as mais humanas e primeiras manifestações de comunhão entre as pessoas."  -  Plutarco  -  O banquete dos sete sábios


Nas campanhas dos candidatos para as eleições municipais chamou mais uma vez atenção o pouco destaque que tiveram as questões ambientais. Ao invés de incorporarem o assunto como tema transversal, os candidatos se limitaram a atacar os sintomas - as péssimas condições do transporte, a falta de parques, as enchentes, e outros males que nos afetam há décadas - ao invés de atacar as causas, trazendo a ecologia para a gestão das cidades.
Um dos maiores problemas nas médias e grandes cidades brasileiras, a questão da mobilidade da população, tomou proporções tais, que se transformou em fator gerador de grandes impactos ambientais e de problemas de saúde para a população. Historicamente, o transporte urbano sempre foi tratado de maneira simplista, sem planejamento de longo prazo. As soluções sempre foram as de mais fácil introdução; ampliar o uso do ônibus e do automóvel particular, demandando menos recursos e tempo de implantação e rendendo dividendos já nas eleições seguintes. Cidades como Londres, Moscou e Paris, iniciaram a construção de seus sistemas metroviários na primeira década do século XX, enquanto que no Brasil a primeira linha foi iniciada nos anos 1970, em São Paulo.
Os parques públicos, construídos na maioria das grandes cidades principalmente para servirem de área de lazer e contato com o verde para as classes trabalhadoras, também não fizeram parte do planejamento das nossas administrações municipais. O problema é nítido nas periferias das grandes cidades, onde o poder público raramente considerou o lazer de seus moradores, formados por trabalhadores assalariados de baixa renda. A falta de parques e outros locais de lazer e cultura é um dos principais fatores da sensação de falta de perspectivas da população que habita os bairros mais afastados. Iniciativas recentes como a utilização de escolas para tais atividades são ações paliativas.
Todo verão voltam as enchentes, que afetam a vida de centenas de milhares de cidadãos. Não se trata, evidentemente, de um fenômeno que só ocorre nas cidades brasileiras. Várias cidades da Europa e dos Estados Unidos são regularmente afetadas por enchentes, provocadas principalmente pelo degelo da primavera, aumentando o volume dos rios. No Brasil o problema sempre foi empurrado com a barriga, tratado como fato inevitável, "acidente da natureza" (desculpa cara a uma cultura ainda supersticiosa), deixando a população a sua própria sorte – coincidentemente sempre os mais pobres. Investimentos na previsão e na prevenção de catástrofes ainda são pouco priorizadas, já que os afetados têm pouca força política e econômica.

De uma maneira geral os candidatos e seus partidos ainda não se deram conta de que muitas das mazelas de nossas cidades poderiam ser minoradas se o aspecto ambiental fosse considerado no planejamento urbano. Ao longo da história das cidades acumularam-se problemas, que deram origem a outros. A intervenção do poder público sempre foi pontual, o que pouco contribui para dar um novo direcionamento ao crescimento urbano e às atividades que se exercem na cidade. A situação chegou a tal ponto, que já não existe mais um conjunto de soluções que possam melhorar em pouco tempo a condição das cidades. O que podemos esperar é que um sequencia de boas administrações comece gradualmente a ordenar o caos que se instalou.
(Imagens: fotografias de São Paulo de Guilherme Gaensly)