Situação do resíduo urbano: demandas e perspectivas

quarta-feira, 15 de junho de 2011
"A antropologia cultural surgiu - é tentador suspeitar - numa reação sectária à secularização da ciência: como se tornava cada vez mais difícil invocar a metafísica em favor da natureza especial da humanidade - cada vez mais difícil invocar Deus ou citar a alma -, a cultura tornou-se um diferenciador alternativo, secular, científicamente verificável: uma alma secular, algo que só os humanos possuíam. A longo prazo, como vimos, isso se revelou uma pressuposição falsa."  -  Felipe Fernández-Armesto  -  Então você pensa que é humano?

Atualmente, no Brasil, mais de 80% dos cidadãos vivem em cidades; em um século a população do país e a renda per capita foram multiplicadas por treze. O Brasil, desde a década de 1950, deixou de ser uma economia essencialmente agrária, para se tornar um grande centro industrial, com o sétimo maior Produto Interno Bruto (PIB) do mundo. Aos poucos, estamos deixando de ser uma das sociedades com um sistema de distribuição de renda mais injusto do mundo; quase todos os indicadores sociais apresentaram alguma melhora nos últimos quinze anos.
No entanto, o país ainda tem um longo caminho pela frente. A questão ambiental – reflexo da situação socioeconômica que o país lentamente está mudando – ainda não foi plenamente incorporada pelo poder econômico e político do país, com raras exceções. Sendo assim, a maior parte da população ainda sofre com as péssimas condições de moradia, a falta de saneamento, a exploração desmedida dos recursos naturais, enfim, o descaso com o direito de todo cidadão. Diz o Artigo 225 da Constituição: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (Constituição Brasileira, 1998). O que ocorre é que a privatização dos bens naturais públicos – que constitucionalmente pertencem a todos – ainda reflete relações sociais, econômicas e políticas autoritárias; a questão ambiental no Brasil ainda não é tratada de forma democrática, o que vigora ainda é o interesse dos grupos economicamente (e politicamente, por consequência) poderosos. Esta situação se reflete, por exemplo, na gestão dos resíduos, onde o país continua apresentando baixos índices de coleta, tratamento e correta destinação.
Não existem dados definitivos sobre a geração de resíduos no país, já que uma considerável parcela do lixo não é coletada e assim não entra na contabilidade geral. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) informa que a quantidade média de lixo produzida no Brasil é de 0,6 kg por dia e por habitante. Este volume varia de 0,4 kg por habitante na região Nordeste a 1,1 kg na região Sudeste. Especialistas reportam que após a introdução da estabilização econômica do Plano Real e o crescimento da economia a partir de 2003, a geração de resíduos domésticos em todo o país vem gradativamente aumentando, tendo alcançado cerca de 157.000 toneladas por dia em 2009. Aproximadamente 80% das cidades brasileiras dispõem de serviço de coleta de lixo, fornecido pelas administrações municipais ou empresas terceirizadas. Os índices de oferta destes serviços são mais baixos entre as prefeituras das regiões Norte e Nordeste. Todavia, devido à pressão exercida pela legislação e pelo Ministério Público, fazendo com que prefeitos sejam responsabilizados pelos danos ambientais causados por suas administrações, muitas prefeituras estão investindo na construção e expansão de aterros. Por outro lado, segundo alguns especialistas, a falta de recursos disponíveis fará com que os serviços de coleta dos resíduos e sua disposição final sejam gradualmente divididos com o setor privado, através de parcerias públicas privadas (PPPs).
Segundo dados publicados pela ABRELPE (Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) em 2009 foram gerados no Brasil aproximadamente 57 milhões de toneladas de lixo. Deste volume, foram coletados 50,2 milhões de toneladas. O volume coletado foi gerido como segue:
Disposição final              Volume anual (em milhões de t)                  Percentagem
Aterros sem controle                             21,7                                                 43
Aterros (regulamentados)                    28,5                                                 57
Total                                                          50,2                                               100
(Fonte: Abrelpe)
Segundo dados do CEMPRE (Compromisso Empresarial para a Reciclagem), em 2009 somente cerca de 4% dos resíduos domésticos foram reciclados (cerca de 2,2 milhões de toneladas). Dados recentes atestam que o avanço da reciclagem é lento, tendo sido implantada até o momento em pouca mais de 443 municípios brasileiros. Apesar de o país ter alcançado o primeiro lugar na reciclagem de latas de alumínio, ultrapassando o Japão, especialistas informam que a estrutura legal recentemente criada ainda precisa ser colocada em prática. Além disso, ainda falta uma rede logística para organizar este mercando, implicando: a) identificação e organização dos fluxos de materiais no mercado; e b) o envolvimento dos atores – fabricantes, consumidores, prefeituras, catadores, recicladores, entre outros – a fim de explorar as oportunidades de negócios, profissionalizando o setor e transformando-o em um mercado em expansão.
É fato, que apesar do desenvolvimento industrial e do crescimento da economia, incorporando milhões de novos consumidores nos últimos anos, o Brasil ainda não conseguiu estruturar seu setor de gestão de resíduos sólidos. A lei nacional, recentemente aprovada sobre o tema, deverá dar início a um processo de debate em toda a sociedade, ao longo do qual serão estabelecidas as responsabilidades dos diversos agentes envolvidos no assunto.
No momento, no entanto, a legislação ainda é apenas uma idéia, incapaz de estabelecer diretrizes harmônicas e sincronizadas, necessárias para o desenvolvimento de uma política de proteção ambiental abrangente. O grande desafio na implantação da lei será a incorporação dos diversos atores e o monitoramento do funcionamento do sistema. Outro aspecto é que a grande demora na aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos causou no mínimo estranheza. Outras economias, com tamanho comprável à brasileira, há anos dispõem de leis que determinam responsabilidades dos envolvidos na questão. Por um lado é crescente a conscientização de parte da população com relação à necessidade de programas de reciclagem, à correta destinação de resíduos e a outros temas relacionados. Por outro, é pouco provável que a solução do problema dos resíduos urbanos possa ser baseada apenas no voluntarismo dos entusiastas, no esforço dos catadores e em ações de empresas bem intencionadas. Somente uma ação muito mais ampla, amparada no cumprimento de uma legislação moderna e abrangente, aliada à efetiva destinação de recursos públicos para o setor – prevendo também a participação do setor privado –, poderá encaminhar uma solução para o problema dos resíduos urbanos no Brasil.
(imagens: Claudio Tozzi)

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