Crescimento da população, consumo e impacto ambiental

sábado, 26 de julho de 2014
"Nós humanos, vivemos em condomínio. Nós temos autonomia porém não temos soberania. Não agimos por instinto. Agimos por reflexão, por decisão, por juízo. A ética é o conjunto de princípios e valores da nossa conduta na vida junta."  -  Mario Sergio Cortella  -  Qual é a tua obra?

Em 1950 a população do mundo era de 2,5 bilhões, passando a seis bilhões de habitantes em 2000. Os países que tem o maior crescimento populacional são os africanos, liderados pela Libéria (4,50% ao ano), Burundi (3,90%) e Saara Ocidental (3,72%). Na maior parte do mundo, todavia, o crescimento populacional está diminuindo ao longo dos últimos 20 anos. É sintomático que duas nações, as quais concentram 2,6 bilhões de habitantes (37% da população terrestre), têm atualmente índice vegetativo baixo: a Índia com 1,46%, e a China com 0,58%. O Brasil também reduziu sua taxa vegetativa drasticamente nas últimas duas décadas – atualmente em 1,24% ao ano.
A redução do crescimento da população mundial ainda não se fez notar com tanta clareza, já que grande parte das pessoas nascidas nos últimos 50 a 70 anos ainda continua viva. O que se espera é que a redução do crescimento vegetativo médio seja perceptível a partir da metade deste século quando, segundo previsões, a população humana deverá alcançar os nove bilhões e lentamente decair, segundo algumas fontes. A ONU (Organização das Nações Unidas), todavia, prevê que a população continuará a aumentar, chegando a aproximadamente 11 bilhões no final do século. O maior crescimento ocorrerá no continente africano, cuja população deverá chegar aos 4,2 bilhões de habitantes até 2100.
O problema do aumento da população não é apenas o da falta de alimentos, como se temia no passado. Estes são e poderão ser produzidos em quantidades suficientes para abastecer o mundo. A tragédia da fome é relacionada com a especulação financeira sobre safras futuras, a falta de recursos, a corrupção e os conflitos, que privam populações do acesso aos meios de produção e compra dos alimentos básicos.
O impacto do crescimento populacional é mais amplo. Refere-se aos recursos naturais necessários para alimentar, dessedentar, vestir, transportar, aquecer, refrigerar, iluminar e divertir centenas de milhões de seres humanos, que também almejam uma vida melhor. Segundo um estudo do instituto americano Wolfensohn Center for Development, em 2030 aproximadamente cinco bilhões de pessoas – cerca de 2/3 da população global – poderão pertencer à classe média mundial, dispondo de 10 a 100 dólares por pessoa por dia (dependendo do país) para gastar.
O efeito que esta demanda por produtos provocará no meio ambiente é imenso: mineração, agricultura, criação de gado, pesca, indústrias de todos os tipos, construção civil, transportes e fornecimento de energia e água. Além disso, há que se considerar a geração de resíduos de todas estas atividades e o impacto no solo, nas águas e na atmosfera, aumentando as emissões de gases de efeito estufa e acelerando as mudanças climáticas. A expansão das atividades econômicas aumentará a pressão sobre os ecossistemas remanescentes, apressando a destruição de espécies, muitas delas extintas antes de terem sido estudadas.
Cientistas recomendam que para evitar o aumento descontrolado da população, principalmente em países pobres, seja incentivada a educação das mulheres, proporcionando-lhes mais liberdade individual, acesso à informação e a métodos contraceptivos. Esta política deveria ser acompanhada de planejamento familiar esclarecido, livre da tutela do Estado, da religião, de grupos de pressão ou membros da família.
(Imagens: arte aborígine australiana)

Brasil produzirá etanol de 2ª geração

sábado, 19 de julho de 2014
"No entanto, se observarmos, sob o prisma da história das instituições, vemos como a liberdade se corrige por uma intensa servidão voluntária, já que as duas funcionam bem juntas... Será que, um dia, a liberdade chegou a existir verdadeiramente? Sem dúvida, ela existiu enquanto ideia, enquanto ideal, em uma espécie de imaginação iluminista da modernidade, uma espécie de parênteses um tanto quanto maluco."  -  Jean Baudrillard  -  De um fragmento a outro

Nos anos 1970 o Brasil importava a maior parte de seus combustíveis, aumentando a dívida externa do país. Em 1975, atuando junto com a indústria automobilística e o setor sucroalcooleiro, o governo lançou o programa Proálcool (Programa Nacional do Álcool), que visava à utilização do álcool derivado da cana-de-açúcar como combustível para veículos, reduzindo com isso as importações de derivados de petróleo.
A aceitabilidade do programa junto às montadoras e ao público consumidor foi gradualmente aumentando. No final dos anos 1980 parte dos veículos de passeio brasileiros era movida a álcool. No entanto, problemas de disponibilidade do combustível fizeram com que consumidores e montadoras perdessem a confiança no programa, o que provocou queda nas vendas e, consequentemente, na fabricação de veículos a álcool.
Nos anos 1990 o Proálcool toma novo impulso com o desenvolvimento da tecnologia “flexfuel”, que permite ao motor queimar tanto gasolina quanto etanol. A tecnologia foi regulamentada pelo governo em 2003, fato que impulsionou fortemente as vendas de veículos flex.
Nos últimos anos o programa do carro a álcool – apesar de seu forte apelo ambiental e de envolver diversos setores da economia brasileira – voltou a perder sua aceitabilidade junto aos consumidores. O principal problema é que o uso do etanol estava se tornando antieconômico, já que rodando com este combustível a rentabilidade do veículo é menor, comparado à gasolina. Desta maneira caiu a demanda por álcool e aumentou o uso da gasolina, que em parte é importada. A queda nas vendas do etanol e a falta de reajuste em seu preço provocaram a maior crise pela qual já passou o setor sucroalcooleiro. Segundo reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo, nas últimas cinco safras 44 usinas encerraram suas atividades, 33 estão em recuperação judicial e dez não deverão moer cana-de-açúcar neste ano.
Apesar da situação, o setor está desenvolvendo novas tecnologias e com apoio financeiro do BNDES prepara a implantação da primeira unidade de produção de álcool celulósico no Brasil. A usina está localizada na cidade de Piracicaba e tem capacidade de produção de 40 milhões de litros de etanol. O biocombustível é o chamado de “segunda geração”, produzido a partir do bagaço, das folhas, cascas e outros resíduos da cana-de-açúcar. Se a experiência for bem sucedida, segundo o vice-presidente de etanol, açúcar e bioenergia da Raízen, Pedro Mizutani, a empresa pretendem construir mais sete unidades no país, investindo aproximadamente R$ 2 bilhões e produzindo cerca de 1 bilhão de litros de etanol celulósico. O volume ainda é diminuto em comparação ao consumo do mercado brasileiro (21 bilhões de litros em 2013), mas representa o marco inicial de uma nova tecnologia que poderá aumentar a produção brasileira do biocombustível.
O físico, professor e pesquisador do programa brasileiro do etanol celulósico, Igor Polikarpov, é um entusiasta da tecnologia. Segundo ele, temos um “pré-sal de biomassa” para fabricar o combustível: “disponibilidade de terra e água, luz solar à vontade e uma cadeia produtiva já montada, com vasta quantidade de matéria-prima pronta para ser processada”. Atualmente a equipe envolvida no projeto está pesquisando enzimas capazes de processar a celulose e outros componentes orgânicos, a fim de transformá-los em etanol.
(Imagens: pinturas jainistas)    

A Copa poderia ter sido mais verde

sábado, 12 de julho de 2014
"Se há, pois, razão para esperanças, donde há-de vir a salvação? Não do 'progresso', com certeza. Já progredimos o bastante na arte de envenenar o nosso mundo e a nossa sociedade. O progresso do conhecimento e da ciência aplicada, posto que indispensável e inspirador, não salvará a nossa cultura."  -  J. Huizinga  -  Nas sombras do amanhã

No momento em que escrevo este artigo o país ainda se encontra sob o efeito da derrota para a Alemanha por 7 a 1. Anos de espera, grandes expectativas e, infelizmente, tudo terminou em alguns poucos minutos. Apesar dos elogios e das críticas a serem feitas ao técnico e aos jogadores, o futebol é como a vida real: se ganha e se perde. As próximas gerações de atletas brasileiros poderão recuperar aquilo que a atual não pode ganhar. Afinal, ainda somos os únicos pentacampeões mundiais e ainda demorará muito até que outras seleções nos alcancem.
Se no futebol sempre se pode recuperar o que foi perdido, o mesmo não pode ser dito das obras que deveriam ter sido realizadas até um determinado tempo e não foram. Aeroportos que não chegaram a serem terminados a tempo, sistemas e vias de transporte urbano inacabados, obras de saneamento que não avançaram, e a realocação de pessoas que foram removidas de suas moradias por causa de obras da Copa. Terminado o evento, precisamos nos perguntar o que efetivamente sobrou como benefício para a população e o que no futuro constituirá um ônus. Exemplo disso são os estádios construídos em cidades sem grandes platéias de torcedores. De onde virão os recursos para custear a manutenção destas obras que custaram centenas de milhões de reais?
Quando em 2007 foi anunciado que o Brasil sediaria a Copa do Futebol havia um clima de euforia no país. A economia estava crescendo e Lula estava no auge. A Copa poderia ser uma vitrine de um novo Brasil, que crescia com justiça social e proteção ao meio ambiente - já que o país sempre foi um dos grandes interlocutores mundiais nas questões ambientais. 
Em 2006 a Alemanha havia tomado uma série de providências para reduzir o impacto ambiental da Copa de 2006. Assim, depois da "Copa Verde" na Alemanha, falava-se em uma "Copa Verde" no Brasil. Outro fato importante é que em 2007 o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) publicou um novo estudo sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas, tornando o momento bastante propício para que o Brasil lançasse uma agenda verde, visando a RIO+20 (2012) a Copa (2014) e as Olimpíadas (2016).


No entanto, a maneira como evoluíram os preparativos para RIO+20 e a Copa – e agora parece que também para as Olimpíadas - indicam que na pratica o governo não dispunha de uma agenda verde, pelo menos para estes importantes eventos. Apesar do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), os investimentos em saneamento ainda são insuficientes para garantir esgoto coletado e tratado para toda população dentro dos próximos 20 anos. A Política Nacional de Resíduos Sólidos está atrasada em sua implantação e já se fala em sua prorrogação. O governo reduziu os recursos para investimentos em parques nacionais e ainda não temos uma Política Nacional de Mudanças Climáticas efetivamente implantada. 
Estes são apenas alguns pontos de uma lista de promessas já discutidas aqui nesta coluna. Fato é que o Brasil tinha chances de se projetar internacionalmente como um país envolvido com a questão da sustentabilidade, utilizando-se dos grandes eventos como vitrine, a começar pela Copa. Isto, no entanto, não aconteceu. Instalar placas fotovoltaicas, reciclar o lixo e reutilizar a água de chuva em alguns estádios - cujo custo extrapolou o orçamento inicial - não é lá uma grande contribuição ao meio ambiente.
(Imagens: fotografias de Bruce Davidson)

Comentários sobre o texto “Reflexões sobre a Racionalidade Científica: problemas, apostas e propostas”

sábado, 5 de julho de 2014
"Ter senso histórico é superar de modo consequente a ingenuidade natural que nos leva a julgar o passado pelas medidas supostamente evidentes de nossa vida atual, adotando a perspectiva de nossas instituições , nossos valores e verdades adquiridos. Ter senso histórico significa pensar expressamente o horizonte histórico coextensivo à vida que vivemos e seguimos vivendo."  -  Hans-Georg Gadamer e Pierre Fruchon (org.)  -  O problema da consciência histórica

O texto "Reflexões sobre a Racionalidade Científica: problemas, apostas e propostas" é de autoria de Daniel Durante Pereira Alves, professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Neste curto artigo comentaremos este trabalho, que analisa a atividade científica e a epistemologia.
No início de seu texto o autor afirma querer fazer uma crítica sobre alguns aspectos cognitivos da ciência, em seus pressupostos herdados de Descartes e defendidos pelo empirismo lógico. O texto também pretende apontar a conexão íntima existente entre certos problemas epistemológicos e éticos, considerando a extrema interrelação entre ambos. Em sua argumentação, o texto elabora uma crítica ética da ciência, dadas as “conseqüências muitas vezes nocivas do conhecimento científico”. Assim, para iniciar sua apresentação, o autor começa seu texto com uma explicação do que considera as características mais fundamentais da racionalidade científica hegemônica: o atomismo e o método axiomático.
O conhecimento científico é socialmente construído e não “temos nenhum motivo intransponível que nos impeça de procurarmos novas formas de fazer ciência”. A ciência é uma construção histórica e sua maneira de ser feita não se deve necessariamente à natureza ou a estrutura de nossa racionalidade (racionalismo). Esta visão da prática científica, baseada no construtivismo, não se fundamenta em nenhuma teoria sobre a realidade (ontologia), mas na prática do sujeito; em seu próprio ponto de vista. Assim, as diferentes interpretações da natureza são baseadas na interação do observador com o mundo; construções (constructos) que visam dar sentido aos seus projetos subjetivos. O conhecimento científico não é uma descrição exata da realidade; trata-se muito mais de uma teoria descritiva que na prática funciona.
Um dos fundamentos da teoria científica é baseado no atomismo de Demócrito: o átomo (ou outras partículas e subpartículas) como sendo as últimas partes constituintes da realidade. A epistemologia atomista leva a uma visão dualista da realidade, formada pela interação entre o sujeito (o que observa a realidade) e o objetivo (tudo o que é observado). Outro fundamento do pensamento científico é o método axiomático, herdado do geômetra Euclides e desenvolvido pelo pensador francês do século XVII René Descartes. Segundo esta metodologia de análise – mais tarde aplicada por Descartes também à geometria analítica – os problemas devem ser desmembrados em partes, de modo a facilitar sua apreensão. Desta forma, segundo o autor, pode-se ver a teoria científica como um conjunto de propostas (axiomas da antiga geometria euclidiana), organizados na forma de um todo harmônico, capaz de explicar certo fato científico.
No entanto, ao longo do desenvolvimento da ciência e da matemática durante os últimos 350 anos, foram aparecendo fatos que gradualmente colocaram em cheque a visão ortodoxa da racionalidade científica. O matemático Kurt Gödel (1906-1978) provou com seu Teorema da Incompletude, que resumidamente diz que em um sistema de axiomas auto-consistentes sempre existirão proposições que não poderão ser comprovadas pelo sistema, ou seja, o sistema é incompleto e incapaz de dar uma explicação total às questões que ele mesmo coloca. Outro exemplo é dado pela física de partículas, com o Princípio de Indeterminação, elaborado pelo físico Werner Heisenberg (1901-1976). Segundo este princípio, nunca será possível determinar a posição e a velocidade de um elétron. Isto porque, o fóton emitido pelo equipamento de medição já tira o elétron de sua posição original. O mesmo acontece se os cientistas tentarem medir o sentido de sua rotação (spin).
Na física quântica também ocorrem fenômenos que colocam em cheque muitos aspectos da suposta racionalidade da ciência: partículas que têm o mesmo comportamento como se formassem pares, mesmo que situadas a longas distâncias. Outras que têm um comportamento completamente aleatório, imprevisível. Isso tudo sem falar nos paradoxos (aparentes) da Teoria da Relatividade, segundo a qual objetos se deslocando a velocidades diferentes em relação a um mesmo ponto de referência, têm diferente percepção do desenrolar do tempo.
Em suma, a visão de que a realidade material pode ser explicada através de teorias simples, num encadeamento lógico que ganha em complexidade, não é mais possível. A matemática e a física têm levantado tantas questões, que a ciência convencional – e com ela a epistemologia – já não pode mais explicar a realidade.
Outro aspecto que o autor levanta é com relação à ética na ciência. O desenvolvimento científico, além de não resolver grande parte dos problemas sociais, acabou criando novos; como os impactos ambientais, as armas de destruição em massa ou o descontrole da prática científica (os perigos da nanotecnologia e da inteligência artificial sem limites). Além disso, aponta o artigo o problema da superespecialização de setores da ciência, gerando um conhecimento cada vez mais fragmentado, compartimentado, com profusão de teorias; situação característica do modelo axiomática de ciência.
O autor também coloca a questão sobre quais interesses estão por trás da prática científica. Além de sua função utilitária de fazer prognósticos, a quem servem estes prognósticos? Se a ciência reflete os projetos e interesses do observador, de que observador estamos falando? Recomenda o autor que a ciência não seja distante da ética e que seja mais responsável e reflexiva, considerando que há uma crescente desconfiança por parte da opinião pública em relação à prática científica.
Paralelamente desenvolvem-se novas visões do pensamento científico; mais abrangentes e englobando idéias como a transdisciplinaridade, o pensamento complexo, a holística, ultrapassando os paradigmas do atomismo e do método axiomático. Ao invés de “prognosticar para manipular e controlar” as novas correntes epistemológicas são orientadas para “mapear para equilibrar e dar autonomia”. A frase do autor conclui nosso texto: “Ainda que tenhamos nos concentrado neste ensaio apenas nos aspectos epistemológicos e éticos da ciência, ela é uma atividade coletiva e social, sendo este aspecto extremamente importante para qualquer consideração, pois a ciência só mudará quando os cientistas mudarem, quando nós, coletivamente, aceitarmos e praticarmos novas formas de cientificidade.”
(Imagens: fotografias de Ricardo E. Rose)