Investimentos em unidades de conservação

terça-feira, 28 de junho de 2011
"Cansado das discussões eternas em que se comprazem seus contemporâneos, Pirro adota a postura de responder a todas as perguntas: eu não sei nada"   -   Victor Brochard   -   Os céticos gregos

A longa e por final intensa discussão sobre a alteração do Código Florestal Brasileiro acabou despertando a atenção da imprensa para outros assuntos relacionados com a floresta. Ainda à época dos últimos debates no Congresso sobre a alteração da lei, foi constatado que os índices de desmatamento haviam aumentado repentinamente, enquanto que o número de assassinatos ligados à questão do uso da floresta e da posse da terra na região amazônica vem crescendo. Mais recentemente, um estudo coordenado pelo Centro para o Monitoramento da Conservação Mundial, do Programa da ONU para o Meio Ambiente, concluiu que numa lista de nove países – todos também dispondo de biomas de importância – o Brasil é o que menos investe na proteção de suas florestas.
Segundo dados do estudo divulgado recentemente pelo site da BBC Brasil, enquanto o país investe em média R$ 4,43 por cada hectare em suas unidades de conservação, a Argentina gasta R$ 21,37, o México R$ 39,71 e a África do Sul R$ 67,09 – quinze vezes mais. Com relação aos países desenvolvidos a diferença é maior ainda: os Estados Unidos, campeão em desembolsos para suas unidades de conservação, destina R$ 156,12 por hectare (35 vezes mais que o Brasil) e a Nova Zelândia R$ 110,39. Mesmo a Costa Rica, cuja economia é equivalente à do estado de Piauí (cerca de R$ 16 bilhões), investe mais que o Brasil na manutenção de suas áreas de conservação ambiental.
Por outro lado, o estudo “Contribuição das unidades de conservação para a economia nacional” – resultado de uma parceria entre o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Ministério do Meio Ambiente – estima que o Brasil possa gerar ao ano R$ 5,77 bilhões com o aproveitamento econômico de suas áreas de conservação. Receitas com produtos florestais (extração controlada de madeira, de castanha-do-pará, frutas e extratos vegetais), fixação de carbono, turismo ecológico, projetos de conservação de recursos hídricos, entre outras atividades, poderiam ser a fonte deste faturamento. Para que isto acontecesse, no entanto, o país teria que alocar aproximadamente R$ 900 milhões anuais nos sistemas de conservação federais e estaduais, além de R$ 1,8 bilhão na infraestrutura de turismo. Além disso, o país teria que criar uma estrutura para gestão deste sistema; o que implicaria na capacitação de pessoal compra de equipamentos e coleta e gestão de dados.
Estes estudos comentados acima apontam para dois fatos. Se por um lado é bastante incipiente nosso sistema de gestão de unidades de conservação, carecendo de recursos e pessoal qualificado, por outro somos um dos países com o maior potencial de geração de divisas a partir destas unidades – sem destruí-las. Não é por outra razão que países como os Estado Unidos, a África do Sul e a Costa Rica atraem um grande número de turistas com seus parques e florestas, o que contribui para a conservação das áreas, mais geração de postos de trabalho e de receitas.
Este é um exemplo de como o Brasil poderá aproveitar sustentavelmente seus recursos naturais. O uso sustentado da floresta (e outros biomas) proporciona um melhor padrão de vida para os habitantes da região, acabando gradualmente com as atividades meramente predatórias, que só trazem benefícios a poucos e destroem o ambiente.
(imagens: El Lissitzky)

As diferentes narrativas: mitologia, religião e filosofia

quinta-feira, 23 de junho de 2011
"O Estado é uma máquina para a manutenção do poder de uma classe sobre outra."   -   Wladimir Iljitsch Uljanow, "Lênin"   - Sobre o Estado

O filósofo alemão Ernst Cassirer defendia a tese de que todo conhecimento – mítico, religioso e científico – é um conhecimento simbólico. Explicando seu pensamento, o filósofo apresenta uma tripla graduação na relação entre signo e significado:
a) A relação de expressividade, típica do mito. Neste caso, há uma identidade entre o signo e o significado; os símbolos tornam-se atributos da própria coisa que designam, como a cruz representa o cristianismo, por exemplo.
b) A relação de representação, caracterizada pela linguagem. Aqui o nome é uma convenção e serve para representar a coisa, como um substantivo. É a maneira mais comum de como nos utilizamos das palavras que representam um ente.
c) A relação de significado, típica da ciência. Há uma independência entre signo e significado. Exemplo disso é uma função matemática (signo), que representa algo diferente do deslocamento do planeta (significado).
Cassirer afirma que o mito não se reconhece a si mesmo como imagem ou metáfora, a sua imagem é a própria realidade. Da mesma forma, o pensamento mítico não deve ser compreendido como mera ilusão ou patologia, mas sim como forma de objetivação da realidade mais primária e de caráter específico. Algumas características do pensamento mítico são segundo Cassirer:
- A produção mítica não é uma forma de ficção inconsciente, tratando-se de uma produção espontânea, mas sem consciência de sua autoria.
- O pensamento mítico não diferencia nem o signo do significado, nem a imagem da coisa. A palavra então não é um simples símbolo, mas representa efetivamente a coisa, como no caso do nome de uma pessoa.
Na análise de Cassirer, a religião e o mito têm origens comuns, mas a religião vai se distanciando gradualmente do mito. Todavia, não existe uma fronteira nítida entre o mito e a religião. A diferença mais evidente para os estudiosos é que na religião o ser humano tem mais individualidade do que no mito. O mito explica suas crenças de forma emocional, enquanto a religião tenta racionalizá-los, explicá-los. Exemplo de comportamento em relação aos mitos é o dos antigos gregos do período clássico. Para estes homens a relação com os deuses era bastante distante, pois não havia o conceito da imortalidade individual que só apareceria mais tarde, quando houvessem cultos mantidos por sacerdotes associados aos deveres religiosos (como quando surgiram os cultos órficos, cuja ideologia muito influenciou o pensamento de Platão).
“O homem grego do período clássico não é strictu senso a “criatura” de uma divindade (idéia partilhada por muitas religiões arcaicas e pelos três monoteísmos) Por conseguinte, ele não tem a ousadia de esperança que as suas preces possam estabelecer certa intimidade com os deuses. Por outro lado, sabe que a sua vida já está decidida pelo destino, a moira ou a aísa, a sorte ou o quinhão que lhe foi atribuído – isto é, o tempo concedido até sua morte.” (Eliade, 1978).
A narrativa filosófica, comparada à mítica ou religiosa, vale-se de argumentos racionais, não está mais sujeita às prescrições dos deuses ou de seus sacerdotes. Apesar de se ocuparem de temas parecidos – “a posição do homem no universo” –, segundo o historiador Werner Jaeger, a filosofia aspira a um conhecimento sempre renovado e inquiridor, diferente da religião e da mitologia, que se contentam com o ensinamento; estabelecido e aplicado sem discussões. Com relação a sua justificação, o mito e a religião não a precisam. A filosofia, por outro lado, vai constantemente elaborar novas justificativas para a sua existência ou utilidade.
As narrativas a respeito da origem do mundo
As narrativas míticas a respeito da criação do mundo são as mais variadas possíveis, dependendo da cultura em que foram desenvolvidas. Os mitos eram narrativas onde sociedades arcaicas descreviam para si mesmas o nascimento do mundo, da sociedade, de determinada planta ou do homem. Os egípcios, talvez a mais religiosa sociedade da Antiguidade, descreviam o nascimento do universo de diversas maneiras. “Os temas alinham-se entre os mais arcaicos: emergência de um outeiro, de um lótus ou de um ovo sobre as Águas Primordiais. Quanto aos deuses criadores, cada cidade importante colocava o seu em primeiro plano.” (Eliade, 1978). Os antigos gregos tinham os mythói, relatos que formavam o quadro mental que o povo tinha dos deuses.
A religião já tem um outro tipo de posicionamento em relação à narrativa sobre a criação do mundo. Geralmente, aproveita-se do relato de um mito, como fizeram os escribas judeus com um mito popular da Criação que remontava aos caldeus. Transformaram este mito em parte constituinte de uma religião específica, praticada por uma comunidade particular. Em função de sua incorporação a uma religião, o mito da Criação passou a assumir um significado específico para o fiel, pois o que antes era mito, agora passou a fazer parte de um plano de um Deus. Esta a diferença básica da visão da criação do mundo entre religiões politeístas e monoteístas.
A narrativa da filosofia em relação à criação do mundo era influenciada pelo mito e pela religião. Os filósofos pré-socráticos se utilizarão da linguagem da religião e do mito, talvez por desconhecerem outra forma de linguagem mais específica, mais tarde desenvolvida pela ciência. Anaximandro de Mileto se expressará assim sobre o início do mundo: “princípio dos seres... ele disse (que era) o ilimitado... Pois donde a geração é para os seres, é para onde também a corrupção se gera segundo o necessário; pois concedem justiça e deferência uns aos outros pela injustiça, segundo a ordenação do tempo.” (Simplício, Física, in Os Pensadores, 1996).
A grande diferença no relato da filosofia sobre a criação do mundo não estava no vocabulário, mas na maneira como utilizá-lo. Os filósofos pré-socráticos já não tinham uma visão mítica do universo. Queriam chegar a uma realidade última, subjacente a todo o processo. Este novo posicionamento “racional” em relação ao universo é bem exemplificado por Nietzsche, referindo-se a Tales de Mileto
“como matemático e astrônomo, ele se havia detido em tudo o que é místico ou alegórico. E não conseguiu perder as ilusões até chegar a essa abstração pura de que “tudo é um”, onde ele se deteve numa formulação de ordem física, ele se tornou, no entanto, uma figura rara entre os gregos de seu tempo. Talvez os órficos, tão singulares, possuíram em grau mais elevado ainda a capacidade de captar abstrações e de pensar de maneira não figurada; mas só chegaram a exprimi-lo sob a forma de alegoria.” (Nietzsche, 2008).
Bibliografia
DE SOUZA, José Cavalcante, Os Pré-Socráticos, Editora Nova Cultural: São Paulo, 1996, 320 pgs.
ELIADE, Mircea, O Sagrado e o Profano – a essência das religiões, Edição Livros do Brasil: Lisboa, s/d, 234 pgs.
ELIADE, Mircea, História das Crenças e das Idéias Religiosas - Volume I, Zahar Editores: Rio de Janeiro, 284 pgs.
FERNANDES Vladimir, Mito e Religião na Filosofia de Ernst Cassirer, disponível em
< http://www.hottops.com/notand11/Vladimir.htm> acesso em 22/05/08
NIETZSCHE, Friedrich, A filosofia na época trágica dos gregos, Editora Escala: São Paulo, 2008, 139 pgs.
VERNANT, Jean Pierre, Mito e Pensamento entre os Gregos, Editora Paz e Terra, 2002, 504 pgs.
VERNANT, Jean Pierre, Mito e Religião n Grécia Antiga, Editora Martins Fontes: São Paulo, 2006, 88 pgs.
(imagens: Mark Rothko)

Avançam os preparativos para a Conferência Rio + 20

domingo, 19 de junho de 2011
"Um dos erros mais graves que podemos cometer é acreditar que o cosmo tem planos para nós, que, de algum modo, somos importantes para o Universo. Somos, sim, especiais, mas não porque o cosmo tenha planos para nós, ou por que seja "certo" para a vida. O universo não quer nada conosco."   -   Marcelo Gleiser   -   Criação imperfeita

Em todo o mundo avançam os preparativos para o grande encontro sobre sustentabilidade, a conferência Rio + 20. O evento se realizará no Rio de Janeiro, entre os dias 4 e 6 de junho de 2012 e deverá reunir representantes de governos, ONGs e setor privado. A idéia da comissão organizadora da conferência é repetir o sucesso alcançado pela primeira conferência da série, a ECO 92, que aconteceu na mesma cidade em 1992, reunindo milhares de ativistas, políticos e empresários. O então presidente do Brasil, Fernando Collor de Mello, o presidente dos Estados Unidos, George Bush (pai), e o líder religioso budista Dalai Lama, foram personalidades que participaram ativamente da ECO 92.
Os tempos, no entanto, são outros. O mundo e o Brasil mudaram bastante nestes últimos 20 anos. Sob o aspecto econômico, em 1992 ainda vivíamos sob o impacto da queda do Muro de Berlim, representação simbólica da falência dos regimes socialistas liderados pela União Soviética. Os grandes grupos econômicos, incentivados pelo desaparecimento das barreiras ao comércio, começaram então sua expansão rumo às economias menos desenvolvidas, ampliando seu número de fornecedores e de consumidores: tinha assim início o que hoje conhecemos como sociedade mundial do consumo e das marcas. Na economia globalizada a China ainda não tinha a importância que tem hoje, mas já mostrava índices de crescimento bem acima dos outros países.
Na política, o mundo vivia um hiato, depois de décadas de bipolarização do poder entre a União Soviética e os Estados Unidos. A queda do império soviético havia deixado os Estados Unidos como vencedor de um conflito que teve início logo depois da 2ª Grande Guerra. A nação americana dominava militarmente o mundo e ainda não havia sido desafiada pelo terrorismo muçulmano - situação que se tornaria mais crítica a partir do ano 2000.
Em relação à questão ambiental a década de 1990 foi de grandes avanços em todo o mundo. Durante a Conferência no Rio de Janeiro foram estabelecidas as bases de um Tratado de Mudanças Climáticas (que em 1997 daria origem Protocolo de Kyoto), da Convenção da Biodiversidade e da Agenda 21 (a agenda da sustentabilidade para o século 21).
No Brasil aumentava a preocupação com a questão ambiental e cresce o numero de ONGs envolvidas com projetos ambientais e iniciativas de caráter social. Os temas relacionados à proteção e preservação ambiental tornam-se cada vez mais comuns na imprensa, contribuindo para a informação e a conscientização da população em relação ao tema. O setor privado também vinha se adaptando lentamente ao tema ambiental. Já em 1991, a Câmara Internacional de Comércio promulgava em Rotterdam o que foi denominado de os “Princípios do Desenvolvimento Sustentável”, que deveriam servir de orientação para todos os empreendimentos preocupados com a questão ambiental.
É esperado que a Rio + 20 fale muito sobre economia verde; a maneira sustentável de como a economia deve funcionar daqui para frente. Isto porque, o mundo não está mais em fase de elaboração de acordos e tratados ambientais. O impacto ambiental do sistema econômico é cada vez maior, principalmente nas economias emergentes. É hora de se cumprir na prática o que já foi compromissado; a situação é urgente!
(imagens: Archile Gorky)

Situação do resíduo urbano: demandas e perspectivas

quarta-feira, 15 de junho de 2011
"A antropologia cultural surgiu - é tentador suspeitar - numa reação sectária à secularização da ciência: como se tornava cada vez mais difícil invocar a metafísica em favor da natureza especial da humanidade - cada vez mais difícil invocar Deus ou citar a alma -, a cultura tornou-se um diferenciador alternativo, secular, científicamente verificável: uma alma secular, algo que só os humanos possuíam. A longo prazo, como vimos, isso se revelou uma pressuposição falsa."  -  Felipe Fernández-Armesto  -  Então você pensa que é humano?

Atualmente, no Brasil, mais de 80% dos cidadãos vivem em cidades; em um século a população do país e a renda per capita foram multiplicadas por treze. O Brasil, desde a década de 1950, deixou de ser uma economia essencialmente agrária, para se tornar um grande centro industrial, com o sétimo maior Produto Interno Bruto (PIB) do mundo. Aos poucos, estamos deixando de ser uma das sociedades com um sistema de distribuição de renda mais injusto do mundo; quase todos os indicadores sociais apresentaram alguma melhora nos últimos quinze anos.
No entanto, o país ainda tem um longo caminho pela frente. A questão ambiental – reflexo da situação socioeconômica que o país lentamente está mudando – ainda não foi plenamente incorporada pelo poder econômico e político do país, com raras exceções. Sendo assim, a maior parte da população ainda sofre com as péssimas condições de moradia, a falta de saneamento, a exploração desmedida dos recursos naturais, enfim, o descaso com o direito de todo cidadão. Diz o Artigo 225 da Constituição: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (Constituição Brasileira, 1998). O que ocorre é que a privatização dos bens naturais públicos – que constitucionalmente pertencem a todos – ainda reflete relações sociais, econômicas e políticas autoritárias; a questão ambiental no Brasil ainda não é tratada de forma democrática, o que vigora ainda é o interesse dos grupos economicamente (e politicamente, por consequência) poderosos. Esta situação se reflete, por exemplo, na gestão dos resíduos, onde o país continua apresentando baixos índices de coleta, tratamento e correta destinação.
Não existem dados definitivos sobre a geração de resíduos no país, já que uma considerável parcela do lixo não é coletada e assim não entra na contabilidade geral. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) informa que a quantidade média de lixo produzida no Brasil é de 0,6 kg por dia e por habitante. Este volume varia de 0,4 kg por habitante na região Nordeste a 1,1 kg na região Sudeste. Especialistas reportam que após a introdução da estabilização econômica do Plano Real e o crescimento da economia a partir de 2003, a geração de resíduos domésticos em todo o país vem gradativamente aumentando, tendo alcançado cerca de 157.000 toneladas por dia em 2009. Aproximadamente 80% das cidades brasileiras dispõem de serviço de coleta de lixo, fornecido pelas administrações municipais ou empresas terceirizadas. Os índices de oferta destes serviços são mais baixos entre as prefeituras das regiões Norte e Nordeste. Todavia, devido à pressão exercida pela legislação e pelo Ministério Público, fazendo com que prefeitos sejam responsabilizados pelos danos ambientais causados por suas administrações, muitas prefeituras estão investindo na construção e expansão de aterros. Por outro lado, segundo alguns especialistas, a falta de recursos disponíveis fará com que os serviços de coleta dos resíduos e sua disposição final sejam gradualmente divididos com o setor privado, através de parcerias públicas privadas (PPPs).
Segundo dados publicados pela ABRELPE (Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) em 2009 foram gerados no Brasil aproximadamente 57 milhões de toneladas de lixo. Deste volume, foram coletados 50,2 milhões de toneladas. O volume coletado foi gerido como segue:
Disposição final              Volume anual (em milhões de t)                  Percentagem
Aterros sem controle                             21,7                                                 43
Aterros (regulamentados)                    28,5                                                 57
Total                                                          50,2                                               100
(Fonte: Abrelpe)
Segundo dados do CEMPRE (Compromisso Empresarial para a Reciclagem), em 2009 somente cerca de 4% dos resíduos domésticos foram reciclados (cerca de 2,2 milhões de toneladas). Dados recentes atestam que o avanço da reciclagem é lento, tendo sido implantada até o momento em pouca mais de 443 municípios brasileiros. Apesar de o país ter alcançado o primeiro lugar na reciclagem de latas de alumínio, ultrapassando o Japão, especialistas informam que a estrutura legal recentemente criada ainda precisa ser colocada em prática. Além disso, ainda falta uma rede logística para organizar este mercando, implicando: a) identificação e organização dos fluxos de materiais no mercado; e b) o envolvimento dos atores – fabricantes, consumidores, prefeituras, catadores, recicladores, entre outros – a fim de explorar as oportunidades de negócios, profissionalizando o setor e transformando-o em um mercado em expansão.
É fato, que apesar do desenvolvimento industrial e do crescimento da economia, incorporando milhões de novos consumidores nos últimos anos, o Brasil ainda não conseguiu estruturar seu setor de gestão de resíduos sólidos. A lei nacional, recentemente aprovada sobre o tema, deverá dar início a um processo de debate em toda a sociedade, ao longo do qual serão estabelecidas as responsabilidades dos diversos agentes envolvidos no assunto.
No momento, no entanto, a legislação ainda é apenas uma idéia, incapaz de estabelecer diretrizes harmônicas e sincronizadas, necessárias para o desenvolvimento de uma política de proteção ambiental abrangente. O grande desafio na implantação da lei será a incorporação dos diversos atores e o monitoramento do funcionamento do sistema. Outro aspecto é que a grande demora na aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos causou no mínimo estranheza. Outras economias, com tamanho comprável à brasileira, há anos dispõem de leis que determinam responsabilidades dos envolvidos na questão. Por um lado é crescente a conscientização de parte da população com relação à necessidade de programas de reciclagem, à correta destinação de resíduos e a outros temas relacionados. Por outro, é pouco provável que a solução do problema dos resíduos urbanos possa ser baseada apenas no voluntarismo dos entusiastas, no esforço dos catadores e em ações de empresas bem intencionadas. Somente uma ação muito mais ampla, amparada no cumprimento de uma legislação moderna e abrangente, aliada à efetiva destinação de recursos públicos para o setor – prevendo também a participação do setor privado –, poderá encaminhar uma solução para o problema dos resíduos urbanos no Brasil.
(imagens: Claudio Tozzi)

O Código Florestal e a proteção dos mangues e restingas

sexta-feira, 10 de junho de 2011
"Ao contrário dos primeiros homens, Caim não reponde à interpelação de Deus, esquiva-se de dialogar e responder. Esquiva-se de enfrentar o demônio no limiar, com isto entrega-se ao "vício" dele. O aprofundamento e a confirmação da falta de decisão é a decisão para o mal."  -  Martin Buber  -  Imagens do bem e do mal

A aprovação do Código Florestal ainda tem sua sequelas. Segundo o jornalista João Lara Mesquita, do Estado de São Paulo, outra vítima deste código serão os mangues, antes considerados área de proteção permanente e que de acordo com a nova redação do código ficarão sem proteção. Para quem conhece alguma região litorânea do Brasil, onde existem mangue e vegetação de restinga, trata-se de uma péssima notícia. Se já com a antiga proteção do código, várias locais de mague e restinga foram completamente arrasados para construção de lagoas de carcinicultura (criação de camarões) ou estabelecimento de loteamentos, agora a situação deve ficar bem pior.
Os mangues e restingas vêm sofrendo ataques de todos os tipos, principalmente a partir da década de 1960. Abertura de estradas, loteamentos, aterros, estabelecimento de lixões, invasões; já se fez – e se faz – de tudo em área de mangue e restinga. Recentemente, no litoral sul de São Paulo, uma das poucas áreas remanescentes de restinga quase foi transformada em terminal portuário de um famoso empresário. O desastre só não aconteceu porque os índios que ainda habitam a região, e a quem historicamente pertence à área, se organizaram, convocaram a imprensa e pressionaram as autoridades da região. Assim, devido à oposição e às dificuldades de implantação da obra, o projeto foi abandonado.
Voltando à questão dos mangues. Estes são grandes fixadores de dióxido de carbono (CO²) e na região amazônica armazenam quantidades maiores deste gás do que a própria floresta. Outro fato já largamente conhecido é que o mangue funciona como um filtro, limpando a água – salgada ou doce – que por ele passa. Por ter grande variedade de espécies, desde as microscópicas até os peixes, crustáceos, aves, répteis e mamíferos, os mangues são grandes viveiros e criadouros para os indivíduos jovens das várias espécies, que o habitam e que depois abandonam para viver no mar. Um dos grandes problemas que afetam os mangues, principalmente na região Nordeste, é a proliferação das fazendas de camarão. O jornalista João Lara Mesquita relata que publicou artigos e fotos, mostrando a grande destruição que as fazendas de camarões causam nas áreas litorâneas. A vegetação original é completamente arrancada para a construção das piscinas criatórias, das quais a maioria não tem bacia de contenção, o que provoca a contaminação do lençol freático. Assim vemos que em muitos segmentos da economia brasileira ainda vigora o velho sistema tupiniquim de fazer empreendimentos: privatizar o lucro e socializar os prejuízos – ou como neste caso, os impactos ambientais.
Não é possível deixar as regiões de mangue e restinga sem qualquer tipo de proteção, fato que acontecerá se o Código for definitivamente aprovado na redação atual. Um vasto bioma, que se estende por toda a costa brasileira do Amapá até Santa Catarina, variando de tamanho conforme a região, será a próxima vítima de empreendimentos mal estruturados e da especulação imobiliária. É preciso que as alterações necessárias sejam feitas o quanto antes, já que o dispositivo legal ainda tramita no Senado. Melhor prevenir antes, para não se lamentar depois – mesmo que interesses de minorias sejam contrariados.
(imagens: Mira Schendel)

C 40: prefeitos debatem clima nas metrópoles

terça-feira, 7 de junho de 2011
"Matamos o tempo, o tempo nos enterra"  -  Machado de Assis  -  Memórias póstumas de Brás Cubas

Realizou-se recentemente em São Paulo a Cúpula dos Prefeitos das Cidades C40. Trata-se do encontro dos administradores das 40 cidades que mais emitem gases de efeito estufa, causadores das Mudanças Climáticas. Estes encontros de prefeitos já vêm se realizando há alguns anos em outras cidade do globo e tem como principal objetivo discutir e avaliar ações que possam contribuir para a redução das emissões - e de suas fontes geradores - nestes grandes centros urbanos. Um dos pontos altos do evento foi o anúncio do presidente do Banco Mundial, Robert B. Zoellick, comunicando a criação de um fundo para financiamento de iniciativas de redução de emissões, que pode chegar a 50 bilhões de dólares. Segundo Zoellick, o Bird tem atualmente R$ 6,5 bilhões para estas iniciativas e já teria investido US$ 15 bilhões nos municípios que integram a iniciativa C40. O encontro foi o primeiro sediado em uma cidade da América Latina. A de São Paulo foi escolhida tendo em vista as ações que está realizando para o combate das Mudanças Climáticas; como a Política Municipal de Mudanças Climáticas, a implantação da inspeção veicular e a criação do programa de substituição de combustíveis fósseis por renováveis na frota de ônibus municipais.
É cada vez maior a importância das grandes cidades no contexto da economia global. Atualmente, mais de 50% da população mundial vive em cidades; no Brasil quase 85% da população já é urbana. As aglomerações urbanas, apesar de ocuparem um espaço bastante limitado em relação à área total da Terra, provocam grandes impactos ambientais de efeito local, poluindo o solo e a água; e de abrangência global, caso das emissões causadoras das Mudanças Climáticas. É por essa razão que as grandes metrópoles estão se associando e procurando colocar em prática soluções conjuntas. Tecnologias e projetos já testados e utilizados em uma região do globo podem ser adaptadas e aplicadas em outras, não há necessidade de se inventar a roda novamente. A interdependência da economia mundial, somada as tecnologias de comunicação presentes na vida dos cidadãos, empresas e instituições, faz com que hoje os centros urbanos se vejam cada vez mais inseridos em um cenário mundial. Os problemas que afetam Mumbai, na Índia, podem afetar São Paulo, Bogotá na Colômbia e Lagos na Nigéria. Ao mesmo tempo, uma solução criativa de moradia popular desenvolvida por uma ONG de Johannesburgo, na África do Sul, por exemplo, também pode ser aplicada no Rio de Janeiro ou Buenos Aires.
A parceria entre as grandes cidades deve ser incentivada. É importante que o grau de cooperação - seja no aspecto ambiental, social, tecnológico e cultural - ocorra cada vez mais. O mundo precisa se preparar para as próximas décadas, quando a população urbana deverá aumentar mais ainda e assim provocar o crescimento da demanda por produtos e serviços nos grandes centros. Com isso, os governos serão forçados a aumentar seus investimentos em infraestrutura. Todavia, o compartilhamento de tecnologias e de outros tipos de conhecimento e práticas sustentáveis, pode reduzir o custo das inovações que necessariamente terão que ser introduzidas.
(imagens: Gustave Courbet)

É isto crescimento?

sexta-feira, 3 de junho de 2011
"O que neste mundo decidem as menores coisas, as mudanças que os objetos e circunstâncias aparentemente menos importantes acarretam em nosso destino, constituem, a meu ver, o mais profundo abismo para o pensamento."  -  Alfred Musset  - Confissões de um filho do século

Nos últimos dez anos a economia brasileira entrou em um ritmo de crescimento relativamente constante. O controle da inflação, o aumento do consumo interno, a expansão da agricultura comercial e a aceleração da demanda mundial das commodities, foram fatores que ajudaram a impulsionar a economia, depois de duas décadas de estagnação. A retomada da atividade econômica fez com que fossem criados mais postos de trabalho e que aumentasse a massa salarial. Empresas, em diversos setores, viram seus resultados anuais crescerem gradualmente e o Estado aumenta a arrecadação de impostos a cada ano.
No entanto, o crescimento econômico provocou um impasse. Bastaram alguns trimestres de ampliação das atividades, para que a infraestrutura – estradas, portos, aeroportos, energia elétrica, administração pública, entre outros – desse sinal de inoperância, mostrando o quanto o país ainda está subdimensionado para um ritmo de expansão constante. Fala-se, também, em uma falta de mão-de-obra qualificada; resultado dos baixos investimentos em capacitação e das constantes oscilações do mercado de trabalho, ao longo das crises econômicas das décadas anteriores.
Além de pressionar a infraestrutura, o crescimento econômico também tem forte impacto sobre o meio ambiente, já que a expansão da economia implica em maior exploração dos recursos naturais; mais consumo de energia, aumento na geração de resíduos e emissões. Em outras palavras, as empresas utilizam mais matérias primas, energia e água, produzindo mais e gerando volumes maiores de resíduos; o cidadão aumenta seu consumo de bens e serviços, mas também multiplica seus excedentes. Em suma, o processo econômico extrai recursos da natureza – na forma de minérios, alimentos e água – e devolve imensos volumes de sobras – na forma de lixo, resíduos industriais e esgoto. Qual o impacto ambiental e social deste processo?
Nas sociedades mais industrializadas – onde a atividade econômica é mais intensiva – a legislação ambiental e a pressão da sociedade civil existem há mais tempo e são mais efetivas, forçando todos os setores econômicos a adotar medidas de controle da poluição e redução na geração de resíduos. Na administração pública estas sociedades já lograram, há décadas, resolver seus problemas com relação à gestão dos resíduos domésticos e do saneamento. Leis garantem a proteção dos direitos do cidadão, no que se refere às condições seguras de trabalho, educação e assistência à saúde.
No Brasil, tais medidas ainda estão pouco implantadas. Apesar do gradual desenvolvimento da legislação ambiental desde o início da década de 1980, a falta de efetivo controle das atividades econômicas, o diminuto volume dos investimentos do Estado e o baixo nível de conscientização da maior parte da população, fazem com que o crescimento econômico ainda aconteça fortemente às expensas dos recursos naturais e, consequentemente, provocando impactos sociais.
Um dos principais problemas de meio ambiente, gestão social e de saúde, continua sendo o saneamento; o tratamento de água potável e do esgoto doméstico. Dados de 2008 informam que 81,2% da população dispunham de acesso à água tratada. Somente 43,2% do esgoto gerado foram efetivamente coletados e deste volume 34,6% eram tratados. Entre 2007 e 2010 o governo planejava investir cerca de R$ 40 bilhões no setor, através do “Programa de Aceleração do Crescimento” (PAC). Esta previsão ainda precisa ser confirmada, dado o atraso em diversas obras do programa e o corte de recursos anunciado nos primeiros dias do governo de Dilma Rousseff. A realização da Copa de 2014 e das Olimpíadas em 2016, esperança de um aumento nos investimentos em saneamento – já que se planejava apresentar ao mundo uma “copa verde” – não deverão trazer relevantes benefícios ao setor, dados a falta de organização, recursos e tempo hábil para as obras. O saneamento, prioritário sob aspecto de saúde pública, continuará sendo uma meta não alcançada pelo país. Para uma nação do porte do Brasil, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os investimentos anuais no setor deveriam ser de no mínimo 0,5% do PIB (R$ 10 bilhões), o que não está acontecendo. Assim, continuaremos indefinidamente poluindo os rios, lagos e oceano, com esgotos domésticos e até efluentes industriais, degradando o meio ambiente, os recursos hídricos e exterminando espécies – muitas desconhecidas ainda. No aspecto social continuarão as epidemias de dengue, viroses e doenças provocadas por águas contaminadas, sobrecarregando o sistema de saúde e matando milhares de crianças a cada ano, geralmente aquelas das camadas sociais mais desprotegidas.
A questão do lixo e dos resíduos industriais também não foge à regra, por ser um problema ambiental e de saúde pública. Diariamente são gerados hoje no Brasil 182 mil toneladas de lixo doméstico – média de 0,95 kg/habitante /dia, para uma população de 191 milhões. Os dados, reunidos pela Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública - ABRELPE, também dão conta de que deste volume 88% são coletados pelas prefeituras. O restante é despejado no meio ambiente, muitas vezes provocando contaminação de solos e rios. Da quantidade total coletada, 60% vão para lixões, sem qualquer tipo de fiscalização, ou para aterros com limitado padrão de controle. Somente 40% de todo o volume de lixo gerado tem destinação correta em aterros sanitários devidamente construídos.
Na área industrial o Brasil gera 86 milhões de toneladas anuais de resíduos (dados de 2008). Deste volume, quatro milhões de toneladas/ano são formados por resíduos perigosos. No entanto, somente 30% deste volume – 1,2 milhões de t/ano – recebem tratamento adequado; os restantes 70% são depositados em lixões, sem qualquer tipo de cuidado. A má gestão destes resíduos provocou a formação de milhares de áreas contaminadas em todo o país - somente no Estado de São Paulo são mais de 3.000 locais poluídos. Já os resíduos de serviços de saúde chegam a 1.100 toneladas por dia em todo o país, dos quais cerca de 340 t/dia são efetivamente tratados. A quantidade restante vai para aterros e não recebe processamento especial, representando grande perigo para as cerca de 50.000 pessoas, que em todo o território nacional infelizmente ainda sobrevivem com o que coletam nos lixões.
A recente aprovação da Lei Nacional de Resíduos Sólidos, em dezembro de 2010, deverá trazer importantes mudanças na gestão dos resíduos sólidos no Brasil. No prazo de quatro anos, empresas, consumidores, prefeituras, cooperativas de catadores; todas as partes envolvidas na gestão dos resíduos terão que contribuir para que seja dado um tratamento eficiente ao lixo; seja pela reincorporação ao sistema produtivo ou o descarte correto. A introdução de um sistema deste porte demandará anos de trabalho sério e investimentos.
Esta só uma pequena amostra das dificuldades ambientais e sociais que continuam afetando a sociedade brasileira. Isto sem abordar todas as outras mazelas sociais, como o ainda péssimo nível do ensino, o caos que perdura há décadas no sistema de saúde e a baixa qualidade de vida nas grandes cidades – principalmente em suas periferias. Também não mencionamos aqui os impactos ambientais e sociais de um crescimento por vezes desordenado e introduzido a qualquer custo – como os grandes empreendimentos no setor de geração de energia e transporte. 
O crescimento da economia não pode ser objetivo único de uma nação. Não é só a expansão do consumo, cada vez mais exacerbado, que trará bem estar ao cidadão. A diminuição do ciclo operacional da mercadoria, gerando mais receita, mas sem considerar as externalidades da atividade econômica, provocará um gradual depauperamento ambiental e humano da sociedade. Por isso, é preciso perguntar qual o tipo de crescimento queremos e quem deverão ser seus beneficiários.
(imagens: Pierre-Auguste Renoir)